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A pregação biográfica e a fragilidade no ensino bíblico infantil 

Artigo de opinião escrito por Poliana Rodrigues da Rocha, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2024


Alguns de nós passamos nossa infância, ou parte dela, numa comunidade eclesiástica. Mesmo que essa não tenha sido sua realidade, você ainda pode ter vivenciado momentos em que a arte da contação de história infantil entra em cena. Esse empolgante universo sempre conta com uma dedicação e grande esforço por parte dos envolvidos, que pensam no tema, nas cores, no cenário, na caracterização e, claro, na história bíblica a ser contada. 

Contudo, quer seja no ensino dominical semanal, que também envolve uma preparação de tais requisitos metodológicos voltados ao público infantil, ainda que em menor proporção, quer seja em programações extras, um problema tem sido recorrente. As histórias bíblicas endereçadas às crianças com frequência têm apontado e mantido sua centralidade de maneira constante na ação dos personagens. Com isso, eles passam de coadjuvantes a protagonistas, assumindo ainda o papel de formadores morais dentro da exposição bíblica. 

Tal tomada de decisão, segundo Greidanus (2019), incide em um dos problemas encontrados na pregação biográfica, a moralização. O método de “pregação biográfica” ou “pregação sobre personagens” abordado por Greidanus é facilmente visto como um dos caminhos mais utilizados na exposição bíblica infantil, seja este de maneira consciente ou não. 

Segundo Greidanus, o problema de aplicação é apenas um indicativo dos problemas mais básicos, evidenciados antes na abordagem hermenêutica e na exposição. Ele esclarece: “Pois é evidente que a pregação biográfica não interpreta cada história no contexto da história única que está por trás de tudo: o reino vindouro de Deus. Em vez disso, tem a tendência de isolar cada história de seus contextos de história da redenção e contexto literário” (GREIDANUS, 2019, p. 54).

Assim, estes personagens acabam tornando-se o foco central da mensagem, do início ao fim. Frequentemente, isso leva a não considerar o progresso narrativo, isolando relatos bíblicos do “fluxo da história da salvação”1 (KING, 2023, p. 103). A centralidade deve ser o próprio Cristo, visto que “Jesus preenche a grande história da Bíblia. Ele representa o ponto de um relato iniciado no jardim de Gênesis e que chega ao fim no jardim da cidade do Apocalipse” (KING, 2023, p. 102). 

No entanto, não é o objetivo aqui descartar as nuances próprias à exposição infantil em seus respectivos momentos. Contudo, é razoável considerar que a preocupação com uma hermenêutica sólida também deve ser alvo da exposição bíblica para crianças, o que, ao contrário do que se pode pensar, não anula tais especificidades, mas as enriquece. Como bem lembra King: “Não é preciso apenas um método, você precisa de significado. Não apenas é necessário o processo mas também o propósito” (KING, 2023, p. 25).

A perspectiva não é apenas de um método, mas do propósito que representa. Ela deve guiar nossas ações e esforços, que, muitas vezes, perdem o foco, deixando de considerar que a preparação das mensagens para crianças precisa ser cristotélica. Assim, os benefícios da revelação progressiva não devem ser substituídos pela “facilidade” da pregação de personagens. O processo não pode “roubar” a cena e ofuscar o significado e propósito. 

Portanto, vale perguntar: Qual professor bíblico, desejoso do genuíno crescimento de sua igreja, negaria aos seus ouvintes, crianças ou não, a centralidade da abordagem cristocêntrica? Seria ele capaz de ocultar, na superficialidade de uma exposição biográfica, o tesouro das Escrituras? Receiamos que, em alguma medida, muitos professores se tornaram essas pessoas! Dois motivos para estar nesse grupo nos vêm à mente: O entendimento cauterizado na crença de que não é preciso ser um teólogo para trabalhar com crianças, ou, talvez, estejamos confortáveis com uma abordagem fácil que não vá além da breve aventura da pregação sobre personagens bíblicos. Conforme Greidanus, nesse tipo de pregação, em vez de pregar a “Cristo crucificado, pregamos a humanidade, e esta melhorada” (GREIDANUS, 2019, p. 52).

A matéria primeira nos leva a sondar nossos esforços e perceber que estes possam estar sendo canalizados de maneira equivocada. Esforços que podem até nos dar resposta a curto prazo, mas devemos admitir que não têm colhido frutos saudáveis a longo prazo. Encontra-se, assim, não mais que uma teologia frágil que não usufrui das benesses de uma exposição progressiva das sagradas Escrituras, negando que o fio condutor é o próprio Cristo, assim como afirma King: “Ele é o cumprimento de toda a corrente da história da redenção” (KING, 2023, p. 44).

Portanto, é possível perceber que, na pregação biográfica, deixamos de ver como o texto se relaciona com Cristo em seu contexto mais amplo, que é o contexto do propósito de Deus na revelação (CLOWNEY, 2021, p. 9). Dito isto, um último questionamento se faz necessário. E agora, como fazer um movimento inverso? A resposta está onde sempre esteve e permanecerá, na Palavra de Deus, como nos lembra King: 

Efésios esclarece o propósito divinamente designado para pastores e professores. Eles devem “preparar os santos para a obra do ministério, para a edificação do corpo de Cristo, até que todos alcancemos a unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, a hombridade madura, a medida da estatura da plenitude de Cristo” (4.12,13). Se Deus deseja que o pastoreio e o ensino resultem no amadurecimento de uma congregação em Cristo, então todo sermão deve apontar nessa direção (KING, 2023, p. 55-56).

O movimento necessário e até urgente exige o abandono de um frágil ensino centrado no homem, voltando-se para a centralidade em Cristo. O caminho continua sendo e apontando para Ele. 


1Termo usado por King (2023, p. 103), ao fazer alusão à importância de analisar a história, tendo em vista a ligação entre os relatos do Antigo Testamento e a história de Cristo. 


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Referências bibliográficas

CLOWNEY, Edmund P. Pregando Cristo em toda a Escritura. Tradução: A. G. Mendes. 1.ed. São Paulo, SP: Editora Vida Nova, 2021. 208 p.

GREIDANUS, Sidney. Pregando Cristo a partir do Antigo Testamento: um método hermenêutico contemporâneo. Tradução: Elizabeth Gomes. 2.ed. São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2019. 400 p.

KING, David M. O seu sermão no Antigo Testamento precisa ser salvo: um manual para proclamar Jesus a partir do AT. Tradução: Rogério Portella. São Paulo, SP: Editora Vida Nova, 2023. 176 p.