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O ato de fala: comunicação, pensamento, verdade e obediência 

Artigo acadêmico escrito por Mikaella Santos Tardelli, estudante do Programa de Tutoria Avançada 2025


Resumo

Este artigo investiga o ato de fala de Deus e sua implicação teológica na formação do pensamento e da vida cristã. A comunicação de Deus, conforme revelada nas Escrituras, transcende a mera transmissão de informações, exercendo um papel ativo na criação, redenção e restauração do mundo. O estudo tem como objetivo analisar como Deus se comunica, o conteúdo de Sua mensagem e a relação entre o pensamento correto e um estilo de vida em obediência. A metodologia adotada é fundamentada em textos bíblicos e contribuições teológicas relevantes. O artigo conclui que a fala de Deus não apenas informa, mas transforma, conduzindo a humanidade a uma vida de fidelidade e testemunho. O pensamento correto, enraizado na verdade divina, não é uma mera construção intelectual, mas um chamado à conformidade com a vontade de Deus. Assim, a teologia se manifesta não apenas como conhecimento, mas como sabedoria vivencial, integrando teoria e prática na vida cristã.

Palavras-chave: comunicação; pensamento; verdade; obediência.

Introdução

A comunicação desempenha um papel central na experiência humana, sendo a fala um dos principais meios pelos quais as ideias, intenções e propósitos são expressos. No âmbito teológico, a comunicação de Deus assume uma dimensão singular, pois sua fala não apenas transmite significado, mas também possui poder criativo e transformador. Desde a criação do mundo, conforme descrito em Gênesis, até a revelação plena em Cristo, Deus se manifesta por meio de palavras e ações, mudando a realidade e orientando a humanidade.

Diante dessa perspectiva, este artigo tem como objetivo analisar a relação entre a fala de Deus, a Verdade e o pensamento correto, destacando a implicação dessas dimensões na vida cristã. Para isso, o estudo examina como Deus se comunica ao longo das Escrituras, a natureza e os conteúdos da sua fala e a importância do pensamento correto como caminho para uma vida em obediência. Além disso, busca-se compreender de que maneira a reflexão teológica deve ser integrada à prática cristã, reforçando a indissociabilidade entre conhecer a verdade e vivê-la.

O artigo está estruturado em cinco seções principais. A primeira aborda o ato de fala e sua relevância na comunicação. Em seguida, discute-se como Deus se revela e se comunica ao longo da história, enfatizando a autoridade das Escrituras. A terceira seção examina o conteúdo da fala de Deus e seu impacto na cosmovisão cristã. Posteriormente, investiga-se a importância do pensamento correto na busca pela verdade e pela conformidade com a vontade Deus. Por fim, a última seção destaca como um pensamento correto conduz a um estilo de vida de obediência, moldado pelo relacionamento com Deus e pelo compromisso com sua Palavra.

O ato de fala

A fala é uma das formas mais significativas de comunicação, pois carrega não apenas palavras, mas também intenções, propósitos e ações. No contexto teológico, Deus é um agente comunicativo onde sua fala gera uma ação de ordem e verdade. É interessante pensar que tudo que existe se deu através da fala de Deus ao criar todas as coisas. Em Gênesis 1:1, temos o resumo de como tudo foi criado e, no decorrer do capítulo, observamos os detalhes do que Deus fala e a ação após a Sua fala.  Diferente da linguagem humana, as palavras de Deus possuem poder criativo e transformador. A fala não apenas comunica, mas também realiza, dando forma ao mundo e revelando a natureza ativa da comunicação.

Como Deus se comunica

Deus se comunica de maneira multiforme, revelando-se ao longo da história por meio de palavras e atos registrados nas Escrituras. Ele fala através dos profetas, da Lei, da sabedoria poética e, de forma definitiva, na pessoa de Jesus Cristo, a Palavra encarnada (João 1:1-14; Hb 1:1-4). Além disso, o Espírito Santo continua a aplicar a Palavra de Deus aos nossos corações, conduzindo-nos a toda verdade (João 16:13). Essa comunicação é clara, suficiente e intencional, sempre visando conduzir seu povo ao conhecimento dEle e à conformidade com Sua vontade.

O que Ele fala

O que Deus fala? Esta, talvez, seja a pergunta que muitos fazem, pois, no decorrer da história da igreja, várias vertentes foram abordadas como falas de Deus além do que é exposto nas Escrituras. Deus não está em silêncio. A mensagem de Deus está nas Escrituras, e ela nos equipa a falar e agir em obediência. Deus estabelece a sua própria cosmovisão:

Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou (Gênesis 1:26-27).

Deus estabelece a direção e o propósito da humanidade ao criar o homem e a mulher à Sua imagem. Essa verdade molda nossa compreensão de identidade, responsabilidade e sexualidade. “Então, falou Deus todas estas palavras: Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim.” (Êxodo 20:1-3). Os Dez Mandamentos são um reflexo do caráter santo e justo de Deus, oferecendo um padrão para vivermos em obediência e adoração a Ele. No decorrer dos versículos também observa-se a direção quanto ao nosso relacionamento com o próximo e o lidar com nosso coração.

A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e injustiça dos seres humanos que, por meio da sua injustiça, suprimem a verdade. Pois o que se pode conhecer a respeito de Deus é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou.  Porque os atributos invisíveis de Deus, isto é, o seu eterno poder e a sua divindade, claramente se reconhecem, desde a criação do mundo, sendo percebidos por meio das coisas que Deus fez. Por isso, os seres humanos são indesculpáveis. Porque, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças. Pelo contrário, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios, e o coração insensato deles se obscureceu. Dizendo que eram sábios, se tornaram tolos e trocaram a glória do Deus incorruptível por imagens semelhantes ao ser humano corruptível, às aves, aos quadrúpedes e aos répteis (Romanos 1:18-23). 

A Bíblia revela que o pecado distorce a verdade, suprimindo-a em falsos ensinamentos e leva o homem a glorificar outros deuses ao invés do Deus Verdadeiro1No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. […] E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória como do unigênito do Pai” (João 1:1, 14). Jesus é a Palavra viva de Deus na terra, o Verbo encarnado que demonstra a plenitude da verdade. O texto de João 1 também aponta para o princípio de todas as coisas criadas em Gênesis 1:1. Essa Palavra ou Lógica não se fez, mas estava com Deus desde o princípio2

Há esperança! “Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o perdido” (Lucas 19:10), Jesus é o caminho3. Jesus se apresenta como o Caminho, a Verdade e a Vida, destacando que Ele não apenas aponta a direção para Deus, mas é o próprio meio pelo qual se pode chegar ao Pai. Essa ideia já havia sido introduzida quando Ele se comparou a uma porta (Jo 10:9), enfatizando que a salvação só é possível por meio d’Ele. Como a verdade, Ele garante que esse caminho é seguro e confiável (Jo 1:14; 8:32, 36; Ef 4:20-21)4.

Desse modo, os cristãos são chamados a viver como remanescentes fiéis, testemunhando a verdade de Deus no mundo e proclamando Sua glória enquanto aguardam a consumação do Reino de Deus. “Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz.” (1 Pedro 2:9).

O pensamento correto

O ato de pensar é parte essencial do propósito para o qual Deus nos criou. Ele nos convida a exercitar nossa mente da melhor forma possível, pois somos chamados a amá-Lo não apenas com nosso coração, alma e forças, mas também com todo o nosso entendimento (Lc 10:27). Temos o dever de amar a Deus com nossa mente, empregando a inteligência que Ele nos concedeu para pensar com excelência (SIRE, 2021, p. 11).

Para viver na Verdade, é essencial desenvolver um pensamento correto. A verdade e a espiritualidade não podem ser separadas, pois conhecer a verdade implica vivê-la na prática. Não há oposição entre essas dimensões; pelo contrário, ser uma pessoa espiritual significa tanto compreender a verdade quanto aplicá-la no dia a dia. Jesus, além de ser um mestre, também pode ser visto como um pensador. Ele apresenta argumentos que devem ser analisados com profundidade e reflexão. Como cristãos, somos desafiados a assumir a responsabilidade de pensar com dedicação e discernimento, buscando, acima de tudo, o reino de Deus e Sua glória (SIRE, 2021, p. 13, 17).

O pensamento correto leva a um estilo de vida em obediência

O pensamento correto, quando cultivado, transforma continuamente o estilo de vida. A mente renovada (Romanos 12:1-2) gera ações coerentes com a verdade, levando-nos a viver de forma que glorifique a Deus em todas as áreas da vida. É curioso lembrar de Deuteronômio 6: 1-9:   

— São estes os mandamentos, os estatutos e os juízos que o Senhor, seu Deus, ordenou que fossem ensinados a vocês, para que vocês os cumprissem na terra em que vão entrar e possuir, para que durante todos os dias da sua vida vocês, os seus filhos, e os filhos dos seus filhos temam o Senhor, seu Deus, e guardem todos os seus estatutos e mandamentos que eu lhes ordeno, e para que os seus dias sejam prolongados. Portanto, escute, Israel, e tenha o cuidado de cumprir esses mandamentos, para que tudo lhes corra bem e vocês muito se multipliquem na terra que mana leite e mel, como o Senhor, o Deus dos seus pais, lhes prometeu. — Escute, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Portanto, ame o Senhor, seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e com toda a sua força. Estas palavras que hoje lhe ordeno estarão no seu coração. Você as inculcará a seus filhos, e delas falará quando estiver sentado em sua casa, andando pelo caminho, ao deitar-se e ao levantar-se. Também deve amarrá-las como sinal na sua mão, e elas lhe serão por frontal entre os olhos.  E você as escreverá nos umbrais de sua casa e nas suas portas.

O texto nos ensina sobre o processo de cultivar o que devemos fazer, nossas motivações e nossas finalidades (FONTES, 2017, p. 27). Nesse processo, o ato de fala de Deus através das Escrituras comunica ao povo que se deve contar uma história. Tal história nomeia quem é o Deus de Israel, nos leva à importância de observar, memorizar e expressar aquilo que cremos, sendo assim passada de uma geração para outra5, levando o povo a glorificar a Deus e fazê-lo conhecido.

O conhecimento teológico não deve ser compreendido apenas como algo teórico ou utilitário, mas, sim, como uma forma de sapiência6. A sapientia não apenas transmite informações precisas sobre Deus, mas também destaca o envolvimento relacional com esse conhecimento. Trata-se de um saber que une o conhecedor ao objeto conhecido. Assim, a teologia integra teoria (conhecimento) e prática (vida) (VANHOOZER, 2016, p. 30).

Essa transformação é contínua, pois viver segundo o pensamento correto significa não apenas adotar um conjunto de crenças, mas entrar em um relacionamento vivo com Deus, que molda nossas atitudes, escolhas e prioridades. O resultado é uma vida que não apenas reflete a glória de Deus, mas O torna conhecido entre as gerações. Esse é o papel da igreja. Ela deve sempre se voltar à história e cultivar a vida em obediência naqueles que são o povo e rebanho do pastoreio do SENHOR7.  

Considerações finais

Ao longo deste estudo, foi possível destacar que a fala de Deus não é meramente informativa, mas ativa e transformadora. A Palavra de Deus, expressa nas Escrituras e plenamente manifestada em Cristo, constitui o fundamento para a compreensão correta da existência de todas as coisas, da identidade humana e do propósito de Deus na história.

Portanto, a revelação das Escrituras não se limita a transmitir conhecimento, mas exige uma resposta prática de obediência e conformidade à vontade de Deus. Nesse sentido, a fé cristã não pode ser reduzida a um conjunto de ideias ou valores morais; ela implica um compromisso integral com a verdade que se manifesta tanto no pensamento quanto na ação. Nesse sentido, pensar corretamente, à luz das Escrituras, é um dever cristão, pois somente um pensamento renovado pode conduzir a uma vida que glorifica a Deus.


1 YAHWEH

2 HARRISON, Everett F. Comentário Bíblico Moody: Volume 2. Tradução de Yolanda M. Krievin. 2 ed. São Paulo: Batista Regular do Brasil, p. 280.

3 João 14:6.

4 HARRISON, op. cit., p. 334.

5 Através de Moisés, o SENHOR volta na história (o Pentateuco) para alinhar a perspectiva do seu povo. 

6 Qualidade do que é sapiente./ Vasto e variado conhecimento. = erudição, sabedoria.[Teologia] Sabedoria divina,. Origem etimológica: latim sapientia, -ae, bom senso, discernimento, inteligência, sabedoria. “sapiência”. In Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2025, https://dicionario.priberam.org/sapi%C3%AAncia.

7 Salmo 100:3.


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Referências

FONTES, Filipe Costa. Você educa de acordo com o que adora: educação tem tudo a ver com Religião. São José dos Campos, SP: Fiel, 2017.

HARRISON, Everett F. Comentário Bíblico Moody: Volume 2 Tradução de Yolanda M. Krievin. 2 ed. São Paulo: Batista Regular do Brasil, 2017. 

O QUE É “PAIDEIA”? Disponível em: <https://www.paideia.fe.unicamp.br/sobre-o-paideia/o-que-e-paideia>. Acesso em: 31 jan. 2025.

PRIBERAM INFORMÁTICA, S. A. sapiência. Disponível em: <https://dicionario.priberam.org/sapi%C3%AAncia>. Acesso em: 31 jan. 2025.

SIRE, James W. Hábitos da mente: a vida intelectual como um chamado cristão. Tradução. São Paulo: Vida Nova, 2021.

VANHOOZER, Kevin J. O drama da doutrina: uma abordagem canônico-linguística da teologia cristã. Tradução de Daniel de Oliveira. São Paulo: Vida Nova, 2016.

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