Resenha crítica escrita por Rodrigo Daniel Dias, estudante do Programa de Tutoria Filosófica 2023
AGOSTINHO, Aurélio (Santo Agostinho). Confissões. Tradução de Maria Luiza Amarante. 3. ed. São Paulo, SP: Paulus, 2002. 456 p.
O livro Confissões foi escrito por Aurélio Agostinho (354-430), conhecido como Santo Agostinho, bispo de Hipona, filósofo, escritor, bispo e importante teólogo cristão do norte da África. Foi o primeiro pensador a praticar uma síntese madura entre fé, filosofia e vida. O livro é uma autobiografia escrita no ano de 397, composta por treze livros, considerada uma obra-prima, uma das mais importantes obras da literatura cristã. Agostinho tem um tom subjetivo e introspectivo inovador para sua época. Em vez de diálogos filosóficos, utiliza solilóquios para expressar suas questões, permitindo que reflita sobre suas experiências pessoais sem a interrupção de outros personagens, como é o caso nos diálogos platônicos. Apesar disso, a obra ainda inclui muitas citações diretas e indiretas das Escrituras Sagradas, permitindo que Deus tenha a condução da obra.
O autor inicia com uma oração, onde confessa ser pecador e demonstra a grandeza de Deus. Essa oração é conhecida pela história da cristandade e detém a célebre frase que até hoje estudiosos e leigos extraem significado: “fizeste-nos para ti, e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em ti” (p. 15). A inquietude do coração de Agostinho pode ser considerada o fio condutor de Confissões.
Agostinho inicia descrevendo as fases da infância, especula sobre o choro do bebê pelo leite materno, passa pela “meninice”, o estudo das línguas e até mesmo os métodos pedagógicos. Ao chegar à adolescência (dezesseis anos), relata o conhecido caso do furto das peras, um acontecimento que normalmente passaria despercebido por qualquer pessoa, mas marcante para o autor, a comprovar sua condição decaída: “Desgastou-se a beleza da minha alma e apodrecia aos teus olhos, enquanto eu agradava a mim mesmo e procurava ser agradável aos olhos dos homens” (p. 45).
O filósofo e teólogo descreve sua trajetória intelectual, que começou com sua formação clássica e a leitura de Hortênsio, de Cícero (Livro III), o qual despertou o amor à sabedoria. O seu envolvimento com o maniqueísmo, até o encontro com Fausto, o bispo maniqueu, o qual não conseguiu explicar e resolver os problemas que o angustiavam, acabou desiludindo-o dessa filosofia. No geral, a trajetória intelectual de Agostinho é marcada por uma busca constante por respostas às grandes questões da vida e da religião. Porém, o tempo todo, Agostinho procura se puxar pelos próprios cabelos em uma tentativa de se salvar da areia movediça.
O entendimento de Agostinho muda com sua conversão, onde duas pessoas são importantes, Ambrósio e Mônica. O primeiro teve um grande papel, pois foi por meio dos seus sermões e os cantos litúrgicos que Agostinho se converteu. A segunda, sua mãe, foi intercessora e decisiva em seu processo de conversão. Com a conversão, o pensamento amadurece, o qual faz ele sair das literaturas filosóficas e ir para as Escrituras Sagradas, em busca de respostas para os problemas que o cercam. Para o bispo de Hipona, Deus não é uma entidade metafísica, é uma pessoa, transcendente e imanente.
O livro X das Confissões, talvez o mais importante filosoficamente, é o que difere Agostinho dos tradicionais testemunhos de antes e depois da conversão. Aqui, ele fala sobre o momento em que escrevia Confissões, após sua conversão e sua mudança de rumo. Essa são as palavras inaugurais do livro:
Ó Deus, tu me conheces, faze que eu te conheça, como sou por ti conhecido. Ó Virtude de minha alma, penetra na minha alma, faze que ela seja semelhante a ti, para que a possuas “sem mancha nem ruga”. Esta é a minha esperança, por ela falo e nessa esperança me alegro quando experimento uma sã alegria. Tudo o mais nesta vida, quanto mais se chora, menos merece ser chorado e tanto mais seria de chorar quanto menos por ele se chora. “Amaste a verdade”, pois, quem a pratica alcança a luz. Também eu quero praticá-la no íntimo do coração, diante de ti na minha confissão, e diante de muitas testemunhas nos meus escritos (X, I, I, p. 265).
Agostinho percebeu que não havia neutralidade na construção do pensamento. A partir disso, ele constrói sua subjetividade afirmando que o melhor conhecedor de nós mesmos não é o eu, e sim Deus. O conhecimento produzido pelo homem é sempre parcial, porque precisa ser mediado pela Palavra de Deus, ou seja, o coração não é acessível a nós mesmos, ele precisa ser mediado pela Palavra de Deus. O conhecimento de nós mesmos é conhecimento de Deus.
Nos últimos três livros das Confissões, Agostinho se detém no relato de Gênesis sobre a criação. Apesar de utilizar a base da doutrina platônica sintetizada com a base do criacionismo bíblico, os comentários produzidos por Agostinho são inovadores ao período histórico em que estão inseridos.
Em suma, Confissões é um importante livro para contrapor as doutrinas de sua época e dos séculos seguintes. Mesmo que existam sínteses entre as Escrituras e os diálogos platônicos, o estudo da subjetividade apresentada é de grande importância para os dias atuais. Agostinho deixa claro a necessidade da revelação de Deus, pois a “segunda navegação” de Platão não pode chegar a Deus, e o conhecimento produzido pelo homem não alcança Deus; por isso, nossa inteligência é sempre humilhada. É preciso de mediação para falar de Deus; caso contrário., seriam apenas especulações que geram dualismos, e essa mediação é feita pela Palavra escrita de Deus. Assim, o projeto de Agostinho é uma confissão, um diário do coração humano, onde fica claro que saber para onde se está indo não é uma promessa de jornada tranquila, mas, sim, que há repouso em Deus para um coração inquieto.