Ensaio escrito por Hesddras Franco Gomes, estudante do Programa de Tutoria Filosófica 2024
Introdução
Agostinho, em sua bela obra Confissões, nos agracia com um relato minucioso sobre a obra redentora de Cristo em sua vida. Ele, que por muito tempo foi defensor do maniqueísmo, tem os seus olhos abertos e o seu coração transformado pela Palavra de Deus; passa a reconhecer o Cristo encarnado e a descansar em sua obra remissória. O autor reconhece a graça e o poder de Deus em sua vida em contraste com sua incapacidade de encontrar a verdade por suas próprias capacidades. A leitura desta obra, em particular, permite uma reflexão acerca da operação da graça salvadora e sua ação na vida dos homens. Nesse sentido, o presente ensaio tem como objetivo apresentar a visão monergista de salvação exposta por Agostinho enquanto enfatiza a gravidade do pecado.
Uma mãe que orava incessantemente por seu filho
Agostinho cita amiúde o comportamento de sua mãe ante o seu afastamento do Senhor: Mônica é retratada sempre orando e, com lágrimas, suplicando para que seu filho fosse alcançado pela graça de Deus e tivesse o seu coração voltado ao Deus Soberano:
Mas minha mãe, tua fiel, chorou a ti por mim mais do que choram as mães nos enterros dos corpos, e tu estendeste tua mão do alto e arrancaste minha alma desta escuridão profunda. Com efeito, pela fé e o espírito que recebeu de ti, ela me via morto, e tu a ouviste, Senhor (AGOSTINHO, 2017, p. 87-88).
O autor recorre a muitas imagens e ilustrações que ajudam o leitor a compreendê-lo. A analogia de alguém derramando lágrimas por um ente querido em um funeral é forte o suficiente para ilustrar a condição de cada pecador: morto diante de Deus e incapaz de qualquer ação, imóvel. Esta passagem evidencia o cuidado e o clamor de uma mãe que orava incessantemente por seu filho. Ela serve como exemplo sobre como devemos atentar para a gravidade e extensão do pecado.
Em resposta, devemos clamar ao Senhor por perdão e graça e também devemos derramar lágrimas diante de Deus rogando por nossos entes queridos, em especial os que permanecem mortos em seus delitos e pecados. Em outra perspectiva, o bispo reconhece a sua própria condição durante a sua conversão. Ele expõe como tentava se erguer, porém, se afundava ainda mais:
(…) se passaram quase nove anos, durante os quais me revolvi naquele lamaçal profundo e nas trevas da falsidade, tentando amiúde me levantar e afundando sempre mais; enquanto isso, aquela viúva casta, pia e sóbria, como tu gostas, já mais animada pela esperança, mas não menos solícita nas lágrimas e nos lamentos, não deixava, em todas as horas de suas orações, de chorar por mim para ti, e suas preces chegavam à tua presença; tu, porém, ainda me deixavas rolar e me enrolar naquela escuridão (AGOSTINHO, 2017, p. 89).
Desta forma, o autor coloca bem como o pecado afeta o homem por inteiro, tornando ele completamente incapaz de encontrar a salvação por seus méritos. Um homem morto não consegue agir por si, depende inteiramente no agir de Deus em seu resgate. Trata-se de uma ação monergista, sem a participação do moribundo.
A doutrina da depravação total
Inicialmente, deve-se resumir o que trata a doutrina da depravação total: a extensão do pecado original foi tamanha que afetou absolutamente toda a criação e, por isso, o homem é incapaz de alcançar ou contribuir para a sua própria salvação. A confissão de Fé de Westminster tece o seguinte posicionamento a esse respeito:
O homem, caindo em um estado de pecado, perdeu totalmente todo o poder de vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação, de sorte que um homem natural, inteiramente adverso a esse bem e morto no pecado, é incapaz de, pelo seu próprio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para isso (WESTMINSTER, 1646, Cap. IX, Seção III).
Em segundo lugar, importa salientar que o termo depravação total é posterior a Calvino, embora atribuído a ele, logo, muito depois de Santo Agostinho e, portanto, seria um anacronismo referir-se a este com este termo. Porém, é possível perceber no bispo de Hipona posicionamento similar a respeito de como os homens são alcançados por Deus. Ele registra: “Eu, porém, era conduzido a ele por ti inconscientemente, para que ele me conduzisse a ti cientemente. Aquele homem de Deus” (AGOSTINHO, 2017, p. 135).
Em sua busca pela verdade, ele percebe como fora enganado diversas vezes: sua decepção com a retórica, o maniqueísmo ou a filosofia, mas por fim ele reconhece: “de fato, tu me reconduziste a ti ” (AGOSTINHO, 2017, p. 219). Por fim, embora, do ponto de vista soteriológico, a visão de Agostinho fosse monergista, ainda é possível perceber uma síntese com o platonismo de forma que sua epistemologia tenha aspectos sinergistas, como, por exemplo, “pela graça de Deus o homem pode usar da sua própria razão para conhecer a Deus” (AGOSTINHO, 2017, n.p.).
Conclusão
Em resumo, ter a consciência da gravidade e extensão do pecado ao lembrar-se de que “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados” (Efésios 2:1) afetará a perspectiva frente ao pecado, bem como a resposta cristã diante dele: tanto o seu próprio quanto o do seu próximo. Perceber a gravidade do pecado deve levar o homem a buscar graça e misericórdia humildemente diante de Deus, ao passo que também o levará a orar incessantemente por aqueles que se encontram nesta condição: mortos, afastados do Senhor.
Em suma, uma igreja saudável deve zelar pela pregação da Palavra, administração dos sacramentos e disciplina dos seus membros e, neste contexto, o correto tratamento dos pecados e a postura de uma igreja diante deles certamente dirá muito a respeito da maturidade de um rebanho.
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Referências
AGOSTINHO, Santo, Bispo de Hipona. Confissões. Tradução: Lorenzo Mammi. 1ª ed. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2017, 410 p.
A CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. São Paulo: Cultura Cristã, 2019. 240 p.