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Geração TikTok e a “Nova Moralidade”: uma análise à luz dos princípios de Roel Kuiper

Artigo escrito por Fernanda da Costa Santos Boechat, estudante do Programa de Tutoria Avançada 2024


A Geração TikTok, composta principalmente por jovens nascidos entre meados dos anos 1990 e início dos anos 2010, representa uma era de intensa digitalização e globalização cultural. O TikTok, uma das plataformas digitais mais influentes da atualidade, surgiu em 2018 e rapidamente se tornou um espaço para expressão pessoal, entretenimento e engajamento social. Essa plataforma, que permite a criação e o compartilhamento de vídeos curtos, possibilitou à Geração TikTok moldar uma “nova moralidade”, caracterizada pela busca de autenticidade, ativismo social e uma abordagem dinâmica à identidade e aos valores éticos e morais. 

Nesse contexto, é pertinente discutir como essa “nova moralidade” contrasta com os princípios éticos e filosóficos de Roel Kuiper — filósofo, acadêmico e político neerlandês, autor do livro Capital moral: o poder de conexão da sociedade —, que aborda a moralidade sob uma perspectiva cristã reformada e neocalvinista. Esta análise busca compreender como os valores e comportamentos da Geração TikTok se contrapõem à ética proposta por Kuiper, especialmente no que diz respeito à verdade, à autenticidade e à comunidade moral. Roel Kuiper, em sua obra, explora a moralidade a partir de uma perspectiva cristã reformada, enfatizando a importância de uma base moral objetiva e a soberania de Deus em todas as esferas da vida. Ele defende que a moralidade não pode ser relativizada ou reduzida a preferências individuais, mas deve ser baseada em princípios éticos universais e bíblicos, que transcendem as circunstâncias culturais e históricas.

Um dos pilares desta moralidade emergente da Geração TikTok é a valorização da autenticidade. A plataforma incentiva os usuários a se expressarem de maneira genuína, muitas vezes compartilhando aspectos pessoais e vulneráveis de suas vidas. Isso reflete uma busca por uma “verdade pessoal”, onde a expressão individual é altamente valorizada e considerada uma forma de resistência contra normas sociais impostas. A autenticidade, no contexto dessa rede social, é vista como um valor moral em si, promovendo uma cultura onde ser verdadeiro consigo mesmo é um imperativo ético. No entanto, a busca por autenticidade pode, por vezes, ser superficial ou performativa, especialmente em uma plataforma que recompensa visualizações e “curtidas”. Isso levanta questões sobre a natureza da autenticidade na era digital: até que ponto o conteúdo compartilhado é uma verdadeira expressão de si mesmo ou uma construção deliberada para alcançar popularidade? 

Kuiper argumenta que a verdade é um valor objetivo e absoluto, alcançado apenas por meio da revelação divina. A busca por autenticidade e identidade, portanto, deve estar alinhada com esta verdade bíblica, e não apenas com a expressão de sentimentos ou opiniões pessoais. Nesse sentido, a nova moralidade da Geração TikTok, com sua ênfase na expressão individual, pode ser problemática e tornar-se uma mera celebração da subjetividade, pois pode se desviar de uma busca genuína pela verdade, que, segundo Kuiper, só pode ser alcançada através de um relacionamento íntimo e sincero com Deus. 

Outro aspecto significativo da nova moralidade da Geração TikTok é o forte engajamento com causas sociais. Os usuários frequentemente utilizam suas plataformas para educar, sensibilizar e incitar à ação, mostrando uma profunda preocupação com a justiça e a equidade. Esse ativismo digital, muitas vezes impulsionado por jovens, caracteriza-se por uma moralidade situacional, onde o “bem” é definido em termos de justiça imediata e impacto social. No entanto, essa abordagem também pode levar à polarização e à cultura de cancelamento, onde indivíduos ou grupos são rapidamente julgados por comportamentos ou opiniões consideradas moralmente erradas. Neste contexto, Kuiper fala sobre o encantamento utópico — uma visão que faz com que se olhe além dos limites das próprias possibilidades e condições. Esse tipo de pensamento pode levar as pessoas a acreditarem na viabilidade de uma sociedade ideal, onde o homem, guiado pela razão e pela natureza, pode criar um mundo harmonioso. Contudo, essa crença recai em uma forte confiança na perfectibilidade humana, resultando em uma função de auto justificaçãoautojustificação moderna. Entretanto, segundo Kuiper, o homem por si só não está suficientemente equipado para viver uma vida completamente justa; ele depende totalmente da redenção divina para ser moralmente capaz.

A noção de comunidade no TikTok é complexa e multifacetada. Por um lado, a plataforma facilita a formação de comunidades em torno de interesses e valores compartilhados, criando espaços onde indivíduos podem encontrar apoio e pertencimento. Por outro lado, a influência dos chamados “influenciadores” é significativa, moldando não apenas tendências culturais, mas também normas e valores morais. A relação entre seguidores e influenciadores pode ser vista como uma dinâmica de autoridade moral, onde os influenciadores atuam como modelos de comportamento e ética. Essa autoridade, no entanto, é frequentemente contestada e renegociada, especialmente quando os influenciadores falham em atender às expectativas morais de seus seguidores. 

A visão de Kuiper sobre comunidade inclui a ideia de uma “comunidade moral” onde normas e valores são cultivados coletivamente, numa natureza pactual, onde há responsabilidade mútua pelo bem-estar moral de seus membros. Nesse contexto, as estruturas sociais são fundamentais para a construção deste capital moral, e apenas três delas — o Estado, a Família e a Igreja — são capazes de construir o capital de um indivíduo. Assim, a dinâmica entre influenciadores e seguidores no TikTok não pode ser vista como uma forma emergente de comunidade moral, pois se trata de relações meramente contratuais — baseadas em follow e unfollow. Redes sociais são associativas e, portanto, são incapazes de promover quaisquer valores positivos sólidos para a construção de uma base moral. Trata-se de pseudo-valores, de uma moralidade instável e fragmentada.

A Geração TikTok está claramente vulnerável em termos de construção de capital moral. Relações individualistas e valores instáveis têm moldado uma nova identidade nesta juventude, marcada pela busca de uma autenticidade etérea, justiça social utópica e uma abordagem comunitária fragmentada. A análise à luz dos princípios de Roel Kuiper sugere que, enquanto a nova moralidade da Geração TikTok se basear em ideologias humanistas e contrárias aos padrões éticos cristãos, será impossível oferecer uma resposta relevante às complexidades do mundo contemporâneo, enfrentando desafios significativos em sua coerência e consistência ética. À medida que essa geração continua a navegar pelo cenário digital, será crucial um engajamento contínuo na construção de seu capital moral por meio de relações pactuais, com o apoio de uma família sólida e presente, assim como pela atuação de uma comunidade bíblica comprometida com a verdade e a justiça, para que se possa cultivar uma moralidade que não apenas reflita as tendências atuais, mas que também seja sustentada por princípios éticos sólidos e duradouros.


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Referências bibliográficas

KUIPER, Roel. Capital Moral: o poder de conexão da sociedade. Trad. Francis Petra Janssen. Brasília: Editora Monergismo, 2019. 310 p.