Se nos fosse dada a tarefa de escrever num quadro negro as primeiras palavras que nos vêm à memória quando pensamos sobre Deus, expressões como santidade, bondade, amor e misericórdia certamente estariam entre elas. Mas, e a palavra Trindade? Por que ela muitas vezes não se encontra na “primeira fileira” dos nossos pensamentos acerca de Deus? Na verdade, o ser de Deus é trino e uno. A revelação de Deus é trinitária. Essa é uma verdade fundamental não só para o nosso conhecimento de Deus, mas, principalmente, para o nosso relacionamento com Ele. Como bem argumentou Michael Reeves:
“Apenas quando são entendidas as implicações de Deus ser uma Trindade é possível sentir de fato a beleza, a amabilidade arrebatadora de corações e a bondade transbordante de Deus. Se a Trindade fosse uma característica divina que pudéssemos eliminar, nós não o estaríamos livrando de um peso incômodo; na verdade, arrancaríamos algo tão encantador a respeito dele. Pelo fato de Deus ser triúno, seu caráter trino o torna tão bom e desejável.” (REEVES, 2018, p. 13)
O pensamento de Reeves encontra ressonância nas palavras de John Piper quando diz que “Deus é mais glorificado em nós quando estamos mais satisfeitos nEle”. A nossa satisfação em Deus encontra maior deleite dentro de uma compreensão trinitária. Assim, a Trindade, diferente de algo abstrato, é o caráter essencial de Deus que o torna tão amável. O drama da redenção é encenado por Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo no palco da história. Nas palavras de Kevin Vanhoozer, “o evangelho diz respeito à autocomunicação do Deus trino e uno com o propósito de ampliar o círculo de comunhão. O evangelho proclama uma nova possibilidade, a saber, tornar-se um “comungante” na vida de Deus.” (VANHOOZER, 2016, p. 59). Parafraseando as palavras do grande Agostinho, no início das suas Confissões, poderíamos dizer que fomos feitos para uma vida de comunhão , e esta só encontra o verdadeiro descanso quando em comunhão com o Deus trino.
Mas pode ser que a doutrina da Trindade, no lugar de encanto e deleite, possa causar estranheza e soe mais como uma doutrina enfadonha e distante das nossas vidas. “Quem me dera ao menos uma vez entender como um só Deus ao mesmo tempo é três”. Esse trecho da música Indios, da banda Legião Urbana, na nossa reflexão, pode expressar bem a inquietude da razão humana quando se depara com a profundidade do conhecimento de Deus. Como disse Jonas Madureira, “o cristão é incapaz de explicar o que a Trindade é em sua plenitude. Ou seja, com o auxílio da razão, o cristão descobre que a Trindade não é uma contradição; porém, por causa da insuficiência da razão, o cristão compreende a Trindade como um mistério que humilha a inteligência humana. Como diz Sproul, “Mistério? Sim. Contradição? Não”. A doutrina da Trindade aponta, portanto, para um mistério que todo cristão conhece, mas não é capaz de compreender nem explicar plenamente, pelo menos não agora, no estado da vida presente.” (MADUREIRA, 2017, p. 127)
Por “mistério” não queremos dizer um tipo de licença para a irracionalidade ou uma postura fideísta para com as verdades de Deus, nos recônditos de uma fé desprovida de pensamento. É, na verdade, o reconhecimento da finitude do entendimento humano. É algo também que humilha o orgulho na sua ganância por autossuficiência. Sabemos que Deus é trino porque Ele assim se revelou, mas, como bem observou Reeves, “isso não equivale a dizer que se pode exaurir o conhecimento a respeito de Deus, abarcar e envolver o cérebro em torno dele, ao apenas acumular partículas de informação antes de passar para outra doutrina. Conhecer a Trindade é conhecer Deus, o Deus eterno e pessoal de beleza, interesse e fascínio infinitos. A Trindade é o Deus que se pode conhecer e, para sempre, crescer em conhecimento mais profundo” (REEVES, 2018, p. 16). Difícil não lembrar do profeta Oseias quando disse “conheçamos e prossigamos em conhecer o Senhor” (Os 6:3). Tal conhecimento, sempre progressivo, mas jamais exaustivo, deve gerar em nós o mesmo deleite do coração do apóstolo Paulo ao escrever algumas das palavras mais memoráveis das Escrituras:
“Ó profundidade da riqueza, tanto da sabedoria e do conhecimento de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos! Pois quem conheceu a mente do Senhor? Quem se tornou seu conselheiro? Quem primeiro lhe deu alguma coisa, para que lhe seja recompensado? Porque todas as coisas são dele, por ele e para ele. A ele seja a glória eternamente! Amém.” (Rm 11:33-36)
Referências bibliográficas:
REEVES, M. Deleitando-se na Trindade: uma introdução à fé cristã. Trad. Josaías Cardoso Júnior. Brasília, DF: Monergismo, 2018.
MADUREIRA, J. Inteligência Humilhada. São Paulo: Vida Nova, 2017.
VANHOOZER, K. J. O drama da doutrina: uma abordagem canônico-linguística da teologia cristã. Trad. Daniel de Oliveira. São Paulo: Vida Nova, 2016.
Bíblia Sagrada Almeida Século 21: Antigo e Novo Testamentos. São Paulo: Vida Nova, 2013.
2 comments
Marcela
É pela fé que acreditamos, sem duvidar, nesse lindo mistério trindade e que experimentamos em nossa comunhão com Deus. E é pela razão e humildade (gerada por Ele em nós) que entendemos nossa limitação para compreender a grandeza e a gloriosa Trindade.
Gustavo Woltmann
Ter fé é muito importante. Ótimo artigo.