Ensaio filosófico escrito por Rosângela de Oliveira Wanemacher, estudante do Programa de Tutoria Filosófica 2024
No contexto filosófico de Sócrates, vemos a busca por conhecimento e autoconhecimento, no dilema existencial da essência do ser ou não ser. Mais tarde, na tradição filosófica, Herman Dooyeweerd nos apresenta a ideia de pessoa humana com base na revelação bíblica e o motivo básico cristão, afirmando a transcendência da alma relacionada ao horizonte e à experiência temporal. Com essa premissa, neste ensaio, apontaremos, a partir da perspectiva de uma retomada ao projeto original, que, ao longo do tempo, e com o advento da modernidade, o ser humano, feito à imagem e semelhança do Criador, abandonou a submissão do autoconhecimento à sua revelação.
Em um mundo moderno, o homem é movido por um projeto de liberdade e uma fé humanista, porém, tanto na Primeira como na Segunda Guerra Mundial, todas as suas expectativas foram derrubadas; o homem sentiu-se engolido por sua singularidade, assim como instituições que se tornaram soberanas, como o Estado, a igreja e a família. Abandonando o projeto onde se submetia a si mesmo e a Deus, o homem se entregou a novas liberdades e controle da natureza nas vias da matemática. Deixando de lado o próprio Criador, seu principal motivo de existência, o homem se entregou ao niilismo, como afirma Dooyeweeerd, destruindo, assim, a civilização:
O conhecimento científico real sobre o homem permanece limitado à estrutura do corpo humano, tomando sentindo amplo da forma temporal da existência humana. A investigação filosófica sobre a existência temporal do homem, no entanto, deve ser dirigida por uma ideia de alma humana que relaciona a revelação de Deus sobre a raiz da existência humana ao problema básico da antropologia (Dooyeweerd, 2010,p. 244).
Em Dooyeweerd, afirmamos que a raiz central do conhecimento humano é o autoconhecimento. Partindo de pressuposições básicas, ele apresenta o cosmo como ordenamento temporal com a origem no Criador, o qual é integral, sendo a origem absoluta do sentido (Dooyeweerd, 2015, p. 43). Já a criatura, entendida como cosmo, aponta para fora, para a verdadeira origem, o Criador.
Dooyeweerd apresenta quatro motivos básicos sobre a pessoa humana (Matéria e Forma, Criação-Queda-Redenção, Natureza e Graça e Natureza e Liberdade) que moldaram o desenvolvimento do Ocidente, onde três motivos são dialéticos, desviando da sua verdadeira origem e dando, assim, aspectos de dualidade à religião, separados do conhecimento de Deus. Porém, vamos ficar somente em um motivo básico, Criação-Queda-Redenção.
Em Dooyeweerd, o ponto de partida de sua investigação filosófica é o motivo básico religioso, onde o ser humano é basicamente um conhecedor inato da realidade, atravessado pelo aspecto religioso, histórico e cultural, entre outros, que são basilares em relação ao sentido temporal:
Primeiramente, ela deve dar origem a uma crença comum dentro do aspecto da fé da nossa experiência; em segundo lugar, ela deve conquistar um poder cultural dentro do aspecto histórico da sociedade humana, tornando-se um fator formativo na cultura. O poder da fé, que tal influência desenvolve em sua manifestação temporal, faz desse motivo básico um princípio de condução de nosso pensamento. O poder sociocultural, que ele adquire no processo da história, garante a base temporal de suas influências sociais (Dooyeweerd, 2018, p. 77).
Assim, Dooyeweerd sugere que os motivos básicos religiosos têm determinadas crenças comuns. O segundo motivo básico, Criação, Queda e Redenção, que começou a surgir no pensamento ocidental, não diz respeito às tradições teológicas cristãs, mas a uma crença na Palavra da revelação divina, que chega ao coração do ser humano por meio do Espírito de Deus na comunhão eclesiástica.
Na criação, Deus se revelou como o Criador de todas as coisas absolutas e ninguém pode opor -se à sua vontade, nos revelando que o homem foi criado à sua imagem e semelhança. Com isso, Dooyeweerd aponta a unidade religiosa no homem, apontando a sua integralidade no mundo temporal. Porém, devido à desobediência de Adão, ao qual foi feito representante da humanidade, o pecado entrou no mundo, afastando a sua criação, o homem, de Deus, prejudicando, assim, todo o cosmos: “o espírito da apostasia passou a governar a comunidade da humanidade, e com ela, toda a realidade temporal” (Dooyeweerd, 2015, p. 45).
Com o pecado, o coração do homem foi longe de sua Origem. Entretanto, com a redenção de Cristo Jesus na cruz e o envio do Espírito Santo, o homem pôde ter seu coração direcionado novamente à sua Origem absoluta.
O motivo básico bíblico da religião cristã (…) revela-nos que a alma ou o espírito do homem é a unidade radical absoluta e central ou o coração de toda a sua existência, porque o homem foi criado à imagem de Deus; mais ainda, revela que a humanidade separou-se de Deus na raiz espiritual da sua própria existência; e, finalmente, revela que, no coração, o ponto focal da existência de uma pessoa, sua vida está redirecionada para Deus por meio da obra redentora de Jesus Cristo (Dooyeweerd, 2015, p. 50).
Desta forma, o motivo básico religioso, defendido por Dooyeweerd, criação-queda-redenção, nos leva ao entendimento de que não caberia contrastes por meio de definições absolutas de coisas que foram atribuídas intrinsecamente ao ser humano, como algumas discussões de ordem dialéticas levam a crer, pois o absoluto só pode ser atribuído a Deus, que, por meio de Jesus Cristo, trouxe a esperança de redenção a um mundo caído, sendo Ele transcendente, assim como significado, mais do que nunca, da realidade e condição temporal, da existência humana, como ponto arquimediano, absoluto, por intermédio de Jesus Cristo. Como está escrito em Efésios, 2:20, Ele é a pedra fundamental desse edifício.
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Referências Bibliográficas
DANTAS, Arlan José de Melo Dantas, Filosofia da Tecnologia em Herman Dooyeweerd: ontologia modal e motivo básico aplicados ao desenvolvimento de sistemas da informação. Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo, SP. 21 dez. 2020.
DOOYEWEERD, Herman. No crepúsculo do pensamento ocidental: estudos sobre a pretensa autonomia do pensamento filosófico. Trad. Guilherme de Carvalho e Rodolfo de Souza Amorim. São Paulo: Hagnos, 2010.
DOOYEWEERD, Herman. Raízes da cultura ocidental: as opções pagã, secular e cristã. Traduzido por Afonso Teixeira Filho. São Paulo: Editora Cultura Cristã. 2015.
PAZ, Anderson Barbosa. Motivos básicos religiosos na filosofia de Herman Dooyeweerd. Revista Jonathan Edwards Miscelânia Teológica. v. 2, n. 1. 2022. Disponível em <https://philarchive.org/archive/PAZMBR#:~:text=Dooyeweerd%20identificou%20quatro%20%E2%80%9Cmotivos%20b%C3%A1sicos,e%20liberdade%20no%20humanismo%20moderno>, acesso 27/11/24.