A insatisfação no trabalho é sempre um motivo válido para refletir sobre a possibilidade de pedir demissão? Um dos temas da ética cristã que mais nos afeta é a relação entre nossa fé e nossa vida profissional. Afinal, passamos grande parte da vida adulta no ambiente de trabalho.
Seja dentro ou fora de casa — e, em muitos casos, o trabalho remoto pode tornar essas fronteiras ainda mais nebulosas —, é comum nos perguntarmos como lidar com a frustração no trabalho. Antes de tomar qualquer decisão, como sair do emprego, procurar outra vaga ou até mudar de carreira, precisamos distinguir algumas questões.
O trabalho nunca será perfeito
Em certo sentido, todos nós enfrentamos frustrações no trabalho. O sonho vendido por muitos coaches e especialistas em recrutamento — de que podemos alcançar total realização profissional — simplesmente não condiz com a realidade.
O pecado corrompeu o trabalho, de modo que, mesmo exercendo uma profissão que amamos, ainda lidamos com dificuldades, obstáculos e desafios. Isso faz parte da condição humana. Assim, por melhor que seja o ambiente de trabalho, por mais bem-sucedido ou realizado que alguém seja, sempre haverá sofrimento associado ao labor.
O pecado se manifesta em nossas experiências profissionais de formas inesperadas. Basta observar pastores, professores e outros profissionais que amam o que fazem: nenhum deles tem uma visão romântica ou ingênua sobre o trabalho. Esse é um ponto fundamental.
Quando a frustração exige uma decisão
Se, por um lado, devemos aceitar que o trabalho sempre terá espinhos, por outro, não significa que devemos tolerar qualquer condição. Algumas frustrações ultrapassam a questão do pecado e entram em uma dimensão ainda mais perigosa.
Há uma diferença entre se frustrar com o trabalho por causa da imperfeição humana e estar preso a um ambiente de abuso moral, psicológico ou econômico. Se uma pessoa se vê impossibilitada de sair de uma empresa — seja por restrições físicas, financeiras ou emocionais —, isso não é apenas fruto da queda, mas uma distorção da própria estrutura do trabalho. E, quando não há liberdade de entrada e saída, essa relação se aproxima da escravidão.
Segundo o jurista holandês Herman Dooyeweerd, na teoria social cristã, instituições como família, igreja e Estado possuem uma natureza distinta das demais associações. No caso do trabalho, trata-se de uma comunidade associativa, ou seja, uma relação em que a entrada e a saída devem ser livres. Se um profissional se vê impedido de deixar um emprego por barreiras psicológicas, morais ou afetivas, isso sinaliza um problema sério.
O trabalho não é uma família
Outro equívoco comum é confundir o ambiente de trabalho com uma família. Quantas vezes ouvimos líderes dizendo: “Aqui somos uma grande família!”? Essa ideia ignora a diferença essencial entre uma comunidade moral, como a família, e uma comunidade associativa, como a empresa.
Na família, os laços são inquebrantáveis: não podemos simplesmente trocar de pais, filhos ou cônjuges sem comprometer sua estrutura. No entanto, no ambiente profissional, a rotatividade é natural e, muitas vezes, necessária. Substituir um colaborador ou um gestor pode ser positivo para a empresa. Se um funcionário não pode sair livremente, ou se a empresa impõe laços emocionais que dificultam essa decisão, há uma deturpação da natureza do trabalho.
Como agir?
Diante de um ambiente de trabalho que ignora esses limites, há dois caminhos:
- Apresentar uma visão bíblica sobre o trabalho, explicando que a organização está confundindo esferas institucionais criadas por Deus.
- Buscar um novo emprego, especialmente se a cultura da empresa compromete sua saúde emocional, sua dignidade ou até mesmo seu testemunho cristão.
Se a estrutura do trabalho não respeita sua liberdade e impõe condições que ultrapassam a simples frustração inerente à vida profissional, talvez seja hora de reavaliar sua permanência ali.
Acreditamos que o estudo teológico é fundamental para todo cristão, e não apenas para pastores ou líderes. Afinal, a teologia nos ajuda a seguir a Cristo em todos os aspectos da nossa vida!
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