Artigo de opinião escrito por Fernando Odilon Mendonça Torres, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2024
Introdução
Quando olhamos para Jesus Cristo encarnado e observamos sua pessoa e obra durante os trinta e três anos em que habitou entre nós, podemos chegar à conclusão de que Ele viveu uma vida simples. Aprendeu o ofício de carpinteiro, habitou entre os pobres e certamente não usufruiu dos melhores alimentos, roupas e meios de transporte da sua época. Em suas próprias palavras: “As raposas têm as suas tocas e as aves do céu têm os seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (Lucas 9.58).
Ao pôr à prova os seus seguidores, Jesus deixou claro que o seu ministério seria mais marcado por renúncias e falta de conforto do que por tranquilidade e prazeres físicos. A questão é se nós, seguidores de Jesus (cristãos) em um mundo pós-moderno, estamos dispostos a aceitar tais verdades. Ou melhor, em que proporção a nossa cosmovisão já foi dominada pelo consumismo? Estamos realmente tomando a nossa cruz e seguindo a Jesus ou somos como o jovem rico, que preferiu as riquezas e os bens materiais?
Remanescente do modernismo
Peter Heslam aponta um remanescente do modernismo no centro da cultura ocidental: uma ideia pragmática e consumista da vida humana. Ele observa que as “ideologias ascendentes do capitalismo e do consumismo […] são apresentadas como os únicos sistemas que funcionam, e é ‘aquilo que funciona’ […] que adquire posição de destaque na cosmovisão pós-modernista” (Heslam apud Goheen; Bartholomew, 2016, p. 173).
Sobre isso, Susan White, habilidosamente, explica:
Se existe uma metanarrativa abrangente que reivindica explicar a realidade no final do século 20, essa é, sem dúvida, a narrativa da economia de livre mercado. No princípio dessa narrativa se encontra o ser humano autorrealizado e autossuficiente. E no final dessa narrativa se encontram a casa ampla, o carro vistoso e as roupas caras. No entretempo se encontra a luta pelo sucesso, a ganância, o comprar e gastar em um mundo em que não existe algo assim como almoço grátis. Para a maioria de nós, essa tem se transformado tão cabalmente em “nossa narrativa” que dificilmente temos consciência de sua influência (White apud Goheen; Bartholomew, 2016, p. 173).
Mansões em condomínios privativos, roupas de grife, carros esportivos: diga-me o que tens e eu lhe direi o quão feliz e bem-sucedido és. Vivemos em uma sociedade altamente consumista. Não consumimos apenas coisas, consumimos pessoas, consumimos a nós mesmos. Gastamos a nossa vida, o nosso tempo, para ter ou, pelo menos, para parecer ter. Afinal de contas, como as pessoas me olhariam se soubessem que eu tenho um Iphone 8, quando o 16 já está prestes a ser lançado? Qual a minha credibilidade quando as minhas redes sociais têm poucos seguidores? Nas palavras de Ícaro de Carvalho:
O empreendedorismo é a nova religião do homem moderno. Materialista e secular, ele substituiu os santos do seu altar por fotografias de homens bem-sucedidos; os seus Evangelhos são livros como “O sonho grande” e “A força do Hábito”. Ele acredita, de alguma maneira, que tudo aquilo irá aproximá-lo do seu objetivo principal: sucesso, fama e dinheiro (…) de preferência, agora! (Carvalho, 2016).
Portanto, uma cultura de consumo é uma cultura na qual as necessidades são ilimitadas e insaciáveis. Goheen e Bartholomew apontam que isso é irônico, porque, “embora o consumismo prometa, de forma sem precedentes, satisfazer às nossas necessidades, sua existência ininterrupta depende de nossas necessidades nunca serem totalmente atendidas” (Goheen; Bartholomew, 2016, p. 175). É o que podemos chamar de buraco sem fundo.
Distorções da Palavra
Mais problemático ainda é quando vemos as premissas do consumismo invadindo as igrejas e dominando os discursos de quem está com o microfone na mão. Mas, na verdade, eles pregam o que os ouvintes querem ouvir, o que não traz confronto aos ídolos e aos pecados. A sociedade consumista pede assim como o povo da época de Isaías pediu: “Não profetizem para nós o que é reto; digam-nos coisas agradáveis, profetizem ilusões” (Isaías 30.10b). É assim que surgem, de tempos em tempos, diversas “teologias” para atender aos pedidos do antropocentrismo. Jones e Woodbrigde resumiram a teologia da prosperidade desta forma:
De acordo com esse novo evangelho, se os crentes repetirem confissões positivas, concentrarem seus pensamentos e gerarem fé suficiente, Deus lançará bênçãos sobre a vida deles. Esse novo evangelho afirma que Deus deseja e até promete que os crentes terão uma vida saudável e financeiramente próspera (Jones; Woodbridge, 2017, p. 17 apud Martins; Pamplona; Nunes, 2023, p. 48-49).
Já Pedro Pamplona define assim a teologia do coaching:
A teologia do coaching pode ser tratada como uma forma de abordar os ouvintes. É, portanto, uma abordagem, não uma teologia propriamente dita. É a abordagem que trata o homem, seus desejos materiais e/ou carências emocionais como o foco da pregação e do ministério pastoral ao oferecer, por meio de textos bíblicos mal utilizados, uma narrativa divina que centraliza o homem ao dizer que ele é capaz em poder e importante em valor (Martins; Pamplona; Nunes, 2023, p. 42).
Sem muito esforço, conseguiríamos encaixar muitas pregações evangélicas brasileiras atuais nas definições de teologia da prosperidade e do coaching supracitadas. Tiago Brunet, que se intitula “mensageiro das boas notícias” e teólogo, é um dos expoentes dessas vertentes no Brasil. Com milhões de seguidores nas redes sociais e vários livros entre os mais vendidos nos últimos anos, disse em uma das suas palestras/pregações: “Eu não sei se dinheiro traz felicidade, mas que pobreza traz uma tristeza danada, eu tenho certeza. […] Eu não sei se Deus me chamou para ser rico, mas para ser pobre eu tenho certeza que ele não me chamou” (Brunet apud Martins; Pamplona; Nunes, 2023, p. 40).
Pablo Marçal, que, infelizmente, dispensa apresentações, disse que pobreza é resistência e, se ainda não enriquecemos, é porque estamos resistindo ao plano de Deus (Martins; Pamplona; Nunes, 2023, p. 50). Tais pregações distorcem a Palavra e amoldam a nossa vida ao esquema deste mundo. Fazem concessões, às cosmovisões dominantes, do que deveria ser inegociável para o povo eleito de Deus. Ouso dizer que o apóstolo Paulo não teria dificuldade nenhuma de caracterizar essas teologias como anátemas: “Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu pregue a vocês um evangelho diferente daquele que temos pregado, que esse seja anátema” (Gálatas 1.8).
Conclusão
Identificar como o consumismo tem moldado o nosso modo de viver é de extrema importância. Como cristãos, não podemos fazer concessões e nos conformar com os padrões deste mundo. Discursos que colocam Deus na obrigação de conceder-nos riquezas materiais não encontram guarida na Bíblia Sagrada. É certo que Ele pode conceder-nos certos confortos nesta vida, no entanto, essas preocupações não deveriam dominar os nossos corações (Mateus 6.31). Já ouvi falar por aí que é até legal ter dinheiro no bolso; o problema começa quando ele vai do bolso para o coração.
Jesus Cristo conhece nossas necessidades. Ao encontrar-se com a mulher samaritana, Ele identificou que ela buscava satisfação em relacionamentos que não poderiam preencher o seu “vazio”. Apresentou a si mesmo como a Água que, uma vez tomada, iria satisfazê-la de uma vez por todas. Se já tomamos desta Água, não há motivos para vivermos em uma eterna busca por satisfação em coisas deste mundo, sedentos por mais e mais. Se o Senhor é nosso Pastor, aquilo que não temos, não precisamos (Projeto Sola, 2017). E você, ficaria satisfeito e contente tendo “somente” o necessário (1 Timóteo 6.8)?
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Referências bibliográficas
BÍBLIA SAGRADA. Nova Almeida Atualizada. Sociedade Bíblica do Brasil. 2017. Disponível em: https://www.bibliaonline.com.br/naa. Acesso em: 05 mai. 2024.
CARVALHO, Ícaro de. Porque a indústria do empreendedorismo de palco irá destruir você. Medium. 2 de fevereiro de 2016. Disponível em: <https://medium.com/o-novo-mercado/porque-a-indústria-do empreendedorismo-de-palco-irá-destruir-você-3e18309ab47f>. Acesso em 5 de maio de 2024.
GOHEEN, Michael W; BARTHOLOMEW, Craig G. Introdução à cosmovisão cristã: vivendo na intersecção entre a visão bíblica e a contemporânea; tradução de Marcio Loureiro Redondo – São Paulo: Vida Nova, 2016, 272 p.
MARTINS, Yago; PAMPLONA, Pedro; NUNES, Guilherme. Você é o ponto fraco de Deus e outras mentiras da teologia do coaching; São Paulo, Editora Mundo Cristão, 2023. Edição do Kindle.
PROJETO SOLA. 23. Composição: Guilherme Andrade e Guilherme Iamarino. 2017.