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Educação Cristã Garantida: Caminhos e Descaminhos da Pedagogia Freireana

Escrito por Ana Ester Correia Madeira de Souza, estudante do Programa de Tutoria – Turma Avançada 2020

INTRODUÇÃO

A pedagogia assumiu vários conceitos ao longo do tempo, transformando-se e assumindo papeis de acordo com as necessidades de sua época. Das muitas tradições que a definiu, ela se transformou num conceito sobre o que fazer com a educação – seja de crianças, jovens, idosos, entre outros indivíduos.

De acordo com Ghiraldelli Jr (2007), três tradições se ocuparam em dar conceitos ao termo, bem como recomendar ou proibir ações no ensino e aprendizagem: Durkheim na França, Herbart na Alemanha e Dewey nos Estados Unidos. No Brasil, a pedagogia foi tratada no campo da filosofia da educação trazendo “objetivos educacionais com base em valores […] que dependem não só da educação, mas de uma mudança geral da sociedade”. Nesse contexto surge Paulo Freire, apontando para uma pedagogia da emancipação daquele que foi “oprimido”, levando-nos a desenvolver um conceito de “pedagogia de acordo com uma política educacional voltada para os setores sociais populares” (p. 28).

O entendimento do Patrono da Educação Brasileira – como merecidamente é reconhecido – revolucionou a prática pedagógica, o ambiente escolar e a educação como um todo. Compreensivelmente, acabamos por assumir muitas das suas ideias e aplicando de forma, muitas vezes irrestrita, ao que entendemos como educação cristã porque, de fato, são ideias legítimas de alguém que prezava por um ensino acessível à criança em sua realidade.

A questão a ser colocada nesse artigo trata sobre as bases filosóficas que levaram Paulo Freire a desenvolver um pensamento educacional histórico-crítico, com fundamentos que, em sua essência, negam a razoabilidade da crença cristã no processo de desenvolvimento da criança. Sendo assim, buscando usar do rigor da filosofia analítica de Alvin Plantinga (2016; 2018), existem características que aproximam e outras que afastam o Patrono de uma educação fundamentalmente cristã que, para ser avalizada – usando o termo do próprio Plantinga – precisa ter esses pontos esclarecidos.

A PEDAGOGIA FREIREANA

O ponto de partida de Paulo Freire é entender o ser humano como um ser histórico, envolvido em condições de espaço e de tempo. Existem seis princípios, Conforme Miranda e Barroso (2004), que não só fundamentam como também se configuram como a fonte de força da pedagogia de Freire.

De acordo com Miranda e Barroso (2004), o primeiro está na concepção de que toda ação educativa é precedida de reflexão sobre o homem e de uma análise sobre o meio de vida do sujeito a quem se está ensinando. Em seguida, o homem chega a ser sujeito por uma reflexão sobre o ambiente onde está inserido, sendo levado ao desenvolvimento de uma consciência e atitude crítica para mudar a realidade.

Temos o terceiro princípio o qual entende que, através da integração do homem com o seu contexto, haverá a reflexão, comprometimento e a construção de si mesmo como sujeito. Isso porque o homem é capaz de reconhecer que existem realidades para além dele, levando-o a relacionar-se com outros indivíduos considerando-os como sujeitos (MIRANDA; BARROSO, 2004).

Miranda e Barroso (2004) afirmam que o quarto ponto compreende que, à medida que essas relações acontecem e se integram à realidade do sujeito, ele passa a refletir, criar respostas a seus questionamentos. Nesse sentido, ele passa a ser criador de cultura e fazedor da história. Por essa razão, é essencial – e aqui mora o sexto aspecto – que a educação permita que o homem se construa enquanto pessoa; transforme o mundo; estabeleça relações de reciprocidade; e faça cultura e história. Pensamento este que culminou na formulação de alguns conceitos essenciais para a prática de Paulo Freire, como por exemplo: liberdade, humanização, conscientização, diálogo, cultura, reflexão crítica e problematização.

Os três primeiros serão levados em consideração para discutir nesse artigo – liberdade, humanização e conscientização – em diálogo com a filosofia analítica de Alvin Plantinga. Como esses conceitos se aproximam e se afastam de uma educação cristã avalizada? O que uma pedagogia fundamentada na cosmovisão cristã garante à formação da criança que pensamentos como o de Paulo Freire não consegue fazê-lo de maneira integral?

EDUCAÇÃO CRISTÃ AVALIZADA

Os três conceitos destacados no item anterior caminham lado a lado. A liberdade, na concepção de Paulo Freire, se baseia numa ideia fenomenológica-existencialista que, de acordo com Silva (2012, p. 118), significa “o existir autônomo”, significação dada historicamente. A conscientização é entendida como um teste sobre a realidade, quando o ser humano passa a observar o mundo e agir conscientemente sobre ele num compromisso histórico de transformação (AGOSTINI, 2018). Por fim, ainda é importante o conceito de humanização, onde Paulo Freire observa a condição de inacabamento do homem, sendo completo somente por meio da educação (JÚNIOR; NOGUEIRA, 2011).

Ao primeiro olhar parecem ser anseios legítimos para a educação brasileira, e não deixam de ser. Os descaminhos e a sensação de incompletude começam a aparecer quando esses conceitos são absolutizados como a resposta para o problema da educação e, consequentemente, da humanidade. Mas a garantia de uma educação efetiva que considere a integralidade do ser humano vai além.

No conceito de liberdade, por exemplo, o descaminho de Paulo Freire está em reduzir o ser humano à própria existência em si, desconsiderando sua essência, como se ele não tivesse uma existência permanente – a que lhe dá verdadeiramente liberdade, como é o caso do Criador soprando a vida sobre a criatura (DULCI, 2019). A ideia da conscientização passa por outra absolutização: o entendimento de que as ações de reflexão do homem servem, somente para agir na história, quando na verdade precisa considerar a transformação dele, enquanto ser humano, por completo: nas suas emoções, no seu aspecto político, no seu aspecto social e também no aspecto da fé (DOOYEWEERD, 2018).

Por fim, e talvez o mais importante, é a concepção do homem como um ser inacabado, necessitando de uma educação autônoma e consciente para ser completo. Em si, isso não está errado, mas o problema é maior: trata-se da queda. O ser humano realmente nasce com essa sensação de não estar pronto, não é para menos que passa a sua vida em busca de sentido – o que no modelo de Calvino sobre a fé cristã – será chamado de sensus divinitatis, isto é, de crenças (básicas) a respeito de Deus, uma disposição de formação de crença por causa do que se pode conhecer de Deus estar manifesto a nós (PLANTINGA, 2016).

Aqui mora, por fim, a preciosidade da salvação, porque a queda do homem no pecado não afetou essa necessidade de buscar o Eterno, na verdade só aumentou. Quando olhamos para uma criança, por exemplo, ensiná-la no caminho da salvação em Cristo é o presente mais precioso que ela irá receber: estará completa, em seu coração, desde a infância.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Longe de negar as contribuições de Paulo Freire para a educação brasileira, este artigo buscou, à luz da filosofia analítica de Alvin Plantinga, destacar seus descaminhos e mostrar que ele necessitou de uma antropologia redimida para poder estruturar uma educação integral que considere a criança não somente como um ser histórico, mas como um ser de emoções, de fé, social, enfim. A partir do momento em que a criança está conhecendo e se conhecendo no mundo, Deus também se revela a ela, encontrando um ser humano de coração sincero e receptivo à fé.

As crianças aceitam com alegria a mensagem da salvação, não somente por encontrarem o elo perdido da sua vida ainda na infância. Mas também porque naturalmente são sinceras e desenvolvem uma fé forte que blinda o seu coração em sua caminhada pelo mundo. As Escrituras são poderosas ao ponto de penetrar no centro religioso do homem, aonde a ciência não chega. É por essa razão que, acima de tudo, uma educação cristã garante uma vida com plenitude porque na criança é formada uma fé firme em Jesus que a prepara para sua missão de vida.


REFERÊNCIAS

AGOSTINI, Nilo. Conscientização e Educação: ação e reflexão que transformam o mundo. Proposições, São Paulo, v. 29, n. 3, p. 187-206, 2018.

DOOYEWEERD, Herman. No crepúsculo do pensamento ocidental. Trad. Guilherme de Carvalho e Rodolfo Amorim de Souza. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2018.

DULCI, Pedro. Curso questões de gênero: sexo, ciência e sociedade. Associação Brasileira de Cristãos na Ciência, 2019.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática pedagógica. 37. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

GHIRALDELLI JUNIOR, Paulo. O que é pedagogia. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 2007.

JÚNIOR, Ebenezer da Silva Melo; NOGUEIRA, Marlice de Oliveira. A humanização do ser humano em paulo freire: a busca do ser mais. Revista Formação Docente, Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 1-14, 2011.

MIRANDA, Karla Corrêa Lima; BARROSO, Maria Grasiela Teixeira. A contribuição de Paulo Freire à prática e educação crítica em enfermagem. Revista Latino-americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 12, n. 4, p. 631-642, 2004.

PLANTINGA, Alvin. Conhecimento e crença cristã. Tradução de Sérgio Ricardo Neves de Miranda. Brasília: Academia Monergista, 2016.

PLANTINGA, Alvin. Crença cristã avalizada. Tradução de Desidério Murcho. São Paulo: Vida Nova, 2018.

SILVA, André Gustavo Ferreira da. Paulo Freire e os primeiros movimentos do conceito de liberdade. Educação Unisinos, Porto Alegre, v. 16, n. 2, p. 116-124, 2012.

3 comments

  1. Othoniel Nascimento

    Parabéns a Ana Ester pela pesquisa, e ao invisible College pelo belo projeto.

  2. Douglas Canuto

    Sou estudante de Pedagogia e cristão, achei incrível essa publicação e também sobre todo conteúdo que blog possui. Já peguei todas essas referências, hahaha.

  3. Rebeca Domitila Tavares de Azevedo Mauricio dos Santos

    Esse texto foi bastante enriquecedor

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