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As roupas no teodrama: uma abordagem canônico-linguística para a teologia da moda

Artigo acadêmico escrito por Ana Karolina Ortega, professora do curso Ressignificando a moda: o vestuário a partir de uma abordagem teológica e saudável, do Loop, e estudante do Programa de Tutoria Avançada 2025


Resumo

As vestimentas, como parte inerente da condição humana, estão registradas na narrativa bíblica. Seguindo o curso comum, elas são do uso cotidiano de homens e mulheres, dentro da grande história da redenção. O presente estudo tem como objetivo demonstrar, a partir de uma análise bibliográfica e conceitual, a maneira pela qual a abordagem canônico-linguística da teologia cristã nos dá respaldo para desenvolver uma teologia da moda que esteja em consonância com a doutrina cristã. Valendo-se das proposições de Jesus no Sermão da Montanha, observa-se uma metáfora que expressa sua visão sobre a providência divina, manifesta no significado da vestimenta dentro do teodrama.

Palavras-chave: roupas; moda; teologia; doutrina; metáfora. 

Introdução

As roupas representam o primeiro artefato cultural criado pelo ser humano, conforme registrado na narrativa bíblica, em Gênesis 3.7. Apesar da grandeza que isso carrega, elas foram feitas com um propósito distorcido: vestir folhas de figueira para cobrir a nudez. Com isso, o homem e a mulher buscaram esconder a consciência de que agora tinham um conhecimento que antes não lhes era acessível. Foi o que Deus disse que aconteceria se eles comessem do fruto do conhecimento do bem e do mal, que Ele ordenou que não comessem. Com a entrada do pecado na realidade humana, Adão e Eva não apenas perceberam que estavam nus, mas tiveram vergonha. A noção da nudez carrega muito mais significado do que conseguimos apreender: expõe a nova condição dos seres humanos, agora separados de Deus, assim como despidos da glória que outrora os cobria. 

Nesse sentido, o evangelho, segundo Kevin Vanhoozer, é “teodramático” — “uma série de entradas e saídas divinas, em especial aquilo que diz respeito ao que Deus fez em Jesus Cristo” (VANHOOZER, 2016, p. 48). Aqui, onde o homem e a mulher desobedeceram a Deus por influência da serpente, e o pecado entrou na história da humanidade, Deus infere a sua sentença de juízo contra os atores presentes nesse grande palco que é a história humana. E assim que o faz, Ele os expulsa do jardim, mas não sem antes, os vestir. Aqui, nós temos a primeira manifestação material do protoevangelho. As vestes de pele, as quais Deus substituiu pelas vestes de folha antes feitas por Adão e Eva, apontavam para o sacrifício, para a remissão dos pecados da humanidade, pelo descendente que viria para esmagar a cabeça da serpente.

Assim, ao longo deste estudo, busca-se demonstrar que, no drama da redenção, as roupas ocupam uma posição de proeminência como manifestação material de uma promessa divina. Como meio para validar tal afirmação, utilizam-se as proposições empregadas por Jesus no Sermão da Montanha, onde ele demonstra a providência divina por intermédio das roupas, sendo essa uma metáfora canonicamente validada. A partir disso, conclui-se que as roupas carregam uma importância na narrativa da redenção, de forma que a análise valida a relevância de se fazer uma teologia da moda tanto para o campo de estudos teóricos da moda como para a teologia sistemática.

O papel da doutrina no conhecimento de Deus

 A teologia é uma ciência, apesar de muitos na academia discordarem veementemente, afirmando que há um abismo entre a teologia e a ciência como ela é estabelecida. “A ciência, dizem, é aquilo que aprendemos por meio de inquirição e investigação empírica, enquanto a teologia brota de pessoas inflamadas por emoções religiosas” (SPROUL, 2018, p. 23). Mas o que torna a teologia uma ciência é o fato dela fornecer meios para se compreender o que ela defende como objeto de estudo. A teologia não poderia ser chamada corretamente de ciência se o conhecimento de Deus não fosse possível (SPROUL, 2018, p. 23). Sendo assim, o que torna plausível o conhecimento de Deus é a sua principal fonte para o estudo teológico, as Escrituras. 

A despeito disso, reconhecendo a teologia como um campo de estudo científico, de que maneira o seu conhecimento se torna acessível para além dos limites acadêmicos? Segundo Vanhoozer:

A teologia está relacionada às profundas convicções sobre o teodrama com as quais as grandes e importantes confissões e práticas da igreja, em última análise, a comprometem. A teologia é uma forma de “prática da crença” ou “crença prática”, que diz respeito tanto à verdade quanto à ação […] as Escrituras canônicas devem ser a norma suprema da doutrina cristã […] (VANHOOZER, 2016, p. 129).

Existe um espaço onde o ensino acerca do conhecimento de Deus deve ser apreendido: a igreja. A interpretação teológica da Bíblia é uma prática eclesial (VANHOOZER, 2016, p. 130). Ali, a teologia é ensinada por meio da doutrina cristã, tendo as Escrituras como padrão e norma para isso. As Escrituras nos fornecem o conhecimento a despeito do teodrama — a grande narrativa da Redenção —, assim como padrões e meios para viver de maneira que glorifique a Deus. Mas não só isso, a Bíblia é um roteiro autorizado que demanda não só consentimento intelectual, mas uma encenação viva (VANHOOZER, 2016, p. 252). Um bom exemplo disso pode ser encontrado nos Evangelhos, que estão repletos de metáforas em que Jesus nos aproxima do cotidiano, proporcionando uma “crença prática”, conforme mencionado anteriormente.

O Sermão da Montanha é um desses discursos valiosos onde podemos apreender modos de viver em consonância com a lei de Deus em que Jesus utiliza metáforas para aproximar a realidade do Reino de Deus à vida na terra. Em um desses exemplos, ele se refere às vestimentas, mostrando a ansiedade humana para com as necessidades básicas. Ele o faz comparando o cuidado de Deus com o que vestimos, metaforicamente, por meio dos lírios.

O lugar das roupas no teodrama

No final do Sermão do Monte, Jesus demonstra o aspecto do cuidado de Deus para com o homem: a provisão divina. Ele usa duas metáforas para exemplificar o que está querendo dizer, de modo que os discípulos conseguissem visualizar aquilo em sua realidade. Assim, Jesus apresenta duas particularidades da realidade humana cruciais para a sobrevivência: uma delas é o alimento, mas a outra, são as vestes.

Portanto, eu lhes digo: não se preocupem com suas próprias vidas, quanto ao que comer ou beber; nem com seus próprios corpos, quanto ao que vestir. Não é a vida mais importante do que a comida, e o corpo mais importante do que a roupa? Observem as aves do céu: não semeiam nem colhem, nem armazenam em celeiros; contudo, o Pai celestial as alimenta. Não têm vocês muito mais valor do que elas? […] Por que vocês se preocupam com roupas? Vejam como crescem os lírios do campo. Eles não trabalham nem tecem. Contudo, eu lhes digo que nem Salomão, em todo o seu esplendor, vestiu-se como um deles. Se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao fogo, não vestirá muito mais a vocês, homens de pequena fé? (Mateus 6:25-30).

Jesus ensina que Deus veste os lírios do campo, mas não apenas isso. Ele indica que o Pai pensa em como vesti-los. Ele os veste de beleza e usa disso para comunicar que também nos veste de igual modo. O Senhor não apenas providencia aquilo de que temos necessidade, mas a sua provisão é carregada de significado. Portanto, é notório, aqui, que as vestimentas são parte importante da comunicação de Deus para o mundo dentro do seu teodrama. E o que Ele quer comunicar? Assim como ele veste os lírios do campo de beleza e favor, Ele veste a sua igreja. Assim como ele vestiu Adão e Eva no jardim, a providência de Deus para a nossa Salvação está em Cristo Jesus. As nossas roupas e o ato diário de nos vestirmos carregam como lembrete a expressão materializada da nossa redenção.

Considerações finais

As vestimentas desempenham um papel significativo no drama da redenção. Desde o momento em que Deus substitui as vestes de folha por vestes de pele, demonstrando o primeiro sinal do protoevangelho, até as metáforas usadas por Jesus no Sermão da Montanha, as roupas se tornam um veículo para comunicar a providência divina e o plano de salvação. As vestes de pele, com as quais Deus substituiu as vestes de folha feitas por Adão e Eva, apontavam para o sacrifício e a remissão dos pecados da humanidade mediante a Jesus Cristo. Deus usou essa metáfora para revelar o Seu plano de salvação e, ao longo de toda a Escritura, Ele continua valendo-se das vestimentas e do seu uso, inerentemente humano, para mostrar que as roupas têm chancela canônica, manifestando o agir de Deus na história humana, ou no Seu teodrama.


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Referências bibliográficas

BÍBLIA SAGRADA. Nova Versão Internacional. São Paulo: Thomas Nelson Brasil, 2017.

SPROUL, R.C. Somos todos teólogos: a importância da teologia para a vida cristã. Tradução de Francisco Ferreira. São Paulo: Editora Fiel, 2017.

VANHOOZER, Kevin J. O drama da doutrina: uma abordagem canônico-linguística da teologia cristã. Tradução de Daniel de Oliveira. São Paulo: Editora Vida Nova, 2016.

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