Escrito por Mariana Aranha Guzzoni, estudante do Programa de Tutoria Avançada 2023
A conhecida expressão “Todos os caminhos levam a Roma” é usada para destacar o sistema de estradas construídas pelo Império Romano, que chegava a mais de 85 quilômetros, e quase todas chegavam em Roma. Semelhante a essa expressão, há um ditado popular que diz que “Todos os caminhos levam a Deus”. Contudo, poderíamos nos perguntar: todos os caminhos, ou, mais especificamente, todas as religiões levam a Deus? Levam ao Deus verdadeiro ou aos deuses fabricados pelo coração humano?
É cediço que a Queda fez com que o coração do homem criasse múltiplos deuses à sua própria imagem, surgindo também incontáveis religiões. Desse modo, cada religião busca seu próprio deus, bem como um caminho para encontrá-lo. Ora, todo ser humano é criado por Deus, de modo que possui um sensus divinitatis, ou seja, uma consciência da existência de Deus e de seu dever em adorá-lo. Assim, todos os povos possuem esse senso de que há algo supranatural que deve ser o sentido da existência ou ao menos o Criador de tudo. Contudo, tal sensus divinitatis não funciona perfeitamente, pois foi deturpado pelo pecado. Os efeitos noéticos ocasionados pela Queda cegaram o entendimento humano, distorceram e embaçaram sua visão de Deus, de maneira que o homem passou a adorar a criação no lugar do Criador.
Entrementes, não importa o quão afetado pelo pecado, o homem é um ser religioso e sua busca pela religião aponta para a existência de Deus, como bem expressa Herman Bavinck em sua obra A Filosofia da Revelação:
Por outro lado, a religião é um elemento característico de todos os povos e todos os homens; por mais que um ser humano possa estar profundamente chafurdado na degradação, ele ainda está consciente da existência de Deus e de seu dever em adorá-lo. Esse fato é de extraordinária relevância; por mais afastado de Deus que o homem possa vaguear, ele ainda permanece ligado ao céu; nas profundezas de sua alma, ele está conectado a um mundo de coisas invisíveis e supranaturais em seu coração, o homem é um ser supranatural; sua razão e consciência, seu pensamento e volição, suas necessidades e afetos estão fundamentados naquilo que é eterno. E a religião é a prova irrefutável disso (BAVINCK, 2019, p. 175).
Dessa forma, depreende-se que a religião é um elemento característico de todos os homens e de todos os povos, não obstante tenham o seu entendimento afetado pelo pecado e por isso busquem substitutos para a religião verdadeira e pura, empenhando seus esforços e devoção no cientificismo, no monismo, no empirismo, no idealismo alemão, no marxismo, no darwinismo, entre outros, assim como no altruísmo, na moralidade, na espiritualidade, no misticismo, como se tais elementos pudessem suprir as necessidades do coração e o vazio existencial que o homem carrega. Em sua obra A certeza da fé, Bavinck, discorrendo com profundidade sobre esse fato, escreveu:
Não é de se admirar que aqueles que antes buscaram, na ciência, a nossa salvação, estão agora afastando-se, desapontados, procurando na arte e no idealismo, na deificação do homem e no culto ao herói, nas religiões ocultas e orientais, aquilo que a ciência não nos pode fornecer e, no entanto, nossas almas ainda assim necessitam. Isso apenas confirma a verdade de que nossos corações foram criados por Deus e permanecem inquietos até que encontrem descanso nele (BAVINCK, 2018, p. 36).
É importante destacar que a religião verdadeira é supranatural, fundamentada na “pressuposição de que Deus é distinto do mundo, e, todavia, opera no mundo” (BAVINCK, 2019, p. 189). Deus se encontra “transcendentalmente exaltado acima do mundo, mas que, a despeito disso, também está ativo no mundo, e desse modo faz-se conhecido e comunica-se ao homem” (BAVINCK, 2019, p. 191). Não obstante o homem negue a existência de Deus em suas consciências, todos os dias a própria natureza revela a sua existência e proclama a sua grandeza e beleza. Nas palavras do apóstolo Paulo, a humanidade, com sua visão míope e sua lente suja, é indesculpável por não reconhecer Sua revelação:
Pois o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramente, sendo compreendidos por meio das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis; porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos tornaram-se fúteis e os seus corações insensatos se obscureceram. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos (Romanos 1:19-22).
Além de Deus se revelar pela natureza, Ele se revela de forma especial, pelas Escrituras. Com o brilhantismo que lhe é peculiar, C. S. Lewis, ao falar sobre o Deus Trino em Cristianismo Puro e Simples, explana que só pode haver conhecimento de Deus na medida em que ele tenha se revelado. Em suas palavras, “quando sua proposta é conhecer a Deus, é ele que tem que tomar a iniciativa. Se ele não se revelar, nada que fizermos vai possibilitar que o encontremos” (LEWIS, 2017, p. 216).
Logo, a revelação de Deus é algo que o homem pode negar, mas jamais pode desfazer ou combater. Ademais, destituída da revelação de Deus, a religião torna-se mera superstição e misticismo. Nesse sentido, Bavinck ensina com maestria:
Uma religião que nada tem a oferecer, a não ser um deus imanente e idêntico ao mundo, é capaz de tocar e consolar esteticamente o homem somente por um breve período de tempo; jamais pode satisfazer as necessidades religiosas e éticas do homem. Além disso, tal concepção falha em nos erguer acima das condições vigentes, e não nos outorga um poder maior do que o mundo; não nos traz paz e não nos oferece descanso no coração paternal de Deus. Afinal de contas, é isso que o homem busca na religião — a força, a vida, o poder pessoal que pode perdoar os pecados e nos receber em seu beneplácito, fazendo-nos triunfar alegremente sobre um mundo de pecado e morte. A verdadeira religião que há de satisfazer nosso coração e mente, nossa consciência e vontade, deve ser aquela que não nos encerra no mundo, mas que nos eleva acima dele; em meio ao tempo, tal religião deve nos comunicar a eternidade; em meio à morte, deve dar-nos a vida; em meio ao rio de mudanças, deve nos firmar sobre uma inamovível rocha de salvação (BAVINCK, 2019, n.p.).
Tais palavras de Bavinck ecoam ainda hoje como se tivessem sido escritas para o nosso mundo pós-moderno, onde cada vez mais os falsos deuses e religiões, as filosofias e as ideologias que buscamos à nossa própria imagem, além de não nos satisfazerem, nos colocam em cativeiros existenciais. A mente humana em pecado tornou-se uma “fábrica de ídolos”, criando caminhos e religiões que levam o homem aos falsos deuses. Contudo, onde abundou o pecado, superabundou a graça. Mesmo em meio à idolatria, Deus sempre veio ao homem trazendo a Sua revelação, como bem ensina Michael Reeves:
(…) Jesus Cristo como o caminho iluminado para o conhecimento do verdadeiro Deus. Como o glorioso Filho ungido pelo Espírito, ele revela o Pai. Revela que Deus é Pai, Filho e Espírito – e, assim, revela o único Deus que é amor e nos manifesta a verdadeira glória desse amor na cruz. Nele vemos o Deus muito acima dos chatos e tiranos que todos nos apressamos em rejeitar. Nele, vemos o bom Deus. E quão bom ele é! (REEVES, 2018, p. 143).
Assim, o único caminho, Cristo Jesus, veio ao mundo para revelar que nem todos os caminhos levam ao Pai das luzes e nem todas as religiões se tratam da verdadeira e pura religião que nos liga a Deus. Jesus arrogou para si ser este único caminho que nos leva ao Pai quando afirmou categoricamente que somente Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida para uma vida de comunhão eterna e plena com Deus:
Não se perturbe o coração de vocês. Creiam em Deus; creiam também em mim. Na casa de meu Pai há muitos aposentos; se não fosse assim, eu lhes teria dito. Vou preparar-lhes lugar. E se eu for e lhes preparar lugar, voltarei e os levarei para mim, para que vocês estejam onde eu estiver. Vocês conhecem o caminho para onde vou”. Disse-lhe Tomé: “Senhor, não sabemos para onde vais; como então podemos saber o caminho? “Respondeu Jesus: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim. Se vocês realmente me conhecessem, conheceriam também o meu Pai. Já agora vocês o conhecem e o têm visto. (…) Creiam em mim quando digo que estou no Pai e que o Pai está em mim; ou pelo menos creiam por causa das mesmas obras. (João 14:1-7,11)
Conclui-se que a revelação de Deus nos confere a certeza de que a Sua luz triunfa sobre a escuridão das falsas religiões, limpando as lentes do nosso coração e mente para que por meio dessa revelação enxerguemos toda a realidade ao nosso redor pela perspectiva do próprio Deus. A “mente ou a consciência repousam apenas no verdadeiro – isto é, numa concepção mais profunda, apenas em Deus, que é, mesmo, a verdade” (BAVINCK, 2018, p. 39). Portanto, há uma certeza na qual podemos nos firmar, dada por Revelação de um Deus Soberano: a certeza da fé, a única que faz o coração cansado e inquieto descansar em seu Criador.
Acreditamos que o estudo teológico é fundamental para todo cristão, e não apenas para pastores ou líderes. Afinal, a teologia nos ajuda a seguir a Cristo em todos os aspectos da nossa vida!
No Loop, nossa equipe oferece suporte pedagógico e trilhas de estudo personalizadas para seus interesses, permitindo que você aprofunde seu conhecimento teológico e lide de forma segura com as situações do dia a dia.
Bibliografia
BAVINCK, Herman. A certeza da fé. Trad. Fabrício Tavares de Moraes. 1ª ed. Brasília: Editora Monergismo, 2018, 124 p.
BAVINCK, Herman. A filosofia da revelação. Trad. Fabrício Tavares de Moraes. 1ª ed. Brasília: Editora Monergismo, 2019, 342 p.
LEWIS, C. S. Cristianismo puro e simples. Trad. Gabriele Greggersen. 1ª ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017, 288 p.
REEVES, Michael. Deleitando-se na Trindade. 2ª ed. Trad. Josaías Cardoso Júnior. 1ª ed. Brasília: Editora Monergismo, 2018, 146 p.
VANHOOZER, Kevin J. O drama da doutrina: Uma abordagem canônico-linguística da teologia cristã. Trad. de Daniel de Oliveira. 1ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2016, 512 p.