“De boas intenções, o inferno está cheio.” Você provavelmente já ouviu ou até usou essa frase em algum contexto. Ela nos lembra que boas intenções não bastam quando nossas ações são equivocadas. Não quero aqui condenar ninguém ao inferno, longe disso, mas esse ditado contém um princípio de verdade: é essencial entender o significado por trás das palavras.
Isso é ainda mais evidente ao lidarmos com o texto bíblico. Ter boas intenções ao interpretá-lo não evita erros, especialmente quando há distorções na interpretação. Um dos fatores que frequentemente nos levam a compreensões equivocadas é a falta de atenção ao gênero textual. As Escrituras incluem diversos gêneros literários, e cada um deles exige princípios interpretativos específicos. Ignorar essas diferenças nos faz cometer erros graves.
Na teologia, a área de estudo dedicada à interpretação bíblica chama-se hermenêutica, que se ocupa dos princípios para compreender adequadamente o texto. Diferentes tradições teológicas adotam princípios hermenêuticos variados, mas todas concordam que o texto bíblico não deve ser interpretado de maneira arbitrária, guiada apenas por impressões pessoais.
Hoje, quero abordar um gênero específico: a narrativa, o mais comum em toda a Bíblia. Recomendo o livro Introdução à Hermenêutica Bíblica, de Walter Kaiser Jr. e Moisés Silva, um excelente recurso para cristãos que desejam interpretar o texto com seriedade. Nesse livro, os autores explicam que a narrativa é um gênero que relata acontecimentos no tempo e no espaço, geralmente de forma indireta. As narrativas possuem começo, meio e fim — entender o todo é essencial. Além disso, o autor bíblico seleciona e organiza os eventos de maneira intencional, utilizando recursos retóricos para alcançar seu público.
Apesar disso, ao interpretar narrativas bíblicas, cometemos três erros comuns. Vamos a eles:
1. Reduzir a narrativa à “história pela história”
Esse erro ocorre quando lemos o texto como um relato meramente histórico, sem considerar que Deus tem algo a comunicar por meio dele. Embora as narrativas descrevam eventos reais, elas também carregam ensinamentos e princípios espirituais para nós, hoje. Não devemos tratá-las como simples registros de acontecimentos do passado.
2. Alegorizar onde não há alegoria
A alegoria é uma metáfora estendida, usada quando o autor intencionalmente emprega elementos simbólicos. Um exemplo legítimo é Provérbios 5:15-23, onde a fidelidade conjugal é apresentada de forma figurada. No entanto, o problema surge quando interpretamos narrativas literais como alegorias.
Um exemplo frequente é a história de Davi e Golias. Alguns tentam atribuir significados espirituais às cinco pedras que Davi usou, mas o texto apenas narra um fato simples: ele pegou cinco pedras para o combate. Buscar significados espirituais em elementos que o autor não alegorizou é um erro hermenêutico.
3. Interpretação prescritiva
Outro erro ocorre quando tratamos narrativas descritivas como prescrições. Por exemplo, os evangelhos narram milagres de Jesus para mostrar que Ele é o Filho de Deus e tem poder. Não se trata de uma prescrição para que nós também realizemos milagres como Ele fez. A intenção autoral é descritiva, não normativa.
Como evitar esses erros?
- Considere o contexto amplo
Olhe para a narrativa dentro do plano maior da história da redenção. Não isole elementos arbitrariamente. Pergunte como aquela passagem específica se conecta ao que Deus está fazendo na história. - Utilize bons comentários bíblicos
Comentários confiáveis ajudam a fundamentar sua interpretação. Não terceirize sua leitura da Bíblia, mas use esses materiais como suporte, pedindo orientação a pessoas experientes para escolher fontes de qualidade.
Ler e interpretar a Bíblia exige humildade e dedicação. Com uma boa base hermenêutica, evitamos distorções e crescemos no entendimento da Palavra de Deus.
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