Resenha crítica escrita por Guilherme Scholtz, estudante do Programa de Tutoria Avançada 2024
SIRE, James W. Dando nome ao elefante: cosmovisão como um conceito. Tradução: Paulo Zacarias e Marcelo Herberts. 1. ed. Brasília: Monergismo, 2012. 186 p. E-book.
Dando nome ao elefante surgiu em um contexto incomum. James Sire percebeu que seu trabalho prévio envolvendo a ideia de cosmovisão não envolvia a profundidade e complexidade que esse conceito merecia. As críticas à sua obra O Universo ao lado e os aprendizados com os escritos de autores como Brian Walsh, Richard Middleton e David Naugle mudaram sua percepção. Sire reconheceu que precisava aprender mais sobre sistema de vida e de mundo (cosmovisão), admitindo que era necessário aprimorar e revisar suas definições desse conceito. O resultado dessa jornada do autor, que compartilha o que aprendeu de inédito sobre cosmovisão, amplia suas ideias e oferece novos desenvolvimentos para essa palavra, são os oito capítulos do livro Dando nome ao elefante, objeto da presente resenha.
O primeiro capítulo tem duas ilustrações utilizadas para mostrar características fundamentais de qualquer sistema de vida e de mundo. Cosmovisão trata da compreensão pré-teórica que uma pessoa tem da realidade primordial, sendo um compromisso fundacional que reconhece que algo existe. Sire oferece sete perguntas básicas cujas respostas (ou ausência delas) podem determinar a cosmovisão geral adotada por um indivíduo.
Diversas definições históricas de cosmovisão segundo autores específicos são o foco do segundo capítulo. O primeiro a utilizar brevemente o termo foi Immanuel Kant, enquanto Wilhelm Dilthey foi quem desenvolveu ideias iniciais com essa palavra. As ideias cosmovisionárias de Dilthey, Friedrich Nietzsche, Ludwig Wittgenstein e Michel Foucault são analisadas em uma seção. As duas seções seguintes abarcam os conceitos de sistema de vida e de mundo segundo pensadores cristãos como James Orr, Abraham Kuyper, Herman Dooyeweerd, James Olthuis, Albert Wolters, Ronald Nash e John Kok. A perspectiva secular do conceito acompanhou a caminhada da modernidade para a pós-modernidade e está amplamente envolvida com as transformações filosóficas desse período, em especial com as questões da filosofia da linguagem.
As ideias de cosmovisão cristã encontram terreno comum na percepção do que Deus, a humanidade e o mundo são de forma real e objetiva. A próxima seção trata das notáveis contribuições de David Naugle a esse tópico. Ele baseia sua visão de mundo cristã na ontologia (estudo do ser) sem desconsiderar a forma que a hermenêutica tomou o lugar desse fundamento, considerando também aspectos da semiótica e dos sinais narrativos. Para Sire, Naugle é o primeiro a relacionar o conceito bíblico de coração com o de cosmovisão, desenvolvendo a perspectiva subjetiva cristã do sistema de vida e de mundo.
O capítulo três consiste nas reflexões de como se dá o entendimento das primeiras coisas. O caminho trilhado pelo pensamento ocidental, seja ele teísta ou naturalista, começava pela ontologia e depois partia para a epistemologia (estudo do entendimento), sendo esse o ponto de vista do autor e do cristianismo em geral. Sire disserta que a partir do século XVII, o racionalismo de René Descartes influenciou de modo que o ponto de partida fosse a epistemologia. Na modernidade, a hermenêutica tem sido considerada justificativa inicial também. O capítulo quatro desenvolve os aspectos universais das cosmovisões. Toda visão de mundo possui uma natureza teórica, pré-teórica e pressuposicional. Pré-teórico e pressuposições misturam-se com a intuição humana, muitas vezes sendo indistinguíveis uns dos outros, para formar o teórico, a parte consciente de uma cosmovisão.
No quinto capítulo, Sire desenvolve a noção de que uma cosmovisão não existe apenas para responder perguntas. Ela abrange um modo de vida, pois está conectada à própria realidade vista pelo homem, que, além de sua busca por entendê-la, vive experiências nela. O contato com o real faz uma cosmovisão traçar relações com o tempo e o espaço e, assim, surge uma estória-mestre, uma narrativa que está dentro de outra, a metanarrativa. Dessa maneira, uma cosmovisão interpreta e dá significado ao que está na realidade humana. O capítulo seis dá continuidade ao argumento das características de uma visão de mundo. Por mais que uma cosmovisão envolva aspectos internos do homem, tornando-a algo privado, ela também se manifesta na esfera pública ao ser compartilhada por várias pessoas, formando um conjunto de crenças que constroem uma estrutura de plausibilidade para um coletivo. Em seguida, Sire escreve sobre a tensão entre as perspectivas objetivas e subjetivas que um sistema de vida e de mundo pode encontrar.
A definição final de cosmovisão de Sire é apresentada e minuciosamente destrinchada no sétimo capítulo. O autor conceitua o termo dessa forma:
Cosmovisão é um compromisso, uma orientação fundamental do coração, que pode ser expresso como uma estória ou num conjunto de pressuposições (suposições que podem ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou totalmente falsas) que sustentamos (consciente ou subconscientemente, consistente ou inconsistentemente) sobre a constituição básica da realidade, e que fornece o fundamento no qual vivemos, nos movemos e existimos (SIRE, 2012, p. 118-119).
Além de explicar cada parte dessa frase, Sire ainda responde às sete perguntas do primeiro capítulo com as ideias dos autores apresentados no capítulo dois. O capítulo oito ilustra como a cosmovisão pode ser uma ferramenta de análise, seja ela pessoal, de outras pessoas, cultural ou acadêmica.
Por tudo isso, Dando nome ao elefante funciona como uma obra indispensável para quem deseja estudar cosmovisão. O livro oferece ensinamentos valiosos do ponto de vista cristão, além de conter a história e perspectivas seculares desse conceito que ultimamente tem sido tão importante para compreender a realidade do mundo e as pessoas que vivem nele.