fbpx

Em busca do resgate do amadurecimento da mulher

Artigo escrito por Clarissa Ferreira Lima Paes de Barros, estudante do Programa de Tutoria Avançada 2024


O processo de amadurecimento da mulher é acompanhado por uma intensa pressão num rumo contrário ao natural. Enquanto o tempo avança, todos os marcadores culturais femininos desta época insistem em nos guiar rumo ao rejuvenescimento. A situação paradoxal gera uma tensão inevitável e uma dose de frustração cotidiana. Quais os parâmetros? Aonde sigo indo e onde devo chegar afinal?

Em relação à beleza física, há a oferta dos mais diversos tratamentos estéticos: cosméticos, harmonização facial, tinturas de cabelo. Além disso, parece ser possível a qualquer uma reverter o acúmulo de gordura abdominal característico do avanço da idade, bastando seguir uma rígida rotina de exercícios e dieta adequada, tudo guiado por evidências científicas e eventuais cirurgias plásticas. Caso os hormônios não colaborem mais, é só os repor para mantê-los em níveis adequados, sem esquecer das vitaminas também. 

Não é difícil perceber, com o avanço da idade, como a ciência e a tecnologia dobram a aposta. Elas parecem oferecer tudo o que se precisa para que a mulher não seja mais refém da idade, mas senhora do processo. Caso sua prescrição seja seguida fielmente, elas parecem capazes de fazer o relógio parar ou até voltar. Assim, as mulheres de hoje não são como as de antigamente, mais jovens, capazes, e vão envelhecer cada vez melhor. 

Não há que se negar as muitas melhorias introduzidas pelo avanço científico em relação à saúde e ao envelhecimento feminino, embora ele também seja carregado de mitos e expectativas insaciáveis. Por isso, uma discussão do tema não pode ficar na superficialidade. Precisa descer ao cerne, para possibilitar um discernimento mais claro do que está ocorrendo em nossa visão de mundo.  

 O ideal de controle da realidade não é restrito ao universo feminino, mas sempre foi muito marcante na filosofia e na ciência ocidental, conforme assevera Egbert Schuurman, no livro Fé, esperança e tecnologia.  Segundo o autor, há uma “vontade de controlar o mundo e de submetê-lo à vontade humana”, o que gera uma interpretação reducionista da realidade, já que há uma interpretação meramente técnica dela, denominado tecnicismo (SCHUURMAN, 2016, p. 40). 

Esse controle não se atém a uma esfera científica, objetiva e racional. Há um inegável componente de fé – a ciência se tornou meio de controle de um homem que crê em sua autonomia como a solução de todos os males. A tecnologia deixou de ser uma ferramenta para se tornar a finalidade última. A cultura atual é moldada por uma crença de que a ciência e a tecnologia nos guiarão a um mundo melhor (SCHUURMAN, 2016). Por consequência, até mesmo na vida prática, há um processo de cientifização. Nossas decisões cotidianas passam a ser guiadas pela ciência sem nenhuma avaliação crítica. 

A realidade, no entanto, é muito mais abrangente e complexa que parece nos sugerir os ideais de controle científico. Em primeiro lugar, a própria ciência se vale de modelos e abstrações em suas construções, ou seja, por definição, ela não pode abarcar toda a complexidade. Além disso, uma supervalorização da ciência acarreta uma suposição de que toda a realidade é explicada em termos materiais apenas (SCHUURMAN, 2016, p. 13). Assim, é possível inferir que há muitos outros aspectos que precisam ser observados e priorizados no envelhecimento feminino, marginalizados pela perspectiva tecnicista.  

Ao nos depararmos com os limites da ciência e da tecnologia, conseguimos colocá-la em seu lugar (SCHUURMAN, 2016, p. 67-68). Podemos abordá-la de forma humilde, reconhecendo que ela não contém todas as respostas e soluções para nossos dilemas, inclusive aqueles sobre o envelhecimento. Não somos apenas um emaranhado de processos materiais e biológicos, somos criaturas feitas à imagem de Deus. 

Contemplando o Criador e a importância de sua revelação para nós, podemos observar o processo de outro ângulo, que nos oferece mais riqueza. Aquele que nos criou se revela a nós, oferecendo os parâmetros certos para nos enxergar e ver os processos da nossa vida (BAVINCK, 2016, p. 35), ou, nas palavras de Schuurman (2016):

Para o cristão, a realidade foi criada por Deus e é sustentada por ele. Podemos dizer que as pessoas deveriam afirmar que a realidade é um dom de Deus, e que por ser de Deus, feita por Deus e para Deus, ela é repleta de significado. Isto requer virtudes como respeito, admiração, gratidão e prudência para se lidar com a realidade. As pessoas, afinal, não são donas, mas tão somente estão autorizadas a cuidar dela (SCHUURMAN, 2016, n.p.)

 Juntamente com a fé na ciência, a sociedade também se vale da fé no controle humano sobre a natureza. No entanto, o conflito entre o processo de envelhecimento e o ideal de rejuvenescimento por si só nos encaminha para confrontar esse ídolo. Podemos mesmo controlar toda a natureza? Podemos subjugar nosso corpo que luta conosco para parecer ter a idade que de fato tem? Embora a ciência diga o contrário, é notável que até mesmo as mulheres mais dedicadas, ou com mais recursos para oferecer, também envelhecem. 

Essa constatação não precisa ser acompanhada de desalento e desespero. A revelação divina apresentada a nós pela Bíblia não nos faz crer que o amadurecimento é algo ruim a ser contido a todo custo, mas um processo que deve ser relacionado à aquisição de sabedoria (Pv 20:29 e 16:31; Sl 92:14; Jó 12:12). Isso significa que envelhecer pode ser mais uma forma que a graça de Deus dispõe para nossa disciplina e crescimento espiritual (Tito 2:11) 

A Bíblia também espera que nosso amadurecimento, a partir desse processo, cumpra um propósito maior de beneficiar o corpo de Cristo. Uma passagem que fala isso explicitamente está em Tito 2:3 a 5. Em especial, no versículo 3, que fala: “Ensine as mulheres mais velhas a serem reverentes na maneira de viver, a não serem caluniadoras nem escravizadas a muito vinho, mas a serem capazes de ensinar o que é bom”. O que aprendemos ao longo da vida, as vivências da vida cristã, não se encerram em nós mesmas, mas podem e devem ser passadas adiante, para contribuir para que pessoas mais jovens possam também crescer e florescer. 

Observar a revelação de Deus a nós, suas criaturas, alinha melhor nossos desejos e expectativas sobre o envelhecimento. Não temos mais que passar a vida lutando contra a maré para conquistar, enfim, a fonte da juventude. Nossa redenção já foi conquistada por Cristo, nossa vitória já chegou e nosso corpo será, sim, glorificado. Como igreja, caminhamos inexoravelmente para o dia em que não termos nem mancha, nem ruga (Ef 5: 27) e envelhecer nos faz lembrar que nos aproximamos mais desse dia. 

Já que não somos mais escravas da vã maneira de viver que faz de nós prisioneiras do desejo de controle, mas, livres em Jesus, conseguimos usar nosso tempo e essa etapa de vida para a glória de Deus.  Nesse ritmo, a ciência e a tecnologia têm um importante papel a cumprir. Habitamos corpos que, aos poucos, sucumbem a uma maior fragilidade física. No entanto, podemos glorificar a Deus com nossos corpos mortais (I Co 5:19 e 20) com mais qualidade quando dispomos de saúde. Por isso, temos o dever de cuidar dele (I Co 10:31). Assim, o exercício, proveitoso que é (I Tm 4:8) e os outros meios de promoção do envelhecimento saudáveis podem ser desfrutados, não mais como um meio para nosso controle, mas um meio para nossa disciplina, para remir o nosso tempo (Ef 5:16), para a glória de Deus. 


Acreditamos que o estudo teológico é fundamental para todo cristão, e não apenas para pastores ou líderes. Afinal, a teologia nos ajuda a seguir a Cristo em todos os aspectos da nossa vida!

No Loop, nossa equipe oferece suporte pedagógico e trilhas de estudo personalizadas para seus interesses, permitindo que você aprofunde seu conhecimento teológico e lide de forma segura com as situações do dia a dia.


Referências

BAVINCK, Herman. A filosofia da revelação. Brasília: Editora Monergismo, 2016. 

SCHUURMAN, Egbert. Fé, esperança e tecnologia: ciência e fé cristã em uma cultura tecnológica. Viçosa, Editora Ultimato, 2016.