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Entrevista com Brett McCracken

Por Bruno Maroni, colaborador do Invisible College


Há algum tempo tive a oportunidade de conversar com o Brett McCracken sobre a interação cultural à luz da fé cristã. 

Ele é formado em Cinema e Mídia pelo Wheaton College e pela UCLA, e hoje é editor sênior e diretor de comunicação do TGC. Ele é autor dos livros Hipster Christianity: When Church & Cool Collide (2010), Gray Matters: Navigating the Space Between Legalism & Liberty (2013), Uncomfortable: The Awkward and Essential Challenge of Christian Community (2017) e do recém-publicado The Wisdom Pyramid: Feeding Your Soul in a Post-Truth World (2021).  

Na conversa falamos um pouco sobre as motivações cristãs para a interação cultural, o lugar da teologia bíblica no diálogo com a cultura, sobre idolatria e graça na cultura pop contemporânea e direções práticas para o envolvimento com a cultura popular. 


1) Brett, você tem escrito sobre fé cristã, cultura, arte e entretenimento há algum tempo, e já publicou livros a respeito. Também já escreveu para veículos para além do cenário cristão. Sendo alguém que participa ativamente da vida da igreja, quais têm sido as suas motivações para estudar a interação da fé com a cultura pop?

Minhas motivações são tanto pessoais quanto missionais. Pessoalmente, minha fé foi muito enriquecida pelo engajamento com as artes e a cultura popular. Minha fé foi aprofundada e meu amor por Deus intensificado por meio de encontros que tive com a bondade, a verdade e a beleza nas artes e na cultura. 

Também me interesso por esse diálogo entre fé e cultura por razões missionais, porque penso que em uma era secularizada, “pós-cristã”, a cultura pop é com frequência o espaço onde as pessoas vão em busca de “transcendência”. E a arte e a beleza podem definitivamente proporcionar experiências espiritualmente enriquecedoras. Mas, como um fim em si mesma, sem uma verdade transcendente ou um ponto de referência para além de si, a arte nos deixa insatisfeitos. As artes podem tocar em nossos anseios, mas não podem satisfazê-los. 

No entanto, essa é uma oportunidade para os cristãos. Podemos nos engajar com nossa sociedade secular em sua apreciação e ressonância com a arte e a cultura pop, e então demonstrar empatia com seus anseios. Mas também podemos sinalizar a ela a maior Verdade, Beleza e Bondade (Deus), para o qual todos os melhores aspectos da arte e da cultura estão, em última instância, apontando.

2) E quais são as suas principais referências (como autores e livros) para esse tipo de diálogo entre o cristianismo e a cultura?

C. S. Lewis é provavelmente a minha maior referência nesta área. Particularmente seu breve sermão O Peso da Glória, mas também seus conceitos de alegria e anseio (veja a autobiografia Surpreendido pela Alegria). A conversão do próprio Lewis à fé cristã envolveu as artes, a beleza, o “mito” e a maneira como todas essas coisas despertaram desejos que não eram satisfeitos por nada neste mundo.

3) Por que você considera importante para um discípulo de Jesus participar intencionalmente da cultura? E quais são os riscos que precisamos evitar nesta iniciativa? 

Os seguidores de Cristo são comprometidos a ir e fazer discípulos de todas as nações (Mt 28.19). Se estamos indo para fazer discípulos em um lugar específico, não podemos ser culturalmente isolacionistas ou desengajados da cultura desse contexto. Paulo entendeu isso em seu ministério. No Areópago em Atenas, por exemplo, ele começou observando e se envolvendo com a cultura específica que tinha a intenção de se aproximar (Atos 17.22-33). 

A missão e a apologética eficazes requerem certo grau de observação e diagnóstico da cultura que estamos tentando alcançar. Quais são as dinâmicas particulares desta cultura que fornecem pontes ou pontos de contato para o evangelho? Mas certamente também existem riscos no engajamento cultural. Temos que ter cuidado na missão para não nos engajarmos na cultura de forma tão profunda e acrítica a ponto de sermos mais mudados pela cultura do que a cultura ser transformada pelo evangelho que trazemos. 

Eu vejo isso acontecendo hoje com muitos jovens cristãos. Eles valorizam a participação e o engajamento cultural, o que é bom, mas agem de modo acrítico e imprudente. Acabam comprometidos pela cultura. Eles perdem sua distinção e salinidade (Mt 5.13). 

4) Qual papel a boa teologia bíblica tem para uma interação saudável com a cultura contemporânea?

Penso que ela é vital! O envolvimento cristão com a cultura contemporânea é perigoso em qualquer circunstância, mas é especialmente perigoso se for feito sem uma sólida estrutura bíblica e fundamento teológico. A Bíblia deve ser o ponto de partida para o engajamento cultural, não apenas uma reflexão tardia ou um “texto-prova”. 

Muito do engajamento cristão com a cultura pop hoje em dia acontece assim: “Eu gosto desta série ou deste filme! Agora deixe-me encontrar um versículo da Bíblia para justificar minha defesa desta peça da cultura para outros cristãos”. Uma abordagem melhor seria: “Eu sei o que a Bíblia diz a respeito sobre este tema em particular. Agora, onde posso encontrar na cultura pop esses mesmos valores sendo demonstrados ou desafiados? Como posso trazer a Bíblia para uma conversa com este aspecto da cultura de maneira robusta e relevante?”.

5) Parece que o mundo da mídia, como disse o Arcade Fire, opera com conteúdo infinito. Por exemplo: não sabemos o que assistir e como assistir, não sabemos o que ouvir e como ouvir… e assim por diante. De acordo com você, o que está na raiz dessa “insensatez cultural”? 

O excesso de conteúdo é um problema. Somos culturalmente insensatos em boa parte por causa desse excesso. Consumimos cultura rápido demais. Assistimos assiduamente uma série de TV e logo passamos para a próxima. “Torramos” a cultura de modo muito consumista, raramente tendo tempo o suficiente para digeri-la e absorver seus nutrientes. Na maioria das vezes, consumimos cultura como “fast food” ou “junk food” e isso está nos deixando doentes e insensatos. 

Quando se trata do consumo de cultura, menos é mais. Não ocupe cada momento com conteúdo midiático. E o tempo que você de fato preenche com conteúdo, deve ser reservado para o que for da mais alta qualidade. Tenha discernimento e saiba dizer não! Esteja disposto a perder as coisas #trending que a cultura está falando. Não se sinta pressionado a estar “por dentro de tudo”. Ninguém consegue. Sabedoria é restrição. Sabedoria é abrir espaço em nossas vidas para o silêncio.

6) Quais você diria que são os ídolos mais enfáticos que motivam a cultura pop hoje? E quais são os traços de graça mais evidentes que ela comunica?

Ótima pergunta! Eu diria que a sexualidade e a expressão sexual desinibida é um ídolo predominante na cultura pop hoje. Mas isso é só parte de um ídolo maior do “eu” e da identidade. É o ídolo da autonomia total: seja quem você é, tenha orgulho de si mesmo, não se envergonhe e não se submeta a nenhuma autoridade, comunidade ou instituição externa. 

Em termos de evidências da graça, uma coisa que eu percebo é uma palpável paixão por justiça em muito da cultura pop. Há claramente um senso de graça comum no desejo de enfrentar a injustiça, o que é bom. Isso sempre se manifesta de forma útil? Claro que não. Mas o fato de que existe na cultura um claro anseio e fome por justiça, fornece facilmente uma ponte para conversas sobre Deus e a justiça na Bíblia.

7) Agora uma questão sobre artes. Qual é a contribuição singular das produções artísticas para o entendimento da nossa atmosfera cultural? Tem algum aspecto na arte que a torne um medidor distinto das tendências da nossa cultura?

Sim, eu penso que a arte é como um barômetro útil para medir a atmosfera cultural, em certa medida. Certamente pode haver uma desconexão de valores entre os artistas (que se inclinam progressivamente) e o consumidor médio (que não tem tanto essa tendência). Mas, especialmente a arte e a cultura populares (que evidentemente ressoam em um amplo número de pessoas), podem ser indicadores úteis do espírito do tempo de uma cultura.

8) Que direções objetivas você daria a estudantes de teologia pública, que servem em comunidades cristãs, para participarem ativamente na cultura pop?

Eu diria: estejam certos que estão partindo das Escrituras e de uma teologia bíblica sólida. Isso tornará sua participação na cultura pop mais frutífera e menos perigosa. Aceitem também o fato de que a fé cristã os levará às vezes a elogiar o que é bom e em outras vezes condenar o que é mau na cultura pop. Há muito das duas coisas na cultura popular de hoje, e os cristãos precisam do discernimento e disposição para falar a verdade sobre a cultura, mesmo quando isso não os torna populares.