Artigo escrito por Arthur Alves de Souza Costa, estudante do Pocket Essencial 2024
Desde o período apostólico, o culto cristão tornou-se cada vez mais plural, passando a se manifestar nas mais variadas formas e em diálogo com as mais diversas culturas nas quais o cristianismo foi introduzido. Embora certo nível de assimilação cultural seja saudável e até mesmo desejável para a prosperidade da pregação do Evangelho, há nas sagradas Escrituras uma série de princípios e ordenanças comuns que certamente devem guiar cada uma das comunidades locais que compõem o Corpo de Cristo.
Já no livro de Atos dos Apóstolos, há uma descrição breve, porém clara, de como as comunidades cristãs mais primevas se reuniam: “eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às orações” (At 2:42, NVI). Desde a Reforma Protestante, é seguro afirmar que a maioria das igrejas evangélicas manteve a observação de cada um desses elementos litúrgicos. Entretanto, o fizeram com um sério desequilíbrio: embora as igrejas, acertadamente, tenham centralizado em suas celebrações a Palavra e os cânticos congregacionais, as mesmas permitiram uma desmedida marginalização da Ceia do Senhor — algo que certamente não era pretendido pelos Reformadores.
Tal marginalização pode ser instanciada em duas formas: em primeiro lugar, a infrequência da ministração da Ceia à comunidade e, em segundo lugar, a adoção de uma visão eucarística estritamente memorialista. Ora, sanar esses dois equívocos é uma tarefa necessária para que a Igreja possa tornar a valorizar a eucaristia como instrumento eficaz para uni-la com o Cristo, que é “verdadeira comida” e “verdadeira bebida” (Jo 6:55).
No tocante à frequência, devemos ter a convicção de que a Igreja de Cristo sempre enfatizou o partir do pão em suas reuniões e o fazia ao menos uma vez por semana. Documentos cristãos contemporâneos ao Novo Testamento, como a Didaquê — escrita ao final do primeiro século —, já registram diretrizes pastorais para que os cristãos se reunissem “no dia do Senhor para partir o pão e agradecer após ter confessado seus pecados, para que o sacrifício seja puro” (Didaquê, cap. XIV). Os escritos dos Reformadores, longe de apontarem para uma diminuição da frequência da eucaristia, insistem nessa antiquíssima tradição, a exemplo de Calvino que, em sua obra Institutas da Religião Cristã, conclui o seguinte, após uma profunda exposição dos sacramentos: “no que diz respeito à Santa Ceia, poderia ser convenientemente ministrada se fosse posta diante da Igreja com muita frequência e, no mínimo, uma vez por semana” (Cal. Ins. 4.53).
Quanto à natureza e eficácia da Ceia, temos uma questão teológica muito espinhosa, afinal, há muitas tradições e diferentes interpretações acerca de como Cristo está presente na eucaristia e de como ela nos beneficia. Entretanto, mesmo sem concordância total, existem alguns princípios que deveriam tornar-se consenso na Igreja de Cristo. Segundo Justo González, ao estudarmos a história das doutrinas cristãs, deveríamos concordar, em consonância com nossos irmãos de todas as eras, que os sacramentos “não são meras cerimônias vazias mediante as quais promovemos a nossa fidelidade e anunciamos a nossa fé” (2015, p. 197).
Nesse sentido, Block nos ajuda a sistematizar, de maneira suficiente, o que seria uma doutrina saudável da eucaristia. Ele afirma que devemos evitar uma visão maximalista da eucaristia (afirmar que os elementos da Ceia transformam-se materialmente no corpo e sangue de Cristo, tal como afirma o catolicismo romano), e que também devemos evitar uma visão minimalista (reduzir a Ceia a um mero memorial, que simplesmente nos lembra da obra de Cristo, tal como afirma a maioria dos evangélicos) (2014, p. 160). Sendo assim, é prudente adotarmos a visão reformada da eucaristia, inicialmente formulada por Calvino. Segundo essa perspectiva, “Cristo está presente na Ceia e é recebido ali — não física e localmente, de fato, mas, certamente, verdadeira e essencialmente, com toda a sua pessoa, inclusive seu corpo e sangue” (Bavinck, 2012). Isso significa que, acima de todos os debates acerca das substâncias e dos elementos, essa doutrina nos incita a enxergar a Ceia como verdadeiro meio de graça, por meio da qual participamos do corpo de Cristo e recebemos, por intermédio do Espírito Santo e mediante a fé, a união mística com nosso Senhor nos céus.
Enquanto a eucaristia for tratada como uma mera solenidade ou como um apêndice mensal dos cultos evangélicos, estaremos entregando nossas comunidades a uma experiência sacramental empobrecida, negando aos crentes uma compreensão não somente mais ampla e magnífica, mas também mais bíblica, do que o Espírito está fazendo por meio daqueles singelos elementos de pão e vinho. Mais do que isso, estaremos negando aos nossos irmãos a catártica beleza de estarem verdadeiramente nutrindo-se de Cristo, sentados à mesa, com todos os santos de todos os tempos que creram nas palavras do Senhor: isto é o meu corpo!
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Referências bibliográficas
BAVINCK, Herman. Dogmática reformada: Espírito Santo, Igreja e Nova Criação. v. 4. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.
BLOCK, Daniel. For the Glory of God: recovering a biblical theology of worship. Grand Rapids: Baker Academic, 2014.
CALVINO, João. Institutas da Religião Cristã. Tradução: Rev. Valter Graciliano Martins. São José dos Campos: Fiel, 2018.
DIDAQUÊ. Disponível em <https://spurgeonline.com.br/wp-content/uploads/2021/09/DIDAQUE_-_A_Instrucao_dos_Doze_Apostolos.pdf>. Acesso em: 30 dez. 2024.
GONZÁLEZ, Justo. Uma breve história das doutrinas cristãs. Tradução: José Carlos Siqueira. São Paulo: Hagnos, 2015.