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Resenha: Sabedoria e sábios em Israel

Resenha crítica escrita por Ivan Henrique Cordeiro Costa, estudante do Programa de Tutoria Filosófica 2022


LÍNDEZ, José Vílchez. Sabedoria e sábios em Israel. Tradução de José Benedito Alves. 3ª edição. São Paulo: Edições Loyola, 2014.


O livro Sabedoria e sábios em Israel foi escrito pelo padre jesuíta espanhol José Vílchez Líndez. Ele estudou Filosofia em Madri, Teologia em Innsbruck (Áustria) e Sagrada Escritura em Roma. É catedrático na Faculdade de Teologia em Granada, tendo se dedicado ao ofício acadêmico por muito tempo. Destaca-se sua pesquisa nos livros do Antigo Testamento, sobretudo os sapienciais, tendo escrito comentários sobre Sabedoria de Salomão, Provérbios e Eclesiastes

O livro em questão é desenvolvido ao longo de onze capítulos nos quais o autor busca apresentar uma compreensão do sábio e da sabedoria em Israel ao estudioso das Escrituras e ao leitor comum por meio de um panorama do contexto histórico e cultural nos quais os livros foram escritos, bem como mediante análises dos livros em si. Desse modo, o autor intenta fazer uma relação da antiga sabedoria com o mundo atual e de algum modo mostrar sua relevância para a sabedoria moderna.

No primeiro capítulo, Líndez discorre sobre a localização de Israel no Oriente Próximo e como isso permitiu que os hebreus recebessem conhecimento e influências de dois grandes polos culturais já bem desenvolvidos, quais sejam, o Egito e a Mesopotâmia. Cada um desses polos apresentava características específicas em suas literaturas sapienciais que podem ser vistas nos escritos israelitas, por exemplo, os provérbios egípcios e os dramas mesopotâmicos.

Tendo estabelecido esse intercâmbio cultural, o autor segue para o segundo capítulo tratando mais diretamente dos sábios israelitas e suas fontes. Líndez expõe a tese de que a classe dos sábios esteve em confronto muitas vezes com a classe dos profetas devido a perspectivas diferentes sobre Deus e a vida. E também expõe que essa categoria dos sábios tinha como principais fontes de sabedoria as que seguem: 1) o lar, 2) a escola, 3) a experiência, 4) o intercâmbio, 5) a tradição, 6) a reflexão, 7) o diálogo e o debate.

Seguindo-se para o terceiro capítulo, tem-se uma análise abrangente dos vocábulos hebraicos para sábio e sabedoria, a saber, hokmah e hakamin. O autor faz essa investigação para verificar as diferentes percepções que os israelitas tinham do que era a sabedoria e do que era ser sábio, de modo a compreender melhor seus escritos. Percebe-se um uso variado e inclusivo do vocábulo, pois era usado igualmente para designar mulheres. Destaca-se a sabedoria/sábio nas seguintes variações: 1) artes e ofícios, 2) trato interpessoal, 3) prudência política, 4) prudência cotidiana, 5) plano divino. O autor ainda elabora a importante personificação da sabedoria e sua relação com o temor do Senhor, várias vezes repetido.

Tendo feito essa grande elucidação do ambiente, influências, fontes e usos da sabedoria e da atuação dos sábios, Líndez segue nos capítulos seguintes para uma análise dos livros sapienciais nos quais fará as explanações habituais acerca de composição, datação e autoria. Porém, faz uma pequena exposição do tipo de abordagem que cada livro se propõe. Assim sendo, o quarto capítulo apresenta o trabalho dos sábios na busca de ordem no mundo, de modo que estes tinham o homem como ponto de partida e de chegada em suas reflexões, tentando entender como o ser humano e o mundo no qual vive se organizam e se alinham, tendo sempre a figura divina presente. Pois a transcendência era algo intrínseco à antiga sabedoria. 

Seguindo-se para o quinto capítulo, consta a análise do livro de Provérbios, no qual o autor discute seus grandes empréstimos da sabedoria egípcia e suas variadas formulações proverbiais, bem como sua temática múltipla sobre a vida, elementos que revelam a riqueza do livro. Provérbios é um livro de amor pela sabedoria com uma visão otimista na qual a sabedoria é recompensada e a tolice é condenada.

Na sequência, tem-se o sexto capítulo sobre o Sirácida, no qual Líndez explana novamente sobre a rica variedade de formas e de temas na obra. O Sirácida é um livro que segue a mesma perspectiva de Provérbios, mas com um desenvolvimento já com influências do período helenístico, mas sempre com uma firmeza na tradição israelita, sobretudo a concepção pactual do povo com Iaweh.

Após explanar acerca dos livros sapienciais na perspectiva de ordenação do ser humano e do mundo, Líndez trabalha com a compreensão da chamada sabedoria em crise e assim analisa os livros correspondentes a esse outro tipo de pensamento. Nesse sentido, o sétimo capítulo expõe essa mudança de orientação nas reflexões dos sábios. Estes se debatem com um mundo de injustiças onde os ímpios prosperam muitas vezes e os justos sofrem,  um mundo no qual o sábio geralmente não tem vantagem sobre o tolo. Desse modo, o trabalho dos sábios é enfrentar essa desafiadora realidade.

No oitavo capítulo, o autor analisa o livro de , um drama israelita comparável aos mesopotâmicos. Líndez discorre sobre as diferentes faces de Jó no livro: um resignado e confiante na introdução, passando por um rebelde e quase blasfemo no meio e terminando mais uma vez no personagem confiante em Deus. Todo o livro se mostra como uma polêmica contra a doutrina da retribuição e apresenta uma perspectiva de confiança no Deus criador independentemente de uma justiça terrena.

Seguindo-se para nono capítulo, verifica-se o ápice da sabedoria em crise no meio de Israel com o Eclesiastes. Líndez busca desenvolver a análise a partir de conceitos-chave do livro, como a vaidade (hebel). O autor apresenta uma perspectiva muito pessimista do Eclesiastes com suas indagações acerca da futilidade da vida, mas ainda assim com uma fé hebraica permeando tudo, tendo apenas o consolo de aproveitar as pequenas alegrias da vida como dom de Deus.

Ao chegar ao décimo capítulo, Líndez explana acerca do livro da Sabedoria fazendo uma defesa de sua canonicidade e apresentando-o como o auge da maturação sapiencial hebraica. Esse desenvolvimento possui influências helenísticas que proporcionaram um progresso na expectativa de imortalidade e uma esperança na vida porvir com o Deus que fará justiça. Esse livro prepara uma resolução para a crise da sabedoria que encontra sua resposta em Cristo Jesus.

Por fim, no último capítulo, Líndez faz uma síntese de suas investigações sobre a sabedoria/sábio apontando quatro elementos essenciais para sua compreensão: 1) a sabedoria é uma qualidade positiva, 2) o sábio é o homem da experiência, 3) o âmbito da experiência é amplo, 4) o sábio está aberto a todos os pensamentos. Após isso ele faz uma breve descrição do sábio moderno e o compara com o sábio antigo mostrando suas similaridades. O autor conclui que a sabedoria e os sábios continuam sendo fundamentais para a salvação do mundo.

A leitura dessa obra é muito proveitosa para uma melhor compreensão da sabedoria na perspectiva bíblica, destacando-se a investigação do desenvolvimento da concepção hebraica de sabedoria por meio do uso dos vocábulos, algo muito enriquecedor. A análise dos livros deuterocanônicos beneficia o estudo, porquanto ajuda o leitor a compreender o ambiente e as expectativas imediatamente anteriores à vinda de Jesus Cristo, com destaque para a percepção sapiencial corrente. O uso do método de interpretação histórico-crítico é um ponto negativo a destacar, bem como a visão romanista de tudo. Ainda assim, é uma leitura muito agregadora para a temática sapiencial e faz o leitor indagar por uma perspectiva protestante do assunto.