Escrito por Adriana Meira Lima Alves, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2022
Deus nos amou tanto que se despiu de sua glória para habitar em um corpo, dignificando-o. O texto bíblico diz: “Assim, a Palavra se tornou ser humano, carne e osso, e habitou entre nós. Ele era cheio de graça e verdade. E vimos sua glória, a glória do Filho único do Pai.” (João 1:14, NVT). Jesus foi gerado pelo Espírito Santo, sem pecado algum. Como todo bebê, nasceu vulnerável e sofreu ao deixar o ventre de sua mãe. Em um ambiente hostil, necessitou de cuidados, saciou a sua fome com leite materno, aqueceu-se com panos e teve sono. O seu corpo importava e essa é a verdade que orienta a prática cristã.
Nesse viés, observa-se que Jesus crescia em estatura, conhecimento e graça. Na sua infância, teve que aprender a andar e se machucou. Assim como todo ser humano, precisou lidar com suas emoções e seus sofrimentos. Em Filipenses 2:7-8 (NVT) está escrito: “Quando veio em forma humana, humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz”. De acordo com Michael Horton, “a encarnação não representa uma fusão de naturezas pré-existentes, muito menos de pessoas pré-existentes, mas o fato de que o Filho eterno assumiu a humanidade”, concluindo que “cada natureza é inteiramente preservada em sua distintividade, ainda que em e como uma só pessoa” (HORTON, 2016, p. 496).
Também constatamos que, ao ressuscitar dentre os mortos, Jesus apareceu no mesmo corpo no qual foi sepultado, foi tocado por Tomé e comeu com seus discípulos. A ressurreição de Jesus teve um grande impacto na vida dos discípulos e na força do testemunho da igreja primitiva. Os apóstolos pregavam que aquele que venceu a morte não era apenas um bom mestre, mas o Messias prometido. Eles compreenderam que a vida com Deus não era somente etérea, mas uma vida de relacionamento íntimo com um Deus pessoal por meio da sua Palavra, do seu corpo e do seu Espírito.
Com efeito, a verdadeira espiritualidade cristã envolve as esferas material e espiritual numa visão integral do ser humano. Nas palavras de Tish W. Warren, “o corpo não é periférico à nossa fé, mas é intrínseco à nossa adoração” (WARREN, 2019, p. 57). Segundo J. I. Packer, “os cristãos devem viver esse paradigma em busca de algum equilíbrio, já que a dimensão de nosso corpo no mundo agora deve ser vivida à luz de nossa vida como seres eternos” (PACKER apud BOMILCAR, 2021, p. 36).
Porém, muitas ideologias que nortearam o pensamento das pessoas na história da humanidade, inclusive de muitos cristãos, faziam uma dicotomia entre o celestial e o terreno. Um dos filósofos mais influentes foi Platão, que diferenciava o mundo físico, visível e sensível, do mundo das ideias, invisível, afastado da realidade dos sentidos, o qual ele considerava superior. Essa visão ainda influencia o modo de pensar contemporâneo, em que, se por um lado há o desprezo pela vida corpórea, por outro lado há uma valorização exacerbada do transcendente.
Entretanto, a cosmovisão bíblica apresenta uma visão integral do ser humano. A saúde integral passa por medidas de cuidado corporal, como, por exemplo, uma boa alimentação, a prática de atividade física e o sono adequado. Jesus realizava milagres para restaurar os que tinham deficiências visuais, auditivas e corporais, demonstrando a relevância do corpo. Consequentemente, a matéria é uma dádiva de Deus, um meio de revelação da Sua glória. Karen Bomilcar esclarece que:
Como cristãos, podemos redimir nossa experiência corporal, desfrutando de tudo o que Deus nos deu para ser e fazer através do corpo no projeto redentor de sinalizar vida e beleza. O corpo e suas expressões de alegria, seu reconhecimento da beleza, suas trocas de afetos, são dádivas de Deus para nós. (BOMILCAR, 2021, p. 39)
Assim, é evidente que a visão holística do ser humano compreende a integração de dois aspectos: o físico e o não físico. No aspecto não físico, imaterial, está a nossa mente, a qual também demanda cuidados. Conforme a doutrina do pecado original, no evento da Queda está a origem do pecado, momento em que toda a Criação foi corrompida. “Há uma conexão entre a raça humana caída e a terra caída e ambas serão redimidas e glorificadas no futuro” (BAVINCK, 2021, p. 324). Desse modo, toda a humanidade tem uma natureza moralmente pecaminosa e padece com os efeitos corrosivos do pecado, inclusive na sua corporeidade e cognição.
Nessa perspectiva, todas as pessoas, sejam ou não cristãs, estão sujeitas a transtornos de humor, bipolaridade, depressão, ansiedade crônica e tantas outras doenças psíquicas. No livro Fortes e fracos: vivendo em meio ao caos, Ana Staut apresenta a sua própria experiência como uma cristã que convive com depressão e ansiedade. Ela pontua que “o sofrimento de caráter existencial provém do afastamento da natureza a que deveríamos pertencer” (STAUT, 2021, p. 25) e aflige tanto depressivos, ansiosos, bipolares, como também aqueles que estão saudáveis. Note-se que transtornos mentais acarretam efeitos no corpo, como variação hormonal, alteração de apetite, insônia e necessitam ser corretamente tratados sob uma visão integral da pessoa. Assim, ao entender que cristãos também são passíveis de sofrerem transtornos mentais, o olhar da igreja para tais aflições deve ser de misericórdia e não de julgamento, pois não se trata de falta de fé ou de confiança em Deus.
Ademais, é importante mencionar que a Bíblia traz narrativas de vários personagens que passaram por doenças psicológicas, como Elias, Moisés, Saul, Davi, Jó, Jeremias. Apesar de eles serem intérpretes da lei, que revelavam a vontade de Deus ao povo, enfrentaram momentos depressivos e até desejaram a morte. Até mesmo Jesus passou pela ansiedade pouco antes da crucificação e teve o seu tempo de lamento diante do Pai. Portanto, a vida cristã não está imune aos sofrimentos! O cristão deve encontrar sentido na obra de Jesus na cruz e viver o tempo presente com esperança, mesmo que não haja a cura, pois toda a lágrima será enxugada dos nossos olhos quando Cristo voltar e ocorrer a redenção completa de toda a Criação.
Além disso, a Escritura também apresenta algumas metáforas que remetem a atividades corporais e envolvem o relacionamento entre pessoas, como caminhar com Cristo, comer do pão e beber do vinho. Verifica-se que o Deus Todo-Poderoso se encarnou numa pessoa, que habitava numa cidade, em um contexto social e político específico. Ele foi educado por seus pais e teve irmãos e amigos. No seu ministério público, Jesus escolheu os discípulos e sempre esteve rodeado de pessoas. Assim, a vontade de Deus é que o homem viva em comunidade para poder exercer todas as virtudes comunicáveis de Deus aos homens. De uma maneira distorcida, muitas pessoas buscam o isolamento, mas apenas no ambiente coletivo é que ocorre a manifestação da multiforme graça de Deus e os corações são transformados.
Desse modo, a igreja representa o corpo de Cristo e cada parte tem a sua importância, até as mais fracas, como está escrito em 1 Coríntios 12:22. A igreja deve ser um ambiente de diálogo, de conscientização da importância da saúde integral de seus membros. Nesse ambiente coletivo, que agrega pessoas caídas e imperfeitas, a graça de Deus se manifesta de maneira real por meio dos abraços, dos sorrisos e na presença silenciosa, em que a pessoa que se sente fraca é acolhida e encontra nos relacionamentos o senso de pertencimento.
Em suma, o desafio da igreja é ser uma comunidade espiritual, “nas quais bons amigos e pessoas sábias virem suas cadeiras uns para os outros e conversem” (CRABB, 2021, p. 36). Uma comunidade na qual as amizades íntimas expressem a unidade e a soberania de Deus, tornando-se o ambiente propício para transformações psíquicas em toda a dimensão corporal. A igreja deve ser o lugar seguro para as pessoas revelarem suas aflições e serem realmente amadas, sem medo de julgamentos ou incompreensão. E, quando as circunstâncias demonstrarem situações patológicas, a igreja deve ser o suporte para indicar a ajuda profissional. A esperança não estará na cura, no desejo humano para que tudo vá bem, mas na certeza de que, mesmo diante do sofrimento de uma patologia, a paz de Cristo estará sempre conosco (João 20:19, NVT), enquanto este mundo ainda não alcançar o seu estado final de redenção.
Acreditamos que o estudo teológico é fundamental para todo cristão, e não apenas para pastores ou líderes. Afinal, a teologia nos ajuda a seguir a Cristo em todos os aspectos da nossa vida!
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Referências bibliográficas
BAVINCK, Herman. As maravilhas de Deus: instrução na religião cristã de acordo com a confissão reformada. Tradução: David Brum Soares. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2021. 674 p.
CRABB, Larry. O lugar mais seguro da terra. Tradução: Eduardo Pereira e Ferreira. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2021. 279 p.
STAUT, Ana. Fortes e fracos: vivendo em meio ao caos. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2021. 136 p.
BOMILCAR, Karen. Corpo como palavra. São Paulo, Mundo Cristão, 2021. 180 p.
HORTON, Michael. Doutrinas da fé cristã: uma teologia sistemática para os peregrinos no caminho. Tradução: João Paulo Thomaz de Aquino. São Paulo: Cultura Cristã, 2016. 1104 p.
ENCARNAÇÃO. In: Dicionário Bíblico Wycliffe. Rio de Janeiro: CPAD, 2018.
STAUT, Ana; BIBO, Rodrigo; MARQUES, Cacau. O cristão e a saúde mental. Bibotalk. Brasil, 2022. 1 vídeo (1:23:07). Disponível em: (75) O cristão e a saúde mental – YouTube.
FERNANDEZ, Kaiky; DULCI, Pedro; CABRAL, Henrique. Fórum do InC – Saúde Mental. Invisible College. Brasil, 2020. 1 vídeo (1:01:06). Disponível em: (75) Fórum do InC – Saúde Mental (c/ Henrique Cabral) – YouTube.
CABRAL, Marcelo; COVOLAN, Roberto. Btcast ABC2 032 – Natureza da igreja. Bibotalk. Brasil, 2021. 1 vídeo (52:20). Disponível em: (75) A NATUREZA DA IGREJA – BTCAST ABC2 032 – YouTube.