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Filosofia: Idade Moderna — uma resenha crítica

Resenha escrita por Júlio Figueiredo, estudante do Programa de Tutoria Filosófica 2024


REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. Filosofia: Idade Moderna — Vol. 2. Tradução: José Bortolini. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 2017.


Escrita pelos professores de filosofia Dario Antiseri e Giovanni Reale, a obra Filosofia: Idade Moderna (Vol. II) visa prover seus leitores com o desenvolvimento da história do pensamento filosófico humanista renascentista. Começando pela filosofia grega e a Idade Média (Vol. I), e, posteriormente, a Idade Moderna (Vol. II) e a Idade Contemporânea (Vol. III), os autores abordam sistematicamente, nos quatro volumes, os principais momentos da história da filosofia. A obra, a segunda mais extensa dos três volumes, possui pouco mais de mil páginas divididas em 30 capítulos. Apesar da extensão, os autores, com todo know how acadêmico, em nenhum momento deixam de trazer informações relevantes para cada período da história. Nessa resenha, abordaremos a primeira parte da obra O Humanismo e o Renascimento —. na qual é analisado o período compreendido como as raízes da modernidade. Dentro disso, os autores discutem as características gerais do humanismo renascentista, as tendências desse momento e os problemas religiosos do período. 

No primeiro capítulo, os autores trazem a definição dos termos “humanismo” e “renascimento”, movimentos literários e filosóficos que iniciaram preponderantemente na Itália nos séculos XV e XVI (p. 17), respectivamente. Antiseri e Reale explicam que não há um consenso a respeito da definição de “humanismo”. Diante desse pressuposto, é explicado que o humanismo caracteriza-se pelo retorno à literatura da Antiguidade Clássica latina e grega, pois ali se encontraria o conhecimento puro, sem as amálgamas filosóficas desenvolvidas até então (p. 8-12). Em suma, o homem procurava uma nova direção a ser seguida em busca do seu desenvolvimento, um renascimento, visto que consideraram as propostas teológicas e filosóficas, até então oferecidas, insuficientes. Diante disso, de maneira concomitante ao movimento “renascentista” ocorreu também a Reforma Protestante, que, segundo Antiseri e Reale, são duas faces de um mesmo movimento (p. 16). Apesar dos autores não serem claros nesse quesito, esses movimentos foram reações ao autoritarismo da Igreja Católica Romana como orientadora da vida religiosa e moral. 

No segundo capítulo, são expostos os precursores e as tendências do pensamento humanístico-renascentista. Em primeiro lugar, os autores traçam o início do movimento, que tem em Francesco Petrarca (1304-1374) seu principal expoente. Petrarca desenvolveu o humanismo com base em reflexões sobre a corrupção e impiedade do seu tempo, que, segundo ele, eram resultados do naturalismo aristotélico averroísta, concomitante ao predomínio da dialética e da lógica como fontes para o desenvolvimento do conhecimento. Para solucionar esses problemas, influenciado pelas filosofias socrática e platônica, Petrarca viu como necessário um “retorno a si mesmo”, um olhar para dentro, visando o conhecimento da própria alma, bem como a valorização das artes liberais, ações eminentemente espirituais (p. 27). Em outras palavras, de que vale o conhecimento externo da natureza se o homem não conhece a si mesmo o suficiente para viver adequadamente na realidade?

Em oposição ao humanismo espiritualista de Petrarca, Leonardo Bruni (1370-1444) fundamenta o humanismo como interesse nos estudos clássicos para o desenvolvimento ético-político, tendo como paradigma o “homem político” de Aristóteles (p. 30). Outra figura de destaque deste período foi Lorenzo Valla (1407-1457). Segundo Valla, tudo que é produzido pela natureza é santo e louvável e isso inclui os prazeres, os quais possuem diferentes níveis de desfrute, retomando uma visão epicurista da realidade (p. 33). Além disso, há também o renascimento do ceticismo, baseado principalmente na obra de Sexto Empírico (séc. II e III d.C.), tendo como expoente Michel de Montaigne. O ceticismo buscava demonstrar a insuficiência da razão para alcançar as verdades da fé, a qual só é possível mediante a própria fé e nada mais, podendo ser caracterizado como pensamento fideísta (p. 59).

No terceiro e último capítulo, objeto desta resenha, são abordados os problemas religiosos relacionados ao Renascimento, principalmente no que diz respeito à Reforma Protestante e o movimento Contrarreforma, da Igreja Católica Romana. Assim como o Renascimento, a Reforma Protestante está intimamente ligada ao retorno às origens. Erasmo de Roterdã (1466-1536), um dos primeiros a se opor às práticas da Igreja Católica Romana, salienta que a sabedoria proveniente do cristianismo é simples e não depende das filosofias, as quais são sempre cegas e insuficientes. Para Erasmo o Renascimento diz respeito ao retorno à natureza bem criada, ou seja, à doutrina de Cristo expressa nos Evangelhos e nas cartas de Paulo, dissociada das filosofias, principalmente a aristotélica-escolástica, a qual ele despreza (p. 65-67). Assim como Erasmo, Martinho Lutero (1483-1546) defendia o retorno ao Evangelho e aos Padres da igreja, assumindo veemente oposição às sínteses filosóficas realizadas pela Igreja Católica Romana, em especial contra o aristotelismo.

Na Reforma Protestante, movimento que causou a cisão da igreja, Lutero se baseou, essencialmente, na doutrina da justificação do homem unicamente pela fé, na doutrina da infalibilidade das Escrituras, sendo a autoridade máxima da verdade, e na doutrina do sacerdócio universal de todos os crentes. Eram doutrinas contrárias às praticadas pela Igreja Católica Romana naquele momento, que cria que a justificação era sinergicamente alcançada pela fé e pelas obras, na equivalência entre a autoridade da igreja e a autoridade das Escrituras, e na supremacia clériga em relação ao restante dos cristãos (p. 71). Apesar de não ser um filósofo, Lutero influenciou profundamente o posterior desenvolvimento da teologia e da filosofia, nesta última, principalmente no que diz respeito à incapacidade do homem de alcançar a salvação.

Além disso, outros cristãos deram continuidade à Reforma iniciada por Lutero, dentre eles Ulrico Zuínglio, em Zurique (p. 74), e João Calvino, em Genebra, este último desenvolvendo, essencialmente, uma reforma social à luz da Escritura, com base na soberania de Deus sobre todas as esferas (p. 77). Em contraposição à Reforma Protestante, a Igreja Católica Romana inicia um processo de renovação dentro de si mesma, movimento denominado como Contrarreforma e Reforma Católica (p. 79). Os autores destacam o Concílio de Trento, onde a Igreja Católica, apesar de reconhecer a deficiência moral do corpo clérigo, mantém quase intactas as suas doutrinas combatidas pela Reforma Protestante (p. 81).

Em resumo, os autores demonstram claramente que o início do movimento humanista renascentista não teve apenas uma causa, mas uma série de acontecimentos que produziram um anseio, quase que geral, de renovação da vida religiosa e social. Diante dessas variadas causas surgiram também variados caminhos explorados para alcançar esse almejado “Renascimento”, como se pode perceber na diversidade dos escritos clássicos gregos latinos adotados, bem como na quantidade de cristãos que lutaram por uma reforma da igreja e das práticas religiosas. Não obstante, destaque para as características pejorativas que Antiseri e Reale, adeptos ao catolicismo romano, atribuem a Lutero. Enquanto para os evangélicos protestantes Lutero é um símbolo de devoção às Escrituras e de resistência contra qualquer tipo de prática extra bíblica, os autores o consideram um revolucionário subversivo. Apesar dessas críticas parciais, a obra Filosofia: Idade Moderna é de extrema relevância para compreender os conceitos-chave que marcaram o desenvolvimento da história da filosofia no período humanista renascentista.