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Conhecemos a sabedoria que pedimos a Deus?

Ensaio filosófico escrito por Elaine Gregório, estudante do Programa de Tutoria Filosófica 2024


Introdução

Um dos pedidos de oração mais frequentes no meio evangélico é “Senhor, me dê sabedoria”. Sobre isso, lemos em Tiago 1:5,6: Se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a Deus, que a todos dá liberalmente, e não lança em rosto, e ser-lhe-á dada. Se podemos e devemos pedir por sabedoria, a pergunta que não calar é: conhecemos qual tipo de sabedoria estamos pedindo em nossas orações? Os cristãos conhecem a verdadeira sabedoria? O objetivo desse ensaio é refletir se de fato conhecemos a sabedoria que vem de Deus.

Na busca pela sabedoria, muitos pensam que essa busca no campo da filosofia começou com os pré-socráticos e a tradição grega, mas os escritos hebraicos da Bíblia judaica são também apresentados como sabedoria. Não podemos descartar que existe uma relação entre as Escrituras com a filosofia, respeitando suas distinções, é claro, mas destacando a necessidade que temos desse conhecimento para nos orientar na vida e também para avaliar as outras filosofias. Para compreender melhor qual seria essa sabedoria hebraica, precisamos entender algumas coisas e a primeira delas é que houve uma influência direta de outros povos para a sua formação. O padre José Víchez Líndez, em sua obra Sabedoria e sábios em Israel, menciona que os livros sapienciais da Sagrada Escritura são fruto maduro de um povo adulto. A sabedoria é mais antiga que Israel. Chegaram até nós testemunhos escritos da literatura sapiencial do Egito e da Mesopotâmia”1. Outra coisa que devemos nos lembrar é que a filosofia grega ainda exerce influência na contemporaneidade. Dru Johnson diz:

A filosofia hebraica deve ser examinada e exposta em seus próprios termos dentro da filosofia comparada. O mundo intelectual hebraico não depende de “ser parecido com” outras formas de Filosofia. Isto também deveria servir para reforçar o fato de que a Filosofia grega não é o padrão pelo qual todas as outras tradições serão medidas.2

O sábio de Israel e o sábio do mundo antigo

O povo de Israel era uma comunidade pequena frente aos outros povos e culturas, mas se manteve fiel como povo da aliança. Eles tinham um pacto com o Deus verdadeiro. A filosofia grega, ao contrário, desempenhava um papel de influência dualista. Até hoje é assim na contemporaneidade, trazendo malefícios e prejuízos no bom entendimento do que seria a sabedoria vinda do próprio Deus ao povo Dele. Como Protágoras dizia que “o homem é a medida de todas as coisas”, assim também toda a sabedoria vinda da filosofia da Grécia, até mesmo antes de Protágoras e dos povos antigos do Oriente Próximo e Médio, sociedades autocentradas.

Em que sentido a sabedoria antiga coincide com a visão generalizada que afirma ser o homem a medida de todas as coisas, sem que por isso se converta automaticamente em um substituto da divindade? Geralmente, no mundo sapiencial, o ponto de partida e da chegada são o mesmo: o homem. A experiência humana – observação e reflexão – é fonte e origem da sabedoria. A própria sabedoria e seus frutos enriquecem o homem, que, por isso mesmo, é e se diz sábio. Não se trata, entretanto, de um círculo fechado nos moldes de uma concepção filosófica puramente imanente do homem, visto que a sabedoria antiga jamais nega a transcendência divina. Nesse meio, não se concede o homem desligado de Deus: o homem é essencialmente religioso, religado e relacionado com Deus. Além disso, prevalece uma visão positiva de suas possibilidades teóricas e práticas. O mundo, segundo se crê, foi feito à medida e ao alcance do homem; por isso se proclama seu senhorio sobre todas as coisas, sem que com isso o homem seja proclamado o ser absoluto e supremo em aberta disputa com Deus.3

O sábio autocentrado

Os sábios do antigo Oriente Próximo tinham uma sabedoria centrada em si, ou seja, eram antropocêntricos. Esses povos tinham como sua própria experiência de vida seu ponto de partida e seu ponto de chegada no ser humano, uma sabedoria ingênua, refletida, dogmática que perdurou por muito tempo em Israel. Era um povo que procurava na experiência, na natureza e no fenômenos as fontes de conhecimento que iriam ajudá-lo a se orientar na realidade. Mesmo sendo religiosos, o ponto de critério para sua sabedoria era sempre eles.

Sabedoria teocêntrica

Diferente da sabedoria autocentrada, encontra-se uma sabedoria desenvolvida no povo da aliança, centrada em Deus, ou, melhor dizendo, teocêntrica. Diferente do Oriente Próximo e das filosofias helênica, árabe, egípcia, medieval e moderna, tinham uma filosofia voltada para a criação do homem à imagem e semelhança de Deus, onde Deus era seu ponto de partida e de chegada. “O que distingue a sabedoria em Israel da sabedoria de outras culturas é convicção de que “O temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (Sl 111.10)”4.

Conclusão

Concluímos, então, que a sabedoria é o temor ao Senhor, o Senhor da aliança, do pacto. Existe uma forma de se encontrar com Deus em nossas orações e pedir por sabedoria. Apesar da sabedoria encontrar ressonâncias com o que se seguia no mundo antigo, e ainda receber influências do pensamento humanista ocidental, ela é ressignificada a partir da revelação de Deus para nós. Temos uma filosofia hebraica na qual podemos adquirir conhecimento verdadeiro que provém das Sagradas Escrituras, com suas narrativas, poesias e leis. 


1LÍNDEZ, José Vílchez. Sabedoria e sábios em Israel. Tradução José Benedito Alves – 3 ed. São Paulo: Edições Loyola. 2014, p. 18.

2JOHNSON, Dru. Filosofia bíblica: a origem e os aspectos distintivos da abordagem filosófica hebraica. Tradução Igor Sabino – 1 ed. Rio de Janeiro: Thomaz Nelson Brasil. 2022, p. 78.

3LÍNDEZ, op. cit., 60.

4FRAME, John M. História da Filosofia e Teologia Ocidental. Tradução de Pedro H. R. de O. Issa – São Paulo: Vida Nova. 2023, p. 49.


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Referências bibliográficas

FRAME, John M. História da Filosofia e Teologia Ocidental. Tradução de Pedro H. R. de O. Issa – São Paulo: Vida Nova. 2023.

JOHNSON, Dru. Filosofia bíblica: a origem e os aspectos distintivos da abordagem filosófica hebraica. Tradução Igor Sabino – 1 ed. Rio de Janeiro: Thomaz Nelson Brasil. 2022.

LÍNDEZ, José Vílchez. Sabedoria e sábios em Israel. Tradução José Benedito Alves – 3 ed. São Paulo: Edições Loyola. 2014.

MAUTNER, Thomas. Dicionário de filosofia. Tradução Desidério Murcho, Sérgio Miranda e Vitor Guerreiro – Lisboa, Portugal: Edições 70. 2011.