Artigo escrito por Odirlei Agostinho de Lima, estudante do Programa de Tutoria Avançada 2024
Introdução
Todas as comunidades religiosas — seja as conduzidas por líderes colegiados, seja as concentradas em uma função — cumprem a exigência bíblica de que um pastor e seus auxiliares conduzam o rebanho de Deus a encenar a doutrina de forma mais adequada. Sua importância vocacional não o coloca como figura “superior” aos demais, ou o mais importante, mas se difere em ser separado (santo) na ministração do evangelho. Recai sob sua liderança a responsabilidade de extrair do texto bíblico (o roteiro teodramático) uma interpretação mais correta possível, pois deve sempre ter em mente que o material que tens em mãos — e o que produz —, parafraseando C. S. Lewis, “é algo que o homem jamais poderia ter imaginado, ou produzido”1.
Nesse sentido, Kevin Vanhoozer, em seu livro O drama da doutrina, nos propõe a enxergar a doutrina como o drama; o cânon bíblico como o roteiro; o teólogo como dramaturgista e a igreja como os atores na encenação da doutrina. O Espírito Santo é o principal diretor; o pastor seria um ator-diretor assistente desse Teodrama. Nesse enredo, a participação do dramaturgista (teólogo) é importantíssima. É ele quem auxilia tanto o diretor assistente quanto o grupo teatral na encenação adequada do roteiro.
Diante disso, o presente artigo, com a ajuda de Vanhoozer, buscará apresentar a importância do pastor-teólogo. Afinal, na linguagem vanhooziana, um diretor-dramaturgo “é o mediador entre o roteiro e os outros atores, aquele cuja visão abrange tanto o drama (com toda a contribuição criativa do autor) quanto a arte dos atores (com suas habilidades criativas bem distintas)”2.
O problema: o caminho abandonado
Há pelo menos dois problemas identificados por Vanhoozer que estão em extremos opostos, onde ele apresenta em seu outro livro, O pastor como teólogo público. O primeiro é a visão desvalorizada da função pastoral no meio acadêmico teológico. Em sua experiência como professor no seminário, o autor presenciou as distinções que os alunos faziam entre pastor e a carreira acadêmica, como teólogo. Um deles chegou a compartilhar sua tristeza: caso não alcançasse nota o suficiente e desse continuidade nos estudos no doutorado, temia ter somente a capacidade de ser um pastor3. Esse entendimento distorcido advém de dois aspectos: a arrogância na supervalorização do conhecimento e a fragmentação classificatória das disciplinas funcionais da cristã. Vanhoozer responde a esse comportamento observado em alguns seminaristas, salientando que, de fato, um acadêmico de teologia que alimenta esse tipo de pensamento sobre o serviço cristão e, especialmente, na função nobre de um pastor, ainda mantém seu coração longe de seus estudos e da compreensão do verdadeiro significado da vocação pastoral.
Ao recuperar uma teologia sólida, que não se divide em conhecimento teórico e experiência prática, os seminaristas mais promissores da academia são capazes de reconhecer o trabalho na igreja como uma parte indispensável no progresso do estudo teológico. A distância entre teoria e prática é inexistente no cânon bíblico. Em segundo, no outro extremo, está o pastor sem uma visão teológica. Na situação em questão, a ausência de domínio teológico das Escrituras implica em ceder às pressões da cultura secular vigente, ou contextualizar literalmente princípios e práticas comportamentais para sua comunidade com fundamentação e interpretação bíblica distorcidas. Por um lado, sua comunidade fica vulnerável a qualquer vento de doutrina – uma fé fraca e relativa; por outro, se torna uma comunidade de relações e crenças rígidas – sem conseguir enxergar a vida relacional no âmbito comunitário e pessoal existente em Cristo.
Sem uma visão teológica, além de conduzir mal o rebanho do Sumo-Pastor, este pastor não consegue fazer uma leitura adequada da sociedade e nem responder seus anseios com precisão bíblica. Segundo Vanhoozer, o pastor está diante de três públicos aos quais ele pode e deve falar de Jesus Cristo: a academia, a igreja e a sociedade em geral4. O mundo e toda a criação estão diante de Deus e, neste mundo, existem as esferas e suas respectivas características culturais — inclusive seu primeiro público, a igreja. A sua dependência de Deus — equipado do conhecimento teológico, irá possibilitar um diálogo seguro visando uma cosmovisão cristã sadia.
Retorno ao caminho
Ao contrário das confusões que aconteceram ao longo da história, como já mencionado, Vanhoozer enfatiza a importância do pastor como ator-diretor assistente na condução dos atores em cena. No entanto, conforme as funções são desempenhadas na dramaturgia, ele destaca: “Diretores de teatro não ‘controlam’ literalmente os atores, e a soberania divina não deve ser entendida de tal forma que anule a liberdade e a responsabilidade humana”5.
A doutrina é o quem de fato dirige a igreja, mas ela precisa estar em mãos dos oficiais da igreja, sobretudo o pastor. A igreja participará do drama da redenção adequadamente por meio daqueles que exercem o ministério da Palavra6, envereando pelo caminho da sabedoria da vida encontrada na imitação de Cristo. No modelo apresentado por Vanhoozer, o teólogo é o dramaturgista; seu papel nesse cenário é auxiliar o diretor assistente em estudar o roteiro e prepará-lo para encenações que verdadeiramente concretizam sua verdade7. Isso não significa que o pastor não pode ser um pastor-teólogo; além de dirigir, também estuda o roteiro para conduzir melhor os atores que estão sob sua direção. Teologia como sabedoria é o caminho que o leva a transpor a vala entre teoria e prática, doutrina e vida, pois Jesus Cristo é a palavra e a sabedoria de Deus, o revelador e o redentor: o caminho, a verdade e a vida8.
A necessidade do pastor-teólogo está na diferenciação de sua administração. Ele está inserido em uma realidade escatológica e não simplemente em instituições terrenas9. Sua missão é formar cristãos em Cristo. O seu trabalho será ainda mais eficiente se permitir que o roteiro não se limite a um entendimento abstrato, mas, sim, a uma participação ativa da doutrina. Pedro Dulci sintetiza muito bem esse entendimento: “Encontrar nas Escrituras o lócus de autoridade da Teologia não é apenas falar sobre Deus a partir da Bíblia, mas colocar-se ao lado de Deus falando quando expomos e vivemos o que está escrito (DULCI, 2024).
Essa é uma tarefa importante que o pastor-teólogo precisa exercer e só é possível quando todos (inclusive ele) são atingidos no centro da formação do desejo, o coração. Sobre aprender a reeducar o coração, Vanhoozer faz uma abordagem interessante sobre “a antiga prática de catequese batismal”10, onde os novos convertidos, para que fossem inseridos na vida cristã, recebiam orientações para “aprender as Escrituras e educar o desejo” e, posteriormente, os mesmos eram batizados dando início dramático no teodrama11. A doutrina, o evangelho de Cristo, não comunga com um viver antagônico ao modo de pensar. Por isso, o pastor-teólogo deve dirigir o povo em uma encenação da doutrina através de uma prática litúrgica do drama divino encarnado e vivido. A teologia é a ciência que extrai a essência do roteiro para que ele seja encenado com vida. Vanhoozer elucida a essência que o diretor assistente do drama deve transpor aos seus encenados, tornando o roteiro vivo – sem ser somente um conjunto de verdades:
A mente de Cristo não diz respeito apenas ao quociente intelectual de Jesus ou ao conhecimento por ele acumulado, mas seu habitus: o padrão distintivo de todos os seus atos intencionais – desejos, esperanças, crenças, vontades, emoções, bem como pensamentos… A mente de Cristo é o conjunto de hábitos ou virtudes morais, intelectuais e espirituais que servem como a mola mestra para tudo aquilo que Jesus faz e diz12.
Conclusão
O pastor, como teólogo na condução do rebanho de Deus – como um fiel auxiliar do Diretor Maior, o Espírito Santo, é o personagem mais relevante para tornar o enredo mais próximo do que ele propõe que seus participantes encenem. Ele não pode controlar os atores; não deve usar uma interpretação particular do texto; antes, deve conduzir e deixar-se conduzir, cada um em suas funções, de acordo com a liberdade perfeita do roteiro para dramatizar o discurso divino. No reino de Deus, Ele conta a sua história através de um povo que vive junto em comunhão com Ele desde sua criação. Dessa forma, é perceptível, no presente texto, que o pastor-teólogo, apesar de ser um ator-diretor assistente do enredo divino, é um participante dependente do drama, assim como os outros atores sob a sua direção. Dito isso, é importante que ele mantenha o coração alinhado ao roteiro.
1LEWIS, C. S. Cristianismo puro e simples. Tradução: Gabriele Greggersen. Rio de Janeiro. Thomas Nelson Brasil, 2017, p. 74.
2VANHOOZER, K. J. O drama da doutrina: uma abordagem canônico-linguística da teologia cristã. Tradução: Daniel de Oliveira. São Paulo. Vida Nova, 2016., p 259.
3VANHOOZER, K. J. e STRACHAN, Owen. O pastor como teólogo público: recuperando uma visão perdida. Tradução: Marcio L. Redondo. São Paulo. Vida Nova, 2016, p. 14.
4Ibid., p. 20.
5VANHOOZER op. cit., p. 259.
6Ibid., p. 259.
7Ibid., p. 262.
8Ibid., p. 30.
9VANHOOZER; STRACHAN op. cit., p. 184.
10VANHOOZER op. cit., p. 271.
11Ibid., p. 271.
12Ibid., p. 271.
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Referências Bibliográficas
LEWIS, C. S. Cristianismo puro e simples. Tradução: Gabriele Greggersen. Rio de Janeiro. Thomas Nelson Brasil, 2017.
VANHOOZER, K. J. O drama da doutrina: uma abordagem canônico-linguística da teologia cristã. Tradução: Daniel de Oliveira. São Paulo. Vida Nova, 2016.
VANHOOZER, K. J. e STRACHAN, Owen. O pastor como teólogo público: recuperando uma visão perdida. Tradução: Marcio L. Redondo. São Paulo. Vida Nova, 2016.
DULCI, Pedro. AULA 1.3 – A tarefa teológica através do teodrama bíblico. Invisible College. Brasil, 2024. 1 vídeo (22:32).