Escrito por Letícia Macedo de Almeida, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2023
A Reforma Protestante teve como símbolo Martinho Lutero, um monge alemão que tinha o objetivo de reorganizar a igreja do século XVI, a qual havia se distanciado muito da Palavra. O clero sustentava que a Bíblia só poderia ser corretamente interpretada por ele e por isso não era acessível ao povo. Diante desse impasse, Lutero traduziu a Escritura para o alemão, a fim de que ela fosse difundida entre a população e disponibilizada para qualquer um que quisesse lê-la. Nesse contexto, podemos perceber que a Bíblia ocupa um lugar vital na religião cristã, sendo assim desde os primórdios. O “contar a história” é imprescindível para a manutenção da crença. É necessário manter na memória o passado. Por isso, o escritor Geerhardus Vos nomeia o cristianismo como “A Religião do Livro”. Ele diz: “nosso Senhor mostrou ser o defensor daqueles que fazem da Escritura um livro aberto, um livro para o povo” (VOS, 2019, p. 432, 433).
Nesse sentido, o conhecimento é algo muito valorizado e estimado por Deus, porque é através dele que os corações podem ser alcançados e transformados pelo Espírito Santo, como está escrito em Romanos 10:17: “E, assim, a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo”. Podemos observar, então, que a fé é uma obra de Deus, não uma mera escolha arbitrária, ou algum tipo de impulso irracional (VOS, 2019, p. 466). O autor pontua que:
Fé pressupõe conhecimento, porque ela necessita de um complexo mental ou uma pessoa ou coisa que se ocupar. Portanto, o todo da ideia moderna de pregar Jesus, mas pregá-lo sem um credo, não somente é teológica ou mera e escrituristicamente impossível, mas é psicologicamente impossível em si” (VOS, 2019, p. 466).
Tendo isso em vista, os pais da Igreja já compreendiam a importância de se ter um documento claro do que é o Evangelho de Cristo. Por isso, foi escrito o Credo dos Apóstolos, estando nele as doutrinas essenciais da nossa fé ensinada pelos apóstolos, baseadas no Antigo e no Novo Testamento (FERREIRA, 2019). Logo, vemos ser preciso que a fé seja posta em algo ou alguém e tenha uma estrutura a fim de que seja psicologicamente compreensível. O pastor John Stott contribui com o pensamento ao afirmar:
A doutrina cristã da revelação, ao invés de fazer da mente algo desnecessário, na verdade a torna indispensável e a coloca no seu devido lugar. Deus se revelou por intermédio de palavras às mentes humanas. Sua revelação racional a criaturas racionais. Nosso dever é receber sua mensagem, submetermo-nos a ela, esforçando-nos por compreendê-la e relacionarmo-la com o mundo que vivemos (STOTT, 2012, n.p.).
É certo que o puro conhecimento por si só não traz salvação, mas faz parte do meio usado por Deus para compreendermos e acomodarmos o Evangelho a partir das nossas capacidades mentais. É necessário confiar e depender do Deus que salva, e somente assim a fé estará completa. “Fé é confiança na promessa de Deus, é o instrumento que nos leva a receber a salvação como dádiva por meio da obra Redentora de Cristo, e não por meio do esforço próprio” (KELLER, 2016, p. 63). A partir do momento, então, que o nosso coração é regenerado pelo Espírito, nós somos inseridos na história da redenção escrita por Deus desde antes da fundação do mundo. Segundo o autor Kevin Vanhoozer, em seu livro O drama da doutrina, os elementos da teologia são: Deus, Escrituras, doutrina e igreja. Todos esses componentes estão inseridos no teodrama. Nas suas palavras: “A primeira premissa da teologia evangélica é que Deus pode entrar e de fato entrou em relacionamento com o mundo” (VANHOOZER, 2016, p. 55).
Esse relacionamento de Deus com o mundo é o transbordar da perfeita comunhão que existe na Trindade, a chamada pericorese. A perichoresis é uma dança eterna, viva e uniforme, de maneira que as três pessoas da Trindade se interpenetram e coabitam entre si. “A pericorese seria então a comunhão entre as pessoas da Santíssima Trindade. Uma comunhão extremamente íntima, perfeita, sem nenhuma confusão ou interferência externa” (GERMANO, 2019). Através do sacrifício de Cristo, somos convidados por Deus para fazermos parte dessa dança perfeita, juntamente a toda a criação, e encenar o drama redentivo escrito pelo Dramaturgo supremo: “A igreja participa de forma adequada do teodrama quando se torna um teatro da reconciliação, uma exposição do perdão divino e humano, um espetáculo do amor de Deus pelo mundo” (VANHOOZER, 2016, p. 376).
Assim, quando lemos um livro, especialmente de ficção, o nosso desejo natural é o de fazer parte daquela história. Transportar a ficção para a realidade, viver como um personagem da narrativa. Esse desejo não nos é estranho: o desejo de fazer parte, de pertencer. Também não é errado, pois esse anseio foi colocado em nós pelo próprio Deus. Não obstante, o cristianismo não é uma história de ficção a qual não podemos fazer parte. Pelo contrário! Ao crermos em Cristo, não só somos inseridos na narrativa, como atuamos nela até chegar o glorioso dia em que o Rei virá e estabelecerá o seu reino de uma vez por todas no dia do Juízo Final (DULCI, 2023). Segundo Geerhardus Vos: “A ordem final e perfeita das coisas deve ser também a ordem das coisas que produz o estado supremo de felicidade” (VOS, 2019, p. 478). Somos convidados a fazer parte da história que resultará em alegria indizível e perfeita: habitarmos eternamente com o Deus da nossa salvação:
Neste monte o SENHOR dos Exércitos preparará um farto banquete para todos os povos, um banquete de vinho envelhecido, com carnes suculentas e o melhor vinho. Neste monte ele destruirá o véu que envolve todos os povos, a cortina que cobre todas as nações; destruirá a morte para sempre. O Soberano, o SENHOR, enxugará as lágrimas de todo o rosto e retirará de toda a terra a zombaria do seu povo. Foi o SENHOR quem o disse! (Is 25, 6-8).
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Referências bibliográficas
DULCI, Pedro. A revelação de Deus na pregação do Reino. Módulo 3: Tudo se fez novo. Invisible College. Goiânia, 2023. (18:44). In: Tutoria Essencial 2023.
FERREIRA, Franklin. O Credo dos Apóstolos. Martin Bucer. São Paulo. 2019. (36:02). In: Martin Bucer.
GERMANO, Vítor. A dança da Trindade – Pericorese. Blog do Vitor Germano. Sapucaia do Sul, 12 fev. 2019. Disponível em: https://vitorgermano.blogspot.com/2019/02/a-danca-da-trindade-pericorese.html . Acesso em: 31 mar. 2023.
KELLER, Timothy. Caminhando com Deus em meio à dor e ao sofrimento. Tradução: Eulália Pacheco Kregness. 1 ª ed. São Paulo. Vida Nova. 2013. 344 p.
STOTT, John W. Crer também é pensar. Tradução: Paula Mazzini Mendes. 2ª ed. São Paulo: ABU Editora. 2012. 83 p.
VANHOOZER, Kevin J. O drama da doutrina: uma abordagem canônico-linguística da teologia cristã. Tradução: Daniel de Oliveira. São Paulo: Vida Nova. 2016. 512 p.
VOS, Geerhardus. Teologia Bíblica: Antigo e Novo Testamentos. Tradução: Alberto Almeida de Paula. 2ª ed. São Paulo: Cultura Cristã. 2019. 496 p.