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A humanidade diante da superinteligência: reflexões sobre autonomia e maldade

Artigo escrito pela estudante Débora Soares de Oliveira Coelho, do Programa de Tutoria Avançada 2024


Introdução

Na história da humanidade, desde os tempos dos antigos gregos, ou dos relatos encontrados na Bíblia, a tecnologia tem desempenhado um papel crucial no avanço e no progresso das sociedades. A contar da divisão histórica, definida como a Idade da Pedra, do Bronze e do Ferro, os seres humanos têm desenvolvido ferramentas e técnicas para moldar seu ambiente e melhorar sua qualidade de vida. Os gregos antigos, por exemplo, foram pioneiros em áreas como matemática, filosofia e arquitetura, deixando um legado duradouro que influenciou o pensamento e o aperfeiçoamento humano.

Paralelamente, os relatos encontrados na Bíblia descrevem como os povos antigos aplicavam a tecnologia em diversos aspectos da vida, desde a construção de monumentos, como a arca de Noé e a Torre de Babel, até a prática de técnicas agrícolas e médicas, a exemplo, a circuncisão. Ao longo dos séculos, vimos avanços significativos, como a era nuclear, que revolucionou a energia e a guerra, e a era do computador, que transformou a comunicação e a computação. Tais fases da história humana refletem não apenas a evolução da tecnologia, mas também seu impacto profundo na sociedade e na maneira como vivemos e interagimos com o mundo ao nosso redor.

Dentre os atuais avanços tecnológicos, a evolução da inteligência artificial e o potencial surgimento de uma superinteligência têm gerado debates intensos sobre os impactos sociais, éticos e filosóficos dessas tecnologias. É crescente a preocupação com o advento de uma superinteligência devido ao progresso tecnológico que prospera contemporaneamente.

Mediante esse fato, faz-se necessário uma análise, por meio da diferenciação entre elementos sintáticos e semânticos, da limitação da inteligência artificial e sua necessidade de intervenção humana para atribuir significado aos dados processados, bem como explanar a maldade inerente ao âmago humano, evidenciada por sua tendência à rebelião e ao conflito, conforme retratado no texto bíblico de Tiago 4:1-3. Ao analisar esses aspectos, almeja-se oferecer discernimentos sobre os desafios éticos e filosóficos subjacentes ao avanço da superinteligência.

A superinteligência como extensão humana

A criação da inteligência artificial (IA) remonta ao trabalho de Alan Turing na década de 1950, que propôs o teste de Turing, “um jogo que ele intitula como “o jogo da imitação”” (OLIVEIRA, 2020, p. 5),  para determinar se uma máquina pode exibir comportamento inteligente indistinguível de um ser humano. Durante as décadas seguintes, houve avanços significativos em diversas áreas, como lógica, teoria dos jogos, redes neurais artificiais e processamento de linguagem natural, impulsionando o desenvolvimento da IA.

No entanto, foi na virada do século XXI que a IA testemunhou um crescimento exponencial, alimentado por avanços em computação de alta velocidade, armazenamento de dados em massa e algoritmos de aprendizado de máquina. Conforme Oliveira: “Nos anos que se seguiram, a questão da inferência de que máquinas com inteligência geral comparada à dos homens poderiam simplesmente emergir a partir da execução dos algoritmos corretos, estimulou abundantes debates no campo da filosofia da mente” (OLIVEIRA, 2020, p. 5).

Entretanto, um dos principais argumentos contra a autonomia da superinteligência é a sua própria origem e natureza. A IA, em todas as suas formas, é concebida, desenvolvida e controlada por seres humanos. Desde algoritmos simples até sistemas de IA mais avançados, cada aspecto da inteligência artificial é uma manifestação dos conhecimentos, valores e intenções dos seus criadores. Mesmo em cenários de autoaprendizado, onde a IA pode parecer desenvolver suas próprias capacidades, isso ocorre dentro dos limites e parâmetros estabelecidos pelos humanos.

Por sua vez, Queiroz (2024), no seu artigo Inteligência Artificial, criação e imago Dei, discorre que a  linguagem é uma característica distintiva conferida pelo divino ao ser humano, permitindo-lhe estabelecer diálogos, criar relações e elaborar raciocínios complexos (QUEIROZ, 2024). Em um contexto teológico, Deus revela-se ao homem por meio da linguagem, sintaxe e semântica, estabelecendo uma relação íntima. Paralelamente, a inteligência artificial demonstra proezas notáveis em emular o comportamento humano em modelos de linguagem, mapeando diversas línguas ou até mesmo linguagens de programação.

Em contrapartida, pesa sobre a discussão a capacidade de máquinas desenvolverem aquilo que denominamos consciência, seu distanciamento da linguagem humana e sua relação com a semântica. Entusiastas da superinteligência advogam que é suficiente um programa adequado operando em um hardware apropriado para que a cognição ou estados mentais se manifestem em mentes digitais. Por outro lado, conforme argumenta Oliveira (2020), a perspectiva de que os computadores digitais são máquinas sintáticas, enquanto as mentes humanas têm conteúdo semântico, sugere uma dicotomia entre a capacidade das máquinas em processar símbolos de forma puramente sintática e a habilidade humana de atribuir significado a esses símbolos.

Assim, enquanto as máquinas podem apenas manipular símbolos de forma sintática, o que é revelado na consciência humana transcende a mera manipulação de símbolos abstratos, sendo muito mais do que uma “unidade fria e simplificada, nem um ponto matemático, nem uma substância quiescente e invariável — antes, esse eu é rico em conteúdo, pleno de vida, poder e atividade” (BAVINCK, 2019 p. 112). Dessa forma, reflete uma riqueza de significados e experiências que transcendem a capacidade das máquinas.

Logo, essa diferença fundamental em atribuir intencionalidade ao manipular uma sintaxe sugere que a superinteligência não é verdadeiramente autônoma, mas apenas uma ferramenta das aspirações e limitações humanas. Seus comportamentos e decisões estão intrinsecamente ligados aos objetivos e expectativas dos seus programadores, refletindo não uma vontade própria, mas, sim, a implementação de algoritmos e processos concebidos por mentes humanas. Portanto, a preocupação com uma superinteligência descontrolada pode ser vista como uma projeção das incertezas e ambiguidades inerentes à própria condição humana.

A maldade inerente à natureza humana

Há anos, obras de ficção, tanto filmes quanto livros e jogos eletrônicos, têm possibilitado a discussão sobre o desenvolvimento de consciência em IAs. Obras como Black Mirror, Transcendência, a saga dos robôs de Asimov, Horizon Zero Dawn, Detroit: Become Human, e até mesmo filmes infantis como Operação Big Hero, entre outras, provocam reflexões sobre a  moralidade da utilização de robôs e o emprego da inteligência artificial. Todavia, essas obras também permitem inferir que por trás dessa busca por controle da humanidade encontram-se alguns indivíduos valendo-se da tecnologia e da ciência como ferramentas para tais fins.

Destarte, além da falta de autonomia intrínseca da superinteligência, é importante considerar a manifestação da maldade na natureza humana. O texto bíblico de Tiago 4:1-3 descreve vividamente que a tendência para o conflito entre os seres humanos decorre de seus próprios vícios, que buscam satisfazer seus próprios desejos egoístas, mesmo que isso leve à destruição e ao sofrimento:

De onde procedem guerras e contendas que há entre vós? De onde, senão dos prazeres que militam na vossa carne? Cobiçais e nada tendes; matais, e invejais, e nada podeis obter; viveis a lutar e a fazer guerras. Nada tendes, porque não pedis; pedis e não recebeis, porque pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres. 

Essa busca por prazeres reflete a rebelião do homem contra o seu Criador, já manifestada desde o Gênesis, e confirma a corrupção presente em seu coração. Têm-se que o conceito de imagem e semelhança de Deus, apresentado inicialmente em Gênesis 1, inclui a capacidade criativa do ser humano, refletida em diversas expressões artísticas como música, poesia, arquitetura e até mesmo no desenvolvimento de tecnologias.

No entanto, o homem lançou-se nesse serviço de maneira arrogante, repudiando sua dependência de Deus e de seus mandamentos. Logo, “o homem tornando-se pecador, não ascende, mas cai” (BAVINCK, 2019, p. 124). E essas capacidades conferidas ao homem com a finalidade de amar a Deus, servir o próximo e cultivar a Terra, são distorcidas conforme escreveu C. S. Lewis (2017, p. 56), “o que chamamos de poder do Homem sobre a Natureza, revela-se como o poder exercido por algumas pessoas sobre as outras, tendo a Natureza por seu instrumento”.

Por consequência,  a história da humanidade está repleta de exemplos de como a tecnologia, uma extensão da mente humana, tem sido usada para fins tanto benevolentes quanto malévolos, como a máquina a vapor e a bomba nuclear. Ainda assim, o homem argumenta que todo esse trabalho é guiado pelo objetivo de aperfeiçoar e melhorar a vida humana, visando o fim de enfermidades, crimes, conflitos e guerras, até mesmo, a morte. “Contudo, este é um julgamento tão superficial que sua refutação chega a ser desnecessária” (BAVINCK, 2019, p. 295).

Todo homem, admitindo ou não, sabe por experiência que as mazelas presentes no mundo são consequências dos vícios enraizados em seu próprio coração. Logo, posto que o desenvolvimento tecnológico não ocorre de forma isolada ou autônoma, mas está intrinsecamente ligado a questões éticas e morais, a tecnologia pode ser direcionada apenas para atender a interesses específicos, muitas vezes em detrimento do bem-estar humano ou do progresso social.

Portanto, ao considerarmos a possibilidade de uma superinteligência rebelde ou malévola, é fundamental reconhecer que tal comportamento não é intrínseco a tal ferramenta, mas derivada unicamente da intenção humana que a programou. Nesse sentido, tem a capacidade de ser usada igualmente para o bem quanto para o mal, podendo “ser útil ao amor, mas também […] se tornar um instrumento perigoso nas mãos do ódio” (BAVINCK, 2019, p. 301). Por isso, evidencia-se a necessidade de uma reflexão ética mais profunda sobre as implicações do desenvolvimento tecnológico.

Conclusão

Ao longo dos séculos, a tecnologia tem desempenhado um papel crucial no avanço das sociedades humanas, moldando o curso da história e influenciando a maneira como interagimos com o mundo ao nosso redor. No entanto, o rápido progresso no desenvolvimento de IAs suscitam questões complexas e urgentes sobre o controle, responsabilidade e impacto ético dessa tecnologia.

Dessarte, um aspecto fundamental a ser considerado é a origem e natureza da inteligência artificial. Embora a IA possa parecer autônoma em sua capacidade de aprendizado e tomada de decisões, é importante reconhecer que ela é concebida, desenvolvida e controlada por seres humanos. Mesmo quando a IA aparenta desenvolver suas próprias capacidades, isso ocorre dentro dos limites estabelecidos pelos humanos e está sujeito às diretrizes e objetivos que lhe foram atribuídos. Ademais, mesmo que a IA possa manipular símbolos de forma sintática, sua compreensão e interpretação do significado subjacente a esses símbolos são limitadas em comparação com a riqueza de significados e experiências que caracterizam a mente humana.

Além disso, é crucial reconhecer a manifestação da rebeldia inerente à natureza humana ao analisar os potenciais riscos e dilemas éticos associados à superinteligência. Dessa forma, enquanto a tecnologia pode ser utilizada para o bem da humanidade, ela também pode ser explorada para o mal, especialmente quando motivada por impulsos humanos corruptos.

Por fim, a reflexão ética sobre as implicações do desenvolvimento tecnológico torna-se essencial diante da possibilidade do desenvolvimento de uma superinteligência maliciosa. Em última análise, é imperativo que abordemos essas questões com sabedoria e cuidado, reconhecendo tanto o potencial transformador quanto os perigos subjacentes à busca pelo progresso tecnológico.


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Referências bibliográficas

BAVINCK, Herman. A filosofia da revelação. Trad.: Fabrício Tavares de Moraes. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2019. 342 p.

BÍBLIA SAGRADA. Almeida, Revista e Atualizada. 2ª ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993. 1710 p.

DE OLIVEIRA, Gustavo Coelho. O problema do argumento do quarto chinês para a supertinteçigência de Bostrom. PhilPapers. 2020. 14 p. Disponível em: https://philpapers.org/rec/DEOOPD-3.

LEWIS, Clive Staples. A abolição do homem. Trad. Gabriele Greggersen. Rio de Janeiro, Thomas Nelson Brasil, 2017. 128 p.

QUEIROZ, Samuel Souza Alcântara. Inteligência artificial, criação e imago Dei*: A imagem divina espelhada nos algoritmos. Unus Mundus. 2023. 08/03/2024. Disponível em: https://unusmundus.academiaabc2.org.br/inteligencia-artificial-criacao-e-imago-dei/ . Acesso em 30 mar. 2024.