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Enxergando o Sabbath à luz da Criação

Escrito por Mateus Rigolin, estudante do Programa de Tutoria – Turma Essencial 2021

INTRODUÇÃO

O assunto do Sabbath pode ser polêmico no meio evangélico, e muito disso ocorre por conta da falta de compreensão mais profunda do que o mandamento está indicando. Alguns grupos reduzem-no como um mandamento rígido que está direcionado a um dia específico, tal qual o povo de Israel vivenciou por muito tempo, como é visto nas páginas das Escrituras.

Apesar desta introdução, o problema não está em definir um dia, mas em enrijecê-lo de modo a isentar-se até mesmo de praticar ações que glorificariam ao Senhor, por estarem requerendo a sua atenção naquele dia específico – como faziam os Fariseus. De outra forma também, a igreja hoje pode se perder na correta aplicação da essência do Sabbath. Como aborda Geerhardus Vos:

O Sabbath não é, em primeiro lugar, um meio para o progresso da religião. Ele tem seu significado principal à parte disso, ao indicar os elementos eternos da vida e da História. […] É uma séria questão se a igreja moderna não perdeu muito dessa visão ao fazer do dia quase que exclusivamente um instrumento de propaganda religiosa à custa do seu valor tipificador da eternidade. (2019, p. 176)

Para evitar estas interpretações erradas – ou pelo menos incompletas –, outro autor, Gerard Van Groningen, ajuda a esclarecer a matéria. Quando aborda que o uso do termo “descansar” pode levar a  problemas complicados, o mesmo informa que o termo hebraico é muito mais amplo que isso e pode significar: repousar, fazer cessar, descartar, fazer fracassar, celebrar, guardar o sábado, afastar-se, sofrer necessidade, guardar, tirar, acalmar ou aquietar (1998, p. 6).

  1. A NÃO COMPREENSÃO DO PACTO DE YAWEH COM OS HOMENS

Geerhardus Vos inicia o trecho em que trata do Sabbath, em seu livro Teologia Bíblica, da seguinte maneira:

Esse dever está baseado em Êxodo (cf. Deuteronômio), não em alguma coisa feita para Israel, em particular, mas em algo feito na criação do mundo. Isso é importante porque é mediante esse fator que permanece ou fracassa a validade geral do mandamento para toda a humanidade.  (2019, p. 173 – ênfase do autor)

Uma vez que é entendido que o Sabbath é uma instituição anterior à lei mosaica, é lançada luz sobre a essência e profundidade desse ensinamento para qualquer tempo. O Sabbath passa a ser compreendido não apenas como um mandamento, mas como uma recordação de que a obra de Yahweh já está completa, como lê-se na criação.

Como abordado por Guilherme de Carvalho (2019) em uma série de mensagens em Gênesis, quando o hebreu cessava de trabalhar no sétimo dia, ele se lembrava que Yahweh não era como os outros deuses que tinham a humanidade como sua escrava, como aquela que desempenhava o trabalho que os deuses estavam afadigados de fazerem e por isso criou-a para substituí-los. Antes, a criação já estava completa e era dádiva do criador às suas criaturas.

Não separar um dia para cessar os trabalhos diários e celebrar a Yahweh demonstra uma falta de entendimento do que o Sabbath tipifica.

Antes de todas as outras coisas importantes, portanto, o Sabbath é uma expressão do princípio escatológico no qual a vida da humanidade tem sido edificada. […] Mesmo entre os professores judeus, esse significado profundo do Sabbath não era totalmente desconhecido. Um deles, ao ser perguntado sobre como seria o mundo por vir, respondeu que seria semelhante ao Sabbath. (VOS, 2019, p. 175 – ênfases do autor)

Guardar o Sabbath é, portanto, a lembrança de que Yahweh já estabeleceu um pacto com a humanidade e que o dia do descanso real já foi instituído. É se lembrar de que o trabalho pode até ser exaustivo – como a maldição da queda disse que seria – mas a humanidade pode descansar sabendo que o plano de Yahweh não falhou e seu povo tem ainda um descanso a usufruir, por graça.

2. A INSATISFAÇÃO DOS CORAÇÕES MODERNOS

Em adição a falta de compreensão do pacto de Yahweh, os cristãos modernos tendem a interpretar o Sabbath tão somente como um dia para não fazer nada, ou ainda, como já comentado anteriormente neste artigo, apenas como um dia de propaganda religiosa, “dia de ir ao culto”.

Groningen de fato apresenta o Sabbath como dia de culto, dia de apresentar sacrifícios aos sacerdotes no período veterotestamentário. Além disso, porém, é dia de festa e de celebrar em gratidão o trabalho que já foi realizado (1999, p. 8).

Como apresenta também Geerhardus Vos:

Em relação com Deus, “descanso” não pode, é claro, significar a mera cessação do trabalho, muito menos recuperação do cansaço. Tal significado não é requerido de maneira alguma no uso da palavra no Antigo Testamento. “Descanso” se assemelha à palavra “paz” no sentido de que ela tem, na Escritura, em função da mente semítica em geral, um tom positivo em vez de negativo. Ela significa a consumação de um trabalho realizado e a alegria e a satisfação advindas disso. Esse era o protótipo em Deus.  (2019, p. 174 – ênfase do autor)

Em uma sociedade que nunca está satisfeita com o quanto já se alcançou, o quarto mandamento nos lembra que, por conta da aliança com Yahweh, é possível descansar, parar o trabalho e celebrar o que já foi concluído. É olhar para o Sabbath e sentir, antecipadamente, o frescor daquele descanso que haverá de vir.

Além disso, essa pausa é uma forma de testemunho, aos que não fazem parte da aliança, da graça de Yahweh para com os seus, permitindo-os descansar e regozijar em seu trabalho, ainda que não seja perfeito, mas sabendo que um dia o será.

CONCLUSÃO

Refletir sobre o Sabbath traz à memória o fato de que a humanidade perdeu de vista a aliança divina, aquela instituída desde antes dos patriarcas, aliança de graça e favor de Yahweh em direção a uma humanidade que sente medo e se afasta da comunhão que deveria fruir, assim como se afastaram Adão e Eva.

Quando a humanidade se distancia da comunhão com Yahweh, ela se sente obrigada a trabalhar ainda mais, sem interrupções, porque não compreende que aquele que a formou já preparou todas as coisas e há de suprir o que for necessário.

É importante notar, ainda, que o primeiro casal foi colocado no jardim para cuidar e cultivar dele – ou seja, envolve trabalho, não é um chamado à ociosidade –, mas eles sabiam que quem provia todas as coisas era o Senhor Deus e por isso podiam seguir os passos de seu criador e se aquietarem.

Portanto, que a igreja, aquela que faz parte dessa aliança com Yahweh, compreenda que o seu Criador é aquele que provê. Que ela seja capaz de parar um dia da semana para agradecer ao Senhor por tudo o que já foi construído até o momento, cultuar ao seu gracioso Deus, e descansar de seu trabalho, repetitivo e diário, sabendo que, ainda que as coisas não estejam caminhando bem, Yahweh será aquele que conduzirá os próximos passos até o eterno descanso, onde não haverá mais ansiedade, nem preocupação, nem cansaço.


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REFERÊNCIAS

CARVALHO, Guilherme de. Origens I: Gênesis 1 – 11. L’Abri Fellowship Brasil. In: The Pilgrim (aplicativo). 2019.

GRONINGEN, Gerard Van. O Sábado no Antigo Testamento: tempo para o Senhor, tempo de alegria nele. Fides Reformata 3/2. 1998. 17 p. Disponível em: <https://bit.ly/3scP7ML>. Acesso em 21 de fevereiro de 2021.

_______________. O Sábado no Antigo Testamento: tempo para o Senhor, tempo de alegria nele (II). Fides Reformata 4/1. 1999. 13 p. Disponível em: <https://bit.ly/2NnWcLC>. Acesso em 21 de fevereiro de 2021.

VOS, Geerhardus. Teologia Bíblica: Antigo e Novo Testamentos. 2. ed. Trad. Alberto Almeida de Paula. São Paulo: Cultura Cristã, 2019. 496 p.

1 comment

  1. Katya

    Em meio à uma crise profissional, fiquei emocionada ao perceber mais uma finalidade para o Sabbath e o quanto ainda preciso melhorá-lo em minha vida.
    Recentemente, me dei conta de que o trabalho em casa se estendia não só além de meu horário na semana, mas também aos sábados e aos domingos, enquanto separava apenas um horário ao final do domingo para acompanhar o culto, que está sendo on-line.
    Glórias ao bom Deus pela sabedoria agraciada neste texto.
    Que Deus os abençoe.

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