Ensaio escrito por Joyce Melo, estudante do Programa de Tutoria Filosófica 2023
Introdução
Alvin Plantinga se destaca no campo da filosofia como um renomado filósofo analítico. Assim como outros que ainda vivem e produzem pesquisa nas universidades, Plantinga toma o exemplo de importantes figuras da ciência, filosofia e teologia para levar adiante a batalha que se trava no campo do diálogo entre fé e conhecimento científico, como Thomas Reid, Agostinho e Herman Dooyeweerd. Embora de campos diferentes do saber, eles também se propuseram a responder querelas e a desconstruir falsos paradigmas à luz do próprio entendimento do que conhecer.
Tendo isto em vista, neste pequeno ensaio, procuraremos posicionar os holofotes do debate não em uma controvérsia específica ou no engajamento argumentativo do autor, mas no testemunho que a sua postura de pesquisador traz dentro e fora da academia, como padrão dos fiéis (I Timóteo 4.12). Para isso, usaremos o conceito de testemunho, de Paul Ricoeur (RICOEUR, 2008), e os princípios de honestidade intelectual trazidos por Max Weber (WEBER, 2005).
Integridade e integralidade
Paul Ricoeur destaca a categoria testemunho a partir da linguagem jurídica e profética. Na palavra testemunho, ou testemunha, podemos enxergar tanto a dimensão do ato de falar, contar, proferir, quanto o próprio ato que dá sentido à existência de uma pessoa, a testemunha, aquele que entrega um relato da parte de alguém (Absoluto). Em ambas as dimensões, o caráter daquele que testemunha é julgado em relação às suas palavras, a ponto de dizer que o falso testemunho não é “apenas” um erro, mas, sim, uma mentira do coração e, por isso, é tão mal visto: “O testemunho é aquilo que uma pessoa se apoia para pensar que, para estimar que, enfim, para julgar” (RICOEUR, 2008, p. 113).
Por vezes, o preço do testemunho é alto e a própria vida está em jogo: temos aqui a figura do mártir. O martírio não é um argumento, Ricoeur nos diz, é levar a prova até uma situação limite. A hermenêutica do testemunho do filósofo francês nos aponta para o peso das palavras em consonância com a vida daquele que testemunha como algo que fala com muita profundidade ao ser humano, porque não é apresentado somente ao discurso, mas também tem um alcance imagético e simbólico. É cognitivo, mas experiencial. Integral, se pudermos colocar assim.
Curiosamente, um filósofo com papel de destaque nas ciências sociais, Max Weber, embora falando através de outra linha de pensamento, aponta como fundamental para o cientista justamente o valor da integridade e, na palestra de conselho a novos cientistas, Ciência como vocação, defende a necessidade de este valor se fazer presente. Por que a honestidade intelectual? Ou integridade intelectual? Weber observa que os fenômenos estudados carecem de uma linha causal unívoca e explícita, dada a complexidade de fatores que a realidade oferece ao pesquisador. Seria fácil para o cientista escolher determinados fatores que se adequam melhor à sua visão de mundo e simplesmente escolher deixar na penumbra aqueles mais intrincados, ou que simplesmente são um desafio às respostas já elaboradas.
Seria fácil, mas desonesto. Cômodo, mas não-virtuoso. É preciso que o cientista seja honesto consigo e com a comunidade que ele representa a ponto de desafiar a si mesmo no trato científico. Isso envolve respeito, mas, principalmente, qualifica a postura intelectual, no olhar de Weber. O exemplo do trato dado por Alvin Plantinga aos argumentos contrários ao cristianismo fala dessa postura. Ao analisar profundamente os pontos debatidos por Freud e Marx em relação ao aval da crença cristã, Plantinga respeita a comunidade intelectual influenciada por eles a ponto de dizer: “vocês existem, vocês colocaram um ponto que deve ser levado em consideração e eu posso fazê-lo”.
A postura do autor não é de recolhimento ou de indiferença, tampouco de medo em relação ao escrutínio. É uma posição madura de diálogo e debate filosófico que, mesmo vindo de uma tradição distante e contrária à fé do autor, foi respondida e solucionada. O próprio Plantinga, em seu Conselho aos filósofos cristãos, destaca a necessidade de agir dessa forma, como método e — porque não? — como testemunho:
Meu conselho pode ser resumido em duas sugestões interligadas, junto de uma explicação. Primeiro, filósofos e intelectuais cristãos devem demonstrar mais autonomia – mais independência do resto do mundo filosófico. Segundo, filósofos cristãos devem mostrar integridade – integridade no sentido original da palavra, ser um inteiro. Talvez “integralidade” fosse a melhor palavra aqui. E, necessário aos dois, há um terceiro: coragem cristã, ou ousadia, ou força, ou talvez autoconfiança cristã. Nós, filósofos cristãos, devemos mostrar mais fé, mais confiança no Senhor. Nós devemos vestir toda armadura de Deus (PLANTINGA, 2021, n.p.).
Considerações finais
Portanto, tanto a integridade do filósofo quanto a integralidade da pessoa humana devem aparecer no substrato do fazer científico e acadêmico. Afinal, estamos falando da construção de um saber que reflete nos seres humanos, embora não se origine nem finalize neles. O desafio para a igreja brasileira continua a ecoar: ser igreja íntegra na universidade, responder em respeito e consideração intelectual e oferecer ao mundo um testemunho vivo daquilo que o Senhor nos capacita a ser: despenseiros da Sua Graça em todas as áreas que estivermos.
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Referências
RICOEUR, Paul. La hermenêutica del testimonio. In: ________. Fe y filosofia: problemas del linguaje religioso. 1ª ed. Buenos Aires: Prometeo Libros: Universidade Catolica Argentina, 2008. (Cap. IV, p. 109- 136).
WEBER, Max. A Ciência como vocação. In: WEBER, Max. Ciência e Política: duas vocações. Trad. Leonidas. Hegenberg e Octany Silveira da Mota. 13ª ed. São Paulo: Cultrix, 2005. 136 p.
PLANTINGA, Alvin. Conselho aos filósofos cristãos. Trad. Vitor Grando. Brasília, DF: Academia Monergista. 2021. 142 p.