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Entrevista com Craig Detweiler

Por Bruno Maroni, colaborador do Invisible College

No começo dos meus estudos sobre fé cristã e cultura popular, procurei o que pude de títulos que me ajudassem a entender o que está em jogo nessa rica (e complicada) interação. O conteúdo ainda é escasso. Mas, um dos livros que encontrei e fez toda a diferença nas minhas pesquisas e no modo como vejo a cultura pop à luz da fé cristã foi A Matrix of Meanings: Finding God in Pop Culture (Uma Matrix de Significados: Encontrando Deus na Cultura Pop), escrito por Barry Taylor e Craig Detweiler. É com Craig que tive a oportunidade de conversar sobre alguns dos tópicos que perpassam o tema cristianismo e cultura.

Ele tem PhD em Teologia e Cultura pelo Fuller Seminary e foi professor no departamento de Comunicação de Massa na Biola University. Além de escrever sobre teologia, cultura pop, arte, entretenimento e mídia, Craig também é roteirista e produtor cinematográfico. Além de A Matrix of Meanings, também escreveu Into the Dark: Seeing the Sacred in the Top Films of the 21st Century (2008), iGods: How Technology Shapes Our Spiritual and Social Lives (2013), Selfies: Searching for the Image of God in a Digital Age (2018) e Deep Focus: Film and Theology in Dialogue (2019). Ele compartilhou comigo algumas impressões sobre interação cultural, falando sobre o papel da igreja na cultura pop, o lugar da espiritualidade no entretenimento, a nossa relação com a mídia hoje em dia e sobre como a história do evangelho encontra pontes de contato nas histórias da cultura pop. Veja aqui o que ele disse!


1) Craig, você tem escrito sobre fé cristã, cultura, arte e entretenimento há algum tempo e já publicou livros a respeito. Você também atua como roteirista e produtor de cinema. Quais são as suas motivações para estudar a interação da fé com a cultura pop?

Sempre fui profundamente movido pela cultura pop. Algumas das minhas primeiras memórias mais vívidas da infância giram em torno de filmes que vi ou programas que assisti com meus pais. Músicas e histórias invadiram meu coração e me levaram às lágrimas e às gargalhadas. Eu queria entender por que isso — por que certas histórias ressoam tão fortemente em nossos corações, mentes e almas. Por que voltamos aos mesmos personagens ou contos repetidamente como uma forma de garantir conforto? Sim, as histórias da Bíblia têm esse tipo de poder cultural, mas as canções que cantamos e os filmes que assistimos também podem deixar uma marca duradoura em nossa alma.

2) Quais são as suas principais referências (como autores e livros) para esse tipo de diálogo entre o cristianismo e a cultura?

Uma das razões pelas quais escrevi livros é porque não encontrei tantos recursos quanto esperava nesta área. Por exemplo, posso não ter sido a melhor pessoa para escrever um livro sobre teologia e videogames, mas achei que poderia pedir a estudiosos mais jovens do que eu para refletirem e escreverem sobre suas experiências. Isso levou à edição de Halos and Avatars. O mesmo aconteceu com meu livro sobre tecnologia e mídias sociais — eu precisava de recursos e quando terminei de fazer minha pesquisa, percebi que tinha material suficiente para escrever meu próprio livro, iGods.

Entre os teólogos que abriram meu caminho estão Hans urs Von Balsathar, Jacques Maritain, Andrew Greeley e H. Richard Neibuhr, e escritores como Anne Lamott, Frederick Buechner e Madeleine L’Engle. Meu mentor no Fuller Seminary, Robert K. Johnston, também tem sido um parceiro de diálogo bastante útil nas últimas décadas.

3)  Por que você considera importante para um discípulo de Jesus participar intencionalmente da cultura? Quais são os riscos que precisamos evitar nesta iniciativa?

À medida que a influência da igreja diminuiu, a cultura ocupou a lacuna como criadora de significado para muitas pessoas. Alguns se voltaram para a política em busca de significado. Outros ligaram a TV ou navegaram em seus telefones. Jesus sempre falou por meio de metáforas cotidianas, coisas que cercavam as pessoas — pesca, agricultura, etc. Portanto, adotar a linguagem dos filmes da Marvel ou de Harry Potter me parece bastante normal e totalmente bíblico — traduzindo verdades bíblicas atemporais em estruturas contemporâneas.

O perigo é que as pessoas às vezes usam o objetivo da relevância cultural como um disfarce para justificar seus desejos. Muitas pessoas assistiram Game of Thrones por causa do sexo e da violência, em vez da história mais ampla sobre como o poder nos corrompe. Em um esforço para parecermos relevantes, podemos nos sujeitar ao entretenimento desumanizante e dessensibilizante.

4) Qual papel a boa teologia bíblica tem para uma interação saudável com a cultura contemporânea?

Não faltam pontos de referência culturais — eles nos cercam, mas muitos de nós carecem de uma estrutura bíblica básica. Muitos não sabem como colocar os versos da Bíblia no contexto, para fazer a exegese adequada. Podemos nos concentrar em Jeremias 29:11 e não perceber que a promessa é precedida por 70 anos de exílio. Portanto, esperamos uma solução rápida quando Deus diz aos exilados culturais: “Busquem o bem-estar da cidade e das pessoas que os derrotaram e então os trarei de volta à terra prometida”. Poucas pessoas estão focadas no que acontecerá daqui a 70 anos. Queremos respostas e alívio HOJE.

5) O que faz da cultura pop… “pop”? Você acha que há espiritualidade envolvida no mundo do entretenimento?

A cultura pop é simplesmente o que é popular. E embora às vezes isso se deva à provocação, como em uma música sexualmente sugestiva de Cardi B, também pode surgir da expressão de nossos anseios mais profundos e incipientes. Pense nos títulos de canções antigas como “I Want to What Love Is” (Foreigner) ou “I Still Haven’t Found What I’m Looking For” (U2) ou mesmo a vencedora do Grammy de 2021 da H.E.R., “I Can’t Breathe”. Cada um deles é semelhante à linha de abertura de um Salmo, expondo uma insatisfação, uma queixa, um grito de socorro. 

As melhores canções são comparáveis aos Salmos dirigidos a Deus, perguntando por que o mundo está quebrado, por que estamos tão sozinhos, se seremos resgatados ou vistos. Os Salmos na Bíblia lembram muito o que a música americana chama de “The Blues”.

Além disso, muitos artistas vêm de uma formação religiosa, talvez tendo crescido na igreja. Alguém como Katy Perry divagou por muitos anos antes de voltar com uma música como “By the Grace of God”, ou Justin Bieber e “Where You Go, I Follow”, como um sentimento bíblico.

6) Parece que a mídia hoje opera com conteúdo infinito. Quais os resultados dos avanços tecnológicos sobre a produção e o consumo de cultura pop? 

Estamos definitivamente em um momento de “tudo que puder comer” no que se trata de mídia. Então surgiu a necessidade de moderar nosso consumo. Precisamos exercer sabedoria e discernimento para não nos empanturrar. Talvez precisemos refletir sobre o que acabamos de ver antes de deixar que a Netflix avance para o próximo episódio. Aprender a apertar o botão de pausa é cada vez mais importante, assumir o controle da nossa dieta de mídia em vez de apenas comer demais.

7) Como a pós-modernidade influencia na configuração da cultura pop contemporânea? 

A fragmentação que faz parte do nosso consumo de mídia está enraizada na pós-modernidade. À medida que as instituições culturais maiores perderam sua influência, a cultura pop preencheu nossas lacunas. Estamos acostumados a reunir fragmentos e segmentos de músicas, shows, etc. e estilizá-los em nossa própria história. Desconstruímos a mídia e a refazemos à nossa própria imagem. A mesma coisa pode acontecer com a fé e a espiritualidade. À medida que criamos nossas próprias playlists, também podemos ficar presos em uma bolha de mídia criada por nós mesmos, ouvindo e aproveitando apenas as coisas que já conhecemos ou com as quais concordamos.

Precisamos de fontes que desafiem nosso pensamento, expandam nossa experiência, revelem novos aspectos de Deus que preencham nossos pontos cegos. A ânsia por uma nova metanarrativa se reflete em nossa abertura para grandes histórias como O Senhor dos Anéis, a saga de Harry Potter ou mesmo o Universo Cinematográfico Marvel. Como as histórias de formativas são fragmentadas pela pós-modernidade, ansiamos mais do que nunca por uma metanarrativa que nos envolva.

8) Quais você diria que são os ídolos mais enfáticos que motivam a cultura pop hoje? E quais são os traços de graça mais evidentes que ela comunica?

Os velhos temas da ganância e gratificação instantânea são bastante evidentes. O narcisismo de nossos líderes se reflete nos feeds de nossas  mídias sociais. Todos nós queremos ser famosos, ser tratados como celebridades, receber tratamento VIP. Mesmo assim, qualquer estudo sobre a vida das celebridades revela o quão vazio e insatisfatório pode ser gerenciar nossa imagem. É cansativo projetar constantemente uma determinada imagem. (Eu falo muito sobre isso em meu livro SELFIES). 

Nossa insatisfação com nossa aparência também está diminuindo. A necessidade de se sentir amado, percebido e afirmado está sempre diante de nós. Hinos de auto-empoderamento, como “Beautiful” de Christina Aguilera e “Juice” de Lizzo ilustram o quanto desejamos ser aceitos da maneira que somos. E não é esse o cerne da mensagem de Jesus? Deus nos ama mesmo quando estamos quebrados. A chave para os cristãos é assumir o quebrantamento, arrepender-se e começar uma nova vida. Esse é um estilo de vida diferente.

9) Qual é a contribuição singular das produções artísticas para o entendimento da nossa atmosfera cultural? Tem algum aspecto na arte que a torne um medidor distinto das tendências da nossa cultura?

Você pode olhar para os filmes indicados ao Oscar todos os anos como uma janela para a nossa atmosfera cultural. Um filme como Spotlight pode refletir os escândalos da Igreja Católica na América, mas padres abusivos são na verdade um problema global. Um filme como Parasita mostra as divisões econômicas e de classe na Coreia do Sul, mas os abismos entre ricos e pobres são evidentes, angustiantes e desestabilizadores em todos os lugares. Nomadland mostra como as pessoas pegam a estrada e vivem em seus carros quando não há mais empregos e casas decentes.

Filmes como Judas e o Messias Negro nos ensinam há quanto tempo as vidas negras importam, e Bela Vingança reflete a raiva evidente no movimento Me Too [movimento contra o assédio e agressão sexual], em que as mulheres reivindicam justiça apropriada. O melhor da arte costuma ser uma janela para nossas ansiedades e anseios culturais.

10) Quais direções objetivas você daria a estudantes de teologia pública, que servem em comunidades cristãs, para participarem ativamente na cultura pop?

Algumas das necessidades mais profundas das pessoas são físicas — comida, abrigo, roupas, justiça. Mas algumas são espirituais: “Quem sou eu? Quem somos nós? Onde está Deus no meio de tudo isso?”. A arte sempre nos ajudou a responder perguntas duradouras — a dar sentido às nossas experiências. Boas histórias nos fazem sentir um pouco menos sozinhos. Cantores e cineastas podem se enfurecer contra a injustiça, assim como os profetas, ou oferecer conforto e segurança como um pregador. Jesus era um profundo contador de histórias por meio de parábolas. Hoje somos convidados a seguir seu exemplo. 

Converse com a sua comunidade — descubra quais filmes, programas e músicas movem as pessoas. Ouça com atenção e descubra por quê. E então conecte as Escrituras a essas histórias — inverta a hermenêutica — da cultura às Escrituras — e as pessoas responderão.