Artigo de opinião escrito por Ana Rita Vicente Valentim Pires, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2024
Deus é um Deus criativo e nos fez para o glorificarmos, sendo que, para os autores Goheen e Bartholomew, “a criatividade, ou aquilo que poderíamos chamar de dimensão estética da vida, permeia nosso mundo” (GOHEEN, BARTHOLOMEW, 2016, p. 229). Logo, ela pode ser expressa das mais diversas formas. Assim, partirei da minha experiência pessoal em relação à arte musical e em como é impossível para um cristão distanciar a música da presença e do envolvimento de Deus no mundo.
A minha filha Madalena já toca bem o seu violino. O esforço tem sido de todos: dela, do pai, meu e até do irmão. São horas a ouvir escalas, notas ao lado, birras de frustração e cansaço. Dias de trabalho interrompidos com idas e voltas a ensaios, aulas, audições, mais ensaios e voltas. Lembro-me da noite em que tardiamente me sentei no sofá, depois de ter vindo de um voluntariado e, após ligar a televisão, parei num concerto que dava no canal 2. Na altura, com 19 anos, estava insatisfeita com o meu percurso escolar, descontente com a minha situação profissional e sem brilho pessoal algum. Então, naquela hora, decidi que ia aprender a tocar violino. Levantei-me do sofá e me sentei na secretária do meu quarto e pesquisei no Google academias de música com violino num raio de proximidade razoável. Hoje, com 35 anos, sei tocar poucas músicas, mas consigo apreciar o esforço da Madalena e perceber as suas emoções com o instrumento.
A disciplina que leva uma pessoa a tocar um instrumento musical profissionalmente é alvo de reflexão, envolve compreender que é preciso tocar diariamente; é preciso dor, frustração, abdicação de lazeres, saídas com amigos ou tardes de preguiça no sofá, para conseguir chegar às performances desejadas, aos palcos e aos corações das pessoas. Sim, porque a música é feita de batimento cardíaco, respiração lenta e, por vezes, acelerada. A música tem divindade misturada; logo, foi criada por Deus, criativo, generoso e que a utiliza para sua glória. Davi tocava para Deus; os Salmos assim o apresentam, cheios de cânticos exuberantes e demonstrativos da grandeza dos céus.
Questiono-me porque a melodia nos transporta para um patamar superior, nos levitando e nos aproximando das alturas, na sensibilidade de tentar escutar a alma que anseia por ouvir algo mais do que um som, com ou sem sentido, mas com sentimento, emoção e devoção. Árias, composições, notas, escalas, tempos, vibratos, sopranos, contraltos, todos se juntam para revelar um pouco da natureza do nosso Deus, belo e bondoso. Madalena nos aproxima de Deus quando toca as suas pautas, embora inda o faça sem essa percepção. Contudo, eu a escuto, atenta, aproveitando o transporte para outros lados, ouvindo não apenas a melodia que sai do seu instrumento, mas tentando ouvir a voz do Espírito que tantas vezes nego ouvir e que é revelado na beleza de todas as coisas.
Quando o coração chama pelo seu Criador, é inevitável não colocarmos Deus em todas as coisas que nos comovem e que atravessam a nossa vida. As paixões, os trabalhos, as experiências, as oportunidades, tudo é interpretado de acordo com as lentes que temos colocadas. Olhar o mundo através do cristianismo e da Bíblia é um desafio, assim como é um desafio não idolatrar a própria criação de Deus. C. S. Lewis, no seu livro Os quatro amores, dá um bom exemplo da criação de divindades que adoramos em substituição a Deus. O exemplo dele é extremamente bom, pois ele fala sobre tornar a natureza (o natural) numa religião, em que a criação de Deus é alvo de amor e adoração por nós. Mas a isto C. S. Lewis responde sabiamente: “quando esse amor se estabelece como uma religião, começa a tornar-se um deus – um demônio, portanto” (LEWIS, 2017, p. 38), e mais: “a natureza é incapaz de satisfazer os desejos que ela mesma estimula e de responder questões ou de nos santificar” (LEWIS, 2017, p. 37). Este é apenas um exemplo dos ídolos que podemos edificar nas nossas vidas, e o pior é que muitas vezes eles parecem legítimos, mas não são. O mesmo pode acontecer com a música, em que a adoramos a melodia, e não o Criador da própria melodia. Portanto, estejamos atentos aos nossos amores.
Deus é criativo é uma afirmação que pretende corroborar a utilização da arte e os dons musicais para a fins evangelísticos ou eclesiásticos, mas, igualmente, pela dimensão estética da vida, na forma que Deus nos criou à sua imagem e semelhança, nós, seus filhos, somos dotados de criatividade, imaginação, sensibilidade e sentido pelo belo. Um dos nossos propósitos como filhos de Deus é fazer o belo em todas as coisas, sejam elas em forma de grandes projetos ou de apenas gestos simples. Isso é a natureza de Deus revelada em nós. A expressão musical é reveladora de Deus e não precisa conter letras alegóricas à Bíblia para serem revelação divina.
É fundamental percebermos que, antes da criação, Deus já era; então, é urgente conhecermos esse Deus que já existia antes de todas as coisas e que fez todas as coisas. É somente a Ele que adoramos e buscamos, o Deus revelado em Gênesis e o Deus revelado ao longo do drama bíblico. Sendo assim, nós, seus filhos, feitos à sua imagem e semelhança, estamos inexoravelmente conectados a Ele, dependentes Dele e fomos criados para adoração, num constante ato de mordomia e em constante comunhão com Ele. Contudo, não podemos esquecer, no meio da bela criação e de todos os dons que nos foram dados, principalmente o dom da criatividade, de que é ao Deus vivo que adoramos e de que é por Ele ser quem é que podemos ver a beleza no mundo e entoar as mais belas notas musicais.
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Bibliografia:
GOHEEN, M. W.; BARTHOLOMEW, C. G.; Introdução à cosmovisão cristã: vivendo na intersecção entre a visão bíblica e a contemporânea. Tradução: Marcio Loureiro Redondo. São Paulo, Vida Nova, 2016. 272 p.
LEWIS, C. S. Os quatro amores. Tradução: Estevan Kirschner. Rio de Janeiro, Thomas Nelson Brasil, 2017. 192 p.