Escrito por Mayumi Adati, estudante do Programa de Tutoria – Turma Avançada 2021
Introdução
Muito tem se falado sobre a importância da família para a construção social. Não só porque é o local de primeiro contato da criança em formação, mas também porque a sociedade é formada por famílias, além de outras instituições, organizações e associações. Pensando na construção moral social, seria a família a instituição social mais importante? Seria esta a única detentora do poder de produção moral? São essas problemáticas envolvendo família e capital moral que este artigo passará a abordar.
O problema moral
Primeiramente, é preciso entender e abordar o problema moral. Se esse não existisse, não haveria o debate sobre família e moral. Os diversos avanços sociais, em várias esferas, transformaram a sociedade ocidental. A revolução da informação, com sua infinita possibilidade de escolhas, criou aversão ao pensamento de zelo e cuidado pelo que é estável e duradouro. A globalização, com seu espaço global para pessoas e empresas, retirou a necessidade de se fazer presente e pertencer a uma localidade ou grupo de pessoas, e os novos valores modernos criam novas formas de organização social.
Todas essas transformações mudam prioridades, princípios e valores da sociedade em geral, até mesmo em comunidades mais fechadas ou menos secularizadas. Consequentemente, os meios de produção moral antes reconhecidos, tornam-se enfraquecidos e, por vezes, substituídos por formas mais contemporâneas de influência. Há quem valorize somente a religião, ou somente a política, ou somente os valores de certo pensamento filosófico.
Em uma sociedade fluida de indivíduos que foram altamente fragmentados, não há agente ou instituição pública que consiga manter unidos os arquipélagos de indivíduos. Uma sociedade fragmentada e individualizada torna-se incapaz de ser restabelecida por governo ou outro ideal que parta de sua própria humanidade.
Nesse contexto de deslocamento e esgotamento da produção de capital moral, a reflexão moral surge ao nos depararmos com a forma como capitalizamos o humano e como nos tornamos disfuncionais e ansiosos. Ao mesmo tempo que tentamos encontrar soluções, encaramos nossa própria limitação para produzir o capital moral necessário para restabelecer relacionamentos concretos capazes de nos fazer moralmente capazes para florescer em uma sociedade cada vez mais individualizada e alienada em si mesma.
O papel da família enquanto instituição moral
Para entendermos o papel da família, é necessário ressaltar a diferença entre instituições e associações morais. Instituições são naturalmente organizadas, não possuem contratos ou termos, e os indivíduos se conectam por obrigações naturais, como, por exemplo, irmãos sanguíneos que não escolhem um ao outro, mas simplesmente são criados no mesmo lar, ou são unidos por algum vínculo familiar. Instituições não são exclusivamente firmadas por vínculo sanguíneo. Apesar de contarem com a vontade de seus indivíduos em permanecer nelas, estas não deixam de existir pela falta de vínculo ou vontade de seus participantes.
Neste último caso, podemos citar a igreja como instituição que não possui um contrato ou termo a ser assinado para fazer parte, mas une indivíduos que creem na mesma causa e se submetem a seus princípios e valores.
Logo, instituições possuem vínculos pactuais, de aliança. Indivíduos permanecem unidos por motivos que trasbordam sua racionalidade ou individualidade. Nas relações pactuais, somos convidados a nos relacionar com algo maior que nós mesmos.
Sobre a influência do liberalismo, contudo, tratamos várias instituições como associações contratuais. Estas, por sua vez, possuem vínculos organizados por laços comunitários voluntários em que pode-se escolher os termos aos quais se deseja associar e geralmente a quebra contratual, a desassociação também é possível, sob pena até mesmo de extinguir-se a associação.
Embora ambas as instituições e associações possuam capacidade de produção moral, são elas as instituições detentoras de maior capacidade neste aspecto, uma vez que possuem laços mais fortes, duradouros e assimétricos. Encontra-se nas instituições também maior expressão de preocupação. Em tempos nos quais a independência e distanciamento são motivos de orgulho e sinônimo de fraqueza, a relação moral mais abrangente que o ser humano pode formar é a preocupação genuína com seu próximo, que o faz agir pelo outro. Dr. Roel Kuiper ainda destaca que “ser humano é: assumir para si a missão de preocupar-se com o mundo”1.
E qual instituição social possui indivíduos que pelo amor e preocupação com o outro seriam capazes de trocar a sua vida pela vida do seu próximo em perigo? Somente na família conseguimos ainda perceber um laço forte o suficiente para negar a si mesmo em benefício de outros.
Nas palavras do autor citado anteriormente: “Na literatura sociológica, a família é denominada como “sistema”. […] Em um sistema, o conjunto vem em primeiro lugar. O mesmo ocorre com uma família. É verdade que uma família consiste em indivíduos, mas também é uma comunidade com normas, costumes e responsabilidades próprios. A família é o protótipo de uma comunidade, a mãe de todas as comunidades, pode-se dizer”2.
Ainda, à medida que outros sistemas, instituições ou associações falham moralmente com seus integrantes, a importância da família aumenta e, com ela, a expectativa que “ofereça um contrapeso contra o desenraizamento e alienação da vida moderna”3. A família é, portanto, uma das instituições mais importantes operando como incubadora de capital moral social.
A família precisa de colaboradores
A formação moral se dá em uma miríade de espaços, onde a preocupação é externalizada e virtudes são cultivadas. Dessa maneira, a família é uma das instituições mais importantes, mas não é a única fonte de capital moral. Falhar em perceber essa distinção pode levar ao totalitarismo da família e a um consequente reducionismo, desigrejamento e monasticismo.
Enxergar a família como única fonte de valores morais reduz a oportunidade de aprendizagem de valores em outras instituições importantes como escolas, igrejas e até outras associações. Além disso, traz o prejuízo do totalitarismo e confusão das esferas socais. A família tem seu lugar, assim como as outras instituições possuem seus lugares distintos, não podendo ser confundidas ou fundidas umas às outras.
Outro prejuízo do totalitarismo da família é o desigrejamento. Enxergar a família como a única instituição que deva ser idolatrada pode ferir o lugar do culto congregacional. O momento histórico de pandemia pelo qual passamos, já contribui para o esvaziamento das igrejas e o aquecimento do sofá da sala para o streaming do culto. Caso não entendamos o local de privilégio da família, que é único e diferente da igreja, podemos promover ainda mais o esvaziamento dessa outra instituição também importante.
De forma geral, essa idolatria ou totalitarismo da família também pode levar ao monasticismo. A família fechada não permite pontos de contato com outras instituições. Valorizando somente suas práticas e produzindo valores desconectados com a sociedade e comunidade de fé, acaba prejudicando seu potencial de produzir capital moral que contagie a sociedade.
Conclusão
Proteger instituições como a família e seu potencial de produzir capital moral é reconhecer que esta não opera na sociedade de forma solitária e totalitária. Ao contrário, participa socialmente em simbiose, promovendo a produção de virtudes que superem contratos sociais, valorizando alianças por meio de relações maduras e longevas.
Assim, a família pode ser uma instituição saudável, que, como seus indivíduos, produz respostas sociais que superam os limites de sua convivência. Entendendo seu papel coletivo e trabalhando harmonicamente com seus colaboradores, talvez a família chegue a ter ainda mais respostas e valores para uma sociedade individualizada.
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1. KUIPER, Roel. Capital moral: o poder de conexão da sociedade. Trad. Francis Petra Jansen. Brasília, DF: Editora Monergismo, p. 134.
2. Ibid., p. 198.
3. Ibid., p. 199.
Referências Bibliográficas
KUIPER, Roel. Capital Moral: o poder de conexão da sociedade. Tradução Francis Petra Jansen – Brasília, DF: Editora Monergismo, 2019. 310 p.