Nem todas as ordens que Deus deseja que obedeçamos estão explicitamente escritas na Bíblia. No entanto, temos a responsabilidade de seguir Sua vontade em diversas áreas da vida. Nossa obediência não deve se limitar a uma visão individualista e autocentrada da espiritualidade.
Questões como trabalho, política, estética, amizade e sexualidade não podem ser guiadas apenas pelo que achamos melhor, pelo que aprendemos com nossos pais ou pelo que ouvimos por aí. Ainda assim, nem todas as orientações divinas estão claramente reveladas nas Escrituras.
Acredito firmemente que a Bíblia é inerrante, infalível e suficiente. A doutrina da suficiência das Escrituras é essencial e, inclusive, podemos usá-la para entender como obedecer a Deus mesmo em áreas em que a Bíblia não oferece instruções diretas.
A Bíblia responde a todas as questões?
A Escritura é clara em muitos aspectos da ética cristã, como criação de filhos, educação e política. No entanto, há outras áreas nas quais ela não se propõe a ser um manual detalhado. A Bíblia não foi escrita para ser um tratado sobre a vida profissional de dentistas, médicos, designers ou filósofos.
John Frame, em seu livro A Doutrina da Vida Cristã, defende que a suficiência das Escrituras significa que tudo o que precisamos para viver de maneira justa e piedosa está ali. Porém, isso não significa que cada detalhe de nossa vida profissional estará descrito na Bíblia. Algumas decisões exigem discernimento.
O princípio do discernimento na Bíblia
Isaías 28:23-29 traz um exemplo interessante. O profeta descreve um agricultor que testa diferentes sementes em solos variados até descobrir a melhor combinação. No final, ele agradece a Deus pelo aprendizado.
Aqui, Deus não desceu e entregou um manual de agricultura ao agricultor. Em vez disso, o conhecimento foi adquirido por observação e experiência. O agricultor discerniu os potenciais da criação e compreendeu como trabalhar com eles.
Michael Goheen e Craig Bartholomew, em seu livro sobre cosmovisão cristã, propõem um modelo para discernir as ordenanças de Deus em diversas áreas da vida. Esse modelo se baseia em três passos:
1. Identificar os potenciais da criação
Seja qual for a nossa área de atuação — dentista, filósofo, arquiteto ou encanador —, precisamos compreender os princípios criacionais que Deus estabeleceu para ela. Isso inclui as características naturais, os recursos disponíveis e as formas como a atividade pode ser exercida de maneira íntegra.
2. Identificar os potenciais idólatras
Toda profissão e área do conhecimento humano também sofre os efeitos da queda. Isso significa que devemos reconhecer como determinados aspectos podem se tornar ídolos, afastando as pessoas de Deus.
Muitos profissionais reduzem a criação de Deus a uma visão distorcida, idolatrando o dinheiro, o status ou a produtividade em vez de glorificar o Criador. Discernir esses desvios é essencial para viver de maneira fiel a Deus.
3. Identificar os potenciais redentivos
Após entender os potenciais da criação e os riscos da idolatria, o próximo passo é enxergar como o evangelho pode transformar aquela área. Isso significa encontrar maneiras de exercer a profissão ou a vocação de modo a glorificar a Deus, evitando práticas corrompidas pelo pecado.
O trabalho de um profissional cristão vai além de simplesmente seguir normas técnicas. Ele deve buscar maneiras de refletir a justiça, a bondade e a verdade de Deus no seu campo de atuação, confiando que Cristo é o Senhor e sustentador de sua vida.
Conclusão
Discernir a vontade de Deus não significa esperar que todas as respostas estejam claramente escritas na Bíblia. Em muitas áreas, somos chamados a observar, refletir e aplicar princípios bíblicos para tomar decisões sábias.
Nosso chamado é obedecer a Deus e glorificá-Lo em tudo o que fazemos, mesmo quando não há uma resposta explícita nas Escrituras. Ao identificar os potenciais da criação, reconhecer os perigos da idolatria e aplicar o evangelho à nossa realidade, podemos viver de maneira fiel e frutífera, alinhados com a vontade do Senhor.