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Procura-se quiropratas na teologia bíblica

Artigo escrito por Camilla Ferreira de Lima, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2024


Talvez você já tenha se deparado com várias categorias de teologias durante seus estudos ou leituras: sistemática, bíblica, exegética, filosófica etc. Indo um pouco além, talvez você já tenha visto algumas discussões sobre qual seria a “melhor” dessas teologias. Qual seria a mais completa? Qual seria a menos influenciada por subjetivações humanas?

Nesse jogo da discórdia, dois ramos da teologia em particular parecem sofrer mais com a falta de compreensão do público: a sistemática e a bíblica. Porém, essas brigas são causadas por quem não entende que ambas têm características próprias e foram criadas para propósitos diferentes. Não há a necessidade de compará-las como se uma fosse mais santa do que a outra. Onde a teologia sistemática encontra seus limites, a teologia bíblica ocupa seu espaço e vice-versa. Às vezes, temos até coincidências nos seus conteúdos, porém com objetivos diferentes no seu uso.

Se uma discussão não é feita da forma correta, então ela gera nódulos que travam e atrapalham o movimento do corpo de Cristo1. Hoje em dia, temos muitos embates nessa situação e precisamos de quiropratas teológicos dispostos a liberar os caminhos entre as teologias e a fazer com que elas ocupem o lugar de complementaridade para o qual nasceram. Porém, assim como acontece no corpo humano, a manipulação de elementos da forma errada pode trazer danos, às vezes, severos2. Vamos tentar entender sobre o que as teologias sistemática e bíblica falam e depois identificar como elas podem caminhar juntas.

Sobre a teologia sistemática

A teologia sistemática é o “estudo coerente e ordeiro das principais doutrinas da fé cristã” (SPROUL, 2017, n.p.). É possível encontrar vários tipos de sistemáticas, com as mais diversas abordagens e metodologias. As mais comuns são as reformadas e pentecostais e, mesmo assim, há uma série de autores em cada uma. Algumas categorias de temas são comuns em quase todos eles, variando apenas a metodologia e/ou os pressupostos: cristologia (pessoa e obra de Cristo), soteriologia (doutrina da salvação), escatologia (doutrina das últimas coisas) e pneumatologia (pessoa e obra do Espírito Santo), por exemplo. Apesar das divergências pontuais, a base de uma teologia sistemática confiável sempre respeitará os credos protestantes seguidos pela ortodoxia.

Na história do seu desenvolvimento ao longo dos séculos, a teologia sistemática passou por diversas metodologias de organização dos seus conceitos. Inicialmente, utilizava-se com frequência com as categorias que apareciam nos próprios credos ou em coletâneas de escritos dos pais da igreja. Com o passar dos séculos, outros elementos de estruturação começaram a ser utilizados3, até que chegamos no período moderno e as preocupações metodológicas científicas ganharam maior relevância. Em todos os casos, a sistemática não sobrevive se não for precedida por uma teologia bíblica e exegética, já que o texto bíblico é a fonte de seus estudos:

(…) a teologia sistemática é dependente dos estudos bíblicos, embora a extensão dessa dependência seja objeto de controvérsias. (…) a teologia sistemática não opera em um compartimento hermeticamente fechado, isolada de outros movimentos intelectuais. Antes, reage aos avanços ocorridos em outras disciplinas (especialmente em relação à filosofia e aos estudos sobre o Novo Testamento) (MCGRATH, 2010, p. 181).

Sobre a teologia bíblica

A teologia bíblica, por sua vez, se propõe a estudar a Bíblia a partir de uma organização mais histórica e menos lógica, como a sistemática faz (VOS, 2010, n.p.). Na verdade, para Geerhardus Vos, teólogo considerado um dos pais da teologia bíblica, esse nem seria o melhor nome possível: “O termo “teologia bíblica” não é satisfatório por estar sujeito a ser mal-interpretado. Toda teologia verdadeiramente cristã deve ser teologia “bíblica” — porque, com exceção da revelação geral, as Escrituras constituem o único material com o qual a ciência da teologia pode lidar” (VOS, 2010, p. 5).

Vos entende que uma boa alternativa ao nome “teologia bíblica” seria “História da Revelação Especial”. Isso faria sentido, tendo em vista que se trata de um estudo do material bíblico que usa a história da redenção como fio condutor. A teologia bíblica, então, conta o progresso da autorrevelação de Deus ao homem. É por isso que a teologia sistemática dependeria da teologia bíblica para extrair seus conceitos.

Conhecer a história da redenção e da autorrevelação de Deus não deveria servir apenas para propósitos intelectuais, mas, sim, para nos aproximar ainda mais do Criador. Estudar teologia sem o componente religioso é esvaziar a própria disciplina daquilo que há de mais precioso nela. Por isso, todo cuidado é necessário durante os estudos, não só do texto bíblico, mas também da organização teológica. É grande o risco de entrarmos em debates disfarçados de piedade e zelo, mas que, no fundo, buscam provar superioridade intelectual neste ou naquele ponto defendido. O conselho do reformador é bastante válido nesse sentido:

Pois o que é mais consoante com a fé do que reconhecer que somos despidos de toda virtude, a fim de sermos vestidos por Deus? (…) Cegos, a fim de sermos iluminados por ele? (…) A fim de removermos de nós toda ocasião de vanglória, a fim de que somente ele se exiba de modo glorioso, e nós nos gloriemos nele (cf. 1 Coríntios 1.31; 2 Coríntios 10.17)? (CALVINO, 2018, p. 18).

Por mais diálogo e menos obstáculos no caminho das teologias

Há uma diversidade de denominações e modelos eclesiásticos dentro da ortodoxia, mas todas fazem parte do mesmo corpo de Cristo. Da mesma forma, as diferentes disciplinas teológicas também estão alinhadas e se complementam nos estudos da Palavra de Deus.

Em suma, tanto a teologia sistemática quanto a teologia bíblica, e todas as outras, devem servir como ferramentas para o estudo. Por essa razão, é imprescindível sabermos manuseá-las corretamente, como um bom profissional da quiropraxia sabe manusear bem nossos músculos, ossos e articulações. Quando entendemos o papel de cada disciplina e como uma interfere na outra, nos tornamos capazes de dialogar de forma saudável e integrada, reforçando a unidade da igreja, e não contribuindo para a sua divisão.


1 É mais ou menos como quando estamos usando um músculo da forma errada. Isso gera tensão e sobrecarga naquela região e pode acabar ocasionando dores que irradiam para o resto do corpo. Se você já teve dores de cabeça originadas por músculos tensionados no pescoço e trapézio, sabe bem do que estou falando.

2 Muito cuidado ao buscar ajuda para questões ortopédicas! Uma técnica feita da forma errada no seu corpo pode gerar danos irreversíveis. Busque sempre um profissional especializado. Nesse caso, estou falando do seu corpo mesmo, sem metáforas.

3 Algumas das principais obras na época da Reforma foram a Loci communes de Filipe Melâncton, publicada em 1521 e As institutas da religião cristã, de João Calvino, publicada na sua edição final em 1559 (MCGRATH, 2010, p. 182).


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Referências bibliográficas

CALVINO, João. Institutas da religião cristã. Tradução: Rev. Valter Graciano Martins. 1. ed. São Paulo: Fiel, 2018. E-book. 412 p.

MCGRATH, Alister E. Teologia sistemática, histórica e filosófica: uma introdução à teologia cristã. 1. ed. 3. reimpressão. São Paulo: Shedd, 2010. 659 p.

SPROUL, R. C. Somos todos teólogos: uma introdução à teologia. Tradução: Francisco Wellington Ferreira. 1. ed. São Paulo: Fiel, 2017. E-book. 484 p.

VOS, Geerhardus. Teologia Bíblica – Antigo e Novo Testamentos. Tradução: Alberto Almeida de Paula. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. 415 p.

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