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Chamados para depender

Artigo de opinião escrito por Ana Clara Fernandes Rendeiro, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2025


O nascer do sol belíssimo, o rio que se dividia em quatro direções, a criatividade manifestada na variedade de animais e o prazer de comer uma diversidade de frutos. No princípio, Adão e Eva desfrutavam de tudo isso no jardim. E mais, desfrutavam da presença do Criador, que a cada dia caminhava com eles na viração do dia. Embora tivessem acesso a tudo isso, eles deixaram de crer no Deus provedor e passaram a cultivar a semente da dúvida em seus corações. 

Essa inclinação humana para duvidar da bondade de Deus está presente até hoje. As artimanhas de Satanás sugerindo que Deus não é tão amável quanto diz ser rondam as mentes e os corações dos seres humanos. As Escrituras, todavia, nos chamam a confiar e depender do Deus que nos formou. Em um cenário em que o inimigo insistentemente nos fala que Deus não é nosso provedor, a palavra de Deus precisa falar mais alto dentro de nós a fim de que nos firmemos no que o Criador diz.

No princípio de Gênesis, lemos que Deus formou o homem do pó da terra e soprou em suas narinas o fôlego de vida, tornando-o, assim, alma vivente (cf. Gn 2.7). A vida, pois, para o ser humano está intrinsecamente ligada à pessoa de Deus. Um simbolismo relacionado a isso é a árvore da vida, que ficava no jardim (VOS, 2019, p. 44). Apocalipse também faz referência às árvores da vida dos dois lados do rio da vida. Por certo, do início ao fim da Escritura, a vida é expressa como algo que vem de Deus para a humanidade. Nas palavras de Geerhardus Vos, os simbolismos indicam que “a vida vem de Deus; que, para o homem, ela consiste em proximidade de Deus” (2019, p. 44).

Depois da queda, Deus, ciente de que o homem tentaria tomar do fruto da árvore da vida por sua própria força, colocou anjos para proteger o caminho para árvore e uma espada flamejante que se movia em todas as direções (cf. Gn 3:24). Isso revela a inclinação do homem de buscar vida a parte de Deus, o que não é possível. Todavia, em diversas áreas, como estudo, trabalho e relacionamentos, as pessoas pensam que devem se apoiar em suas próprias forças ao invés de se apoiar na força que vem de Deus. Tal tentativa pode conduzir a um quadro de ansiedade ante a perspectiva de que devemos lidar sozinhos com nossos desafios em um mundo onde Deus não intervém.

Somos inclinados a caminhar por nossas próprias forças, acreditando na mentira de Satanás de que não há força suficiente em Deus para nos prover, de que Deus não está tão interessado em nossas vidas, de que não precisamos depender de Deus. Observa-se, pois, que a mentira contada a Eva é a mesma contada a nós, com outra roupagem. Nós precisamos nos lembrar, todavia, de que sem o Criador, sequer existiríamos. Foi Deus quem fez o ser humano e proveu para ele alimento, trabalho, companhia. 

A desconfiança, porém, que há no coração do homem quanto a bondade de Deus nos leva a pensar que Deus não é poderoso e amável o suficiente para nos suprir. No jardim, isso foi atiçado pela voz da serpente ao sugerir que Deus estava privando o homem e a mulher de algo que seria proveitoso; tal voz falou mais alto no interior humano do que a voz de Deus. Apesar de ser possível ver a inclinação humana para independência desde o Éden, as Escrituras nos convidam continuamente a confiar em um Deus próximo e pessoal.

De início, observa-se que, depois do fatídico erro da humanidade, foi Deus quem se aproximou e chamou Adão de entre as árvores. Mesmo em meio ao pecado, Deus não deixou a raça humana à sua própria sorte. A chamou para uma conversa na qual censurou  o homem e a mulher por comerem do fruto proibido, mas na qual também prometeu uma solução, que foi levada a cabo pelo próprio Deus. Essa é vista nas palavras dirigidas à serpente: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.” (Gn 3.15)

Vê-se que, ao longo de Gênesis, o desejo humano pela independência continuou, manifestando-se na construção da torre de Babel. Os homens queriam fazer para si um nome grande, ficar famosos, à parte de Deus. Então, o Senhor interveio para confundir as línguas e frustrar os planos (cf. Gn 11). É curioso notar o paralelo que há entre essa história e a narrativa de Abraão, a quem Deus fez a promessa de que o tornaria famoso (cf. Gn 12). Os homens de Babel estavam agindo a partir da força do braço; Abraão, a partir da fé em Deus.

Mais adiante, é visto outro contraste entre depender de Deus e agir pelas próprias forças. Deus prometeu um filho a Abraão (cf. Gn 15:4). Todavia, como os anos passavam e essa promessa não era cumprida, Sara ofereceu sua serva Hagar para que tivesse um filho através dela (cf. Gn 16). Ao agir pelo seu próprio entendimento, Sara tentou fazer com que a promessa fosse cumprida através de suas estratégias humanas. Deus, todavia, permaneceu fiel ao que dissera e proveu miraculosamente um filho a Sara (cf. Gn 21).

Outro exemplo em que há um embate entre confiar em Deus ou se apoiar no próprio entendimento é observado tanto na vida de Abraão quanto de Isaque quando dizem que suas esposas são suas irmãs por medo de que os homens da terra os matem para terem suas esposas (cf. Gn 20; 26). O ato de mentir está muito atrelado ao medo das consequências da verdade. Nesses episódios, Abraão e Isaque confiaram mais em suas defesas do que na defesa de Deus. Outra vez a voz da serpente falou mais alto do que a voz de Deus.

Em meio a essa guerra de vozes, a virada de chave para dependermos de Deus no nosso caminhar é entender que o Senhor está perto e caminha conosco. Nas palavras de Luiza Nazareth:

Seguir uma religião cristã é diferente de seguir com Cristo, o filho amado que foi enviado para ser a porta, o caminho e a verdadeira vida para todo aquele que nEle cresse. No caminho da religião do esforço próprio, há uma série de regras para se esforçar a obedecer e uma série de práticas e rituais para seguir. No caminho com Jesus, há uma pessoa com quem seguimos. Não seguimos alguém que está de fora e distante nos avaliando, mas seguimos com alguém que está aqui, dentro de nós, nos guiando e capacitando por meio da presença e poder do seu Espírito que agora habita em nós (Nazareth, 2021, p. 140).

Uma ilustração que as Escrituras usam para transmitir a ideia de dependência é o cuidado do pastor para com a ovelha no Salmo 23. Tal ofício envolvia prover para o animal cada uma das suas necessidades. Ora o repouso em pastos verdejantes, ora a saciedade em águas tranquilas. Nos momentos escuros e sombrios, a presença constante do pastor. Diante dos perigos e desvios, a vara e o cajado. 

Observa-se que a figura da ovelha não se restringe à pessoa do rei Davi, autor do salmo. Mais adiante, no Salmo 77.20, lemos que Deus conduziu Israel como um rebanho pelas mãos de Moisés e Arão. Vê-se que tal comparação não se limita ao povo judeu, pois em I Pedro 5.2, a igreja é chamada de rebanho de Deus. Assim, todos aqueles que creem em Cristo podem aplicar para si a metáfora da ovelha.

Outra ilustração que retrata a nossa dependência de Deus é a da videira de João 15. Nesse texto, Jesus é apresentado como a videira, o Pai como o agricultor, e nós como os ramos. O versículo 4 anuncia com clareza “assim como um ramo não pode produzir fruto se não estiver na videira, vocês também não poderão produzir frutos a menos que permaneçam em mim.” Ademais, o versículo 5 enfatiza “sem mim, vocês não podem fazer coisa alguma”.

É infrutífera a inclinação humana de depender de suas próprias forças porque não há força suficiente em nós para produzirmos frutos. Precisamos da seiva que vem da videira. O ramo é incapaz de produzir qualquer fruto à parte da videira. Essa ideia equivocada de que devemos depender de nós mesmos gera em nós ansiedade. De fato, muitas vezes, nos sentimos incapazes ante os desafios da vida. Nesses momentos, a nossa resposta não precisa ser um “eu consigo”. Pode ser um reconhecimento de nossa incapacidade e dependência do Senhor. Nossa resposta pode ser “eu não consigo por mim mesmo, Deus. Me ajuda”.

Assim, o obstinado coração humano que se inclina para uma postura de independência precisa ser marinado das águas da Palavra de Deus a fim de amolecer-se e descansar nas mãos do Todo-Poderoso. Por certo, desde o princípio a vida está atrelada a Deus. Ao longo da história, o Senhor revelou a Abraão, a Isaque e a tantos outros que deveriam depender seu Sua força. No mais, as metáforas do pastor em relação à ovelha e da videira em relação ao ramo ressaltam nossa incapacidade e nossa necessidade do Senhor. Portanto, observa-se que no decorrer da Escritura, o Deus Emanuel nos chama continuamente à dependência.


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Referências Bibliográficas

BÍBLIA SAGRADA. Nova Versão Transformadora. Geográfica, São Paulo: Mundo Cristão, 2022

NAZARETH, Luiza. Livre, leve e forte: um caminho para se libertar do que te pesa e descobrir a leveza e a força que você foi criada para ter. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2021.

VOS, Geerhardus. Teologia bíblica: Antigo e do Novo Testamentos. Tradução: Alberto Almeida de Paula. 2 ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2019.