Artigo escrito por Lilian Wittmann, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2024
O Novo Testamento tem sua estrutura interpretativa fundamentada no Antigo Testamento, sendo toda a narrativa crescente rumo ao seu clímax: a encarnação do Messias aguardado, o seu ministério público, a sua morte expiatória e justificatória e a sua ascensão. Sobre isto, O. Palmer Robertson1 escreve como toda a Escritura Sagrada complexifica-se progressivamente baseada nas duas principais alianças divinas (a Aliança da Criação e a Aliança da Redenção).
Do mesmo modo, Geerhardus Vos2 faz uma teologia bíblica dos momentos mais relevantes contidos no Novo Testamento, dispondo um panorama sólido dos cumprimentos das promessas e das expectativas messiânicas relatadas no Antigo Testamento. O que significa, então, ler a passagem em Mateus 5:17-18 (ARA), que diz que Jesus Cristo veio para cumprir tudo aquilo que estava escrito, sem excluir nada? Aliado a isto, em João 19:30 (ARA), lemos que Jesus declara “Está consumado!”, do verbo em grego “teleó”, que significa trazer ao fim, completar ou cumprir3. E agora? A teologia bíblica, mais uma vez, demonstra-se elementar por mostrar que cada momento da história da redenção na Revelação Especial tem a sua valência. Assim, não permite que a leitura de um excerto seja realizada em desconexão de todo o cânon bíblico.
A Promessa de Redenção
As narrativas bíblicas não são apenas relatos fantasiosos – são relatos históricos, mas extraordinários, pois revela o plano de Deus em ação. E o cerne dessa narrativa é a Redenção provida pelo sacrifício de Cristo, pois é através dele que Deus restaura a comunhão perdida entre a humanidade e Ele desde a falha do primeiro Adão em cumprir o pacto das obras4.
Nesse sentido, o perdão concedido por Deus é o instrumento pelo qual essa redenção é manifesta, permitindo que pecadores sejam reconciliados com Deus e experimentem vida em Cristo. No entanto, o perdão não é apenas uma concessão divina, mas uma expressão do amor gracioso de Deus, que busca restaurar também a dignidade e a integridade do ser humano5, bem como reestabelecer a obra do Criador para a glória dele.
A redenção foi uma promessa realizada logo em Gênesis 3:14-24. No texto, vemos que as mesmas palavras que anunciam a maldição da aliança da criação são as que inauguram a aliança da redenção, enfatizando seu caráter restaurador. A partir de então, a história desenvolve-se por meio de todas as estipulações realizadas por Deus em seu compromisso com a sua Palavra (Hb 6:13-20), e a manifestação gradual dos vários aspectos dessa aliança é unida num único propósito7.
Expectativas Messiânicas e seu Cumprimento no Novo Testamento
No decorrer da história, o povo ouviu a promessa de redenção do próprio Deus, por intermédio dos profetas, e pela vida e pregação de João Batista, que encarnou toda essa expectativa messiânica do Antigo Testamento em sua figura através da proclamação ávida da chegada do Messias – ao mesmo tempo que João mantém a preparação do povo, expõe a novidade que chegava. No episódio do Batismo de Jesus, vemos que o trabalho do Messias é descrito como uma 2ª criação – por meio dessa função do Espírito Santo pairando sobre os ares (Lc 3:21-22) há uma alusão ao Espírito Santo pairando sobre as águas na Criação (Gn 1: 1-2), como se Deus estivesse anunciando a recriação de todas as coisas8.
Em seguida, de modo a iniciar o seu ministério, era preciso que Jesus fosse levado ao deserto pelo Espírito Santo para ser tentado, como uma provação da parte de Deus. Ali, Jesus precisou assumir uma postura de humilhação e sofrimento da sua natureza humana para que cumprisse aquilo que não foi conseguido por Adão no pacto das obras: um novo estado de relacionamento com Deus que viria por assumir total dependência do Criador soberano. Desse modo, plenamente capacitado, o seu ministério público começa e o “logos” divino (Jo 1:1, NAA) faz-se o único mediador entre Deus e os seres humanos, através desse relacionamento pleno e por meio da proclamação da sua Palavra.
Uma das características desse ensino de Jesus era o ensino através de parábolas, que conectavam perfeitamente o cumprimento das expectativas do AT e o co-pertencimento do logos divino na natureza – comunicando a Lei espiritual através do mundo natural9. Além disso, Jesus expõe em seu discurso e oração a ideia de paternidade, demonstrando um significado que vai muito além da compreensão judaica de um Deus com o senso de amor ofuscado pelo cumprimento humano da lei. Mas, também, além da compreensão pós-moderna sentimentalizada, que reduz Deus ao amor semelhante ao da experiência humana – Jesus prega um Deus que é tanto um Pai amoroso como um Pai justo. Ademais, a pregação de Jesus também foi sobre o Reino – Ele anunciou de maneira teocêntrica o novo estado das coisas inauguradas pela sua encarnação e ministério público e manteve a união entre poder, justiça e bem-aventurança ou bênçãos vindas (e vindouras)10.
O ato final-parcial da crucificação
Ao analisarmos passagens como João 19:30, podemos ser induzidos a uma ideia de finalização. Em seguida, se lemos Mateus 5:17-18, podemos ter mais dúvidas: Se Jesus cumpriu tudo, se está finalizado, o que esperamos (se esperamos alguma coisa)? Para responder a estas perguntas, é preciso uma hermenêutica consistente e uma teologia bíblica que nos permita inserir essas passagens na história do povo de Deus e na história maior de Deus.
A crucificação remete a um cumprimento imediato e, nesse sentido, final, da redenção, visto que Jesus, o Filho de Deus, isento de pecados, decidiu entregar a sua vida em substituição aos pecados de muitos (Rm 3:23.24; Ef 1:7; Cl 1:13-14). Alguns teólogos denominam esse estado como “Já”11 — ou seja, já temos o perdão e a redenção e já temos a nossa salvação garantida em Cristo.
No entanto, é parcial primeiramente, pois essa redenção foi apenas garantida devido à ressuscitação de Cristo, pelo poder de Deus, demonstrando a aceitação da obra expiatória e reconciliatória (Hb 9:22; 2Cor 5:18-19). O conceito de “Já” é sinergicamente compreendido com o conceito de “Ainda não”, que nos remete à compreensão de que ainda não temos a plena consumação da nossa salvação – ainda aguardamos o cumprimento da promessa de descanso absoluto com Deus, sem influência do pecado. Por isso, nesse sentido também há a parcialidade da obra da cruz.
Geerhardus Vos afirma como o Reino presente difere do Reino final em 3 aspectos: 1) o reino presente vem gradualmente, mas o reino final virá catastroficamente; 2) o reino presente vem em sua maioria na esfera interna e invisível, enquanto o reino final virá totalmente visível mundialmente; 3) o reino presente permanece sujeito a imperfeições, mas o reino final será completamente perfeito12. Com isso, observamos que a pregação do Reino é a estrutura central para compreendermos a obra de Jesus, pois revela o estado escatológico de coisas que “Já” experimentamos (com a Redenção) mas que “Ainda não” experimentamos plenamente (pois aguardamos a Consumação final).
Conclusão
Essa reflexão nos faz observar a importância da compreensão do texto dentro de seu contexto, analisando a Bíblia como um todo. Porém, nos remete também a olhar para a vida comunitária dentro e fora da igreja a partir dessa visão sinérgica entre “Já” e “Ainda não”, expressando a realidade atual de Salvação e fomentando a esperança escatológica da Consumação em meio às realidades presentes. Que possamos, portanto, abraçar essa verdade e viver de acordo com ela, como pedras vivas (1Pe 2: 4-10), representando o Reino de Deus, manifestando a santificação gradual das nossas vidas e o aguardo pela perfeição e pelo descanso vindouros.
1 ROBERTSON, O. Palmer. O Cristo dos Pactos: uma análise exegética e teológica das sucessivas alianças bíblicas e do seu papel no desenvolvimento da revelação de Deus. Tradução de Américo Justiniano Ribeiro. 2ª Edição. São Paulo. Editora Cultura Cristã, 2011. 239 p.
2 VOS, Geerhardus. Teologia bíblica – Antigo e Novo Testamentos. Tradução de Alberto Almeida de Paula. 2ª Edição. São Paulo. Editora Cultura Cristã, 2010. 415 p.
3 BIBLE HUB. João 19. Disponível em https://biblehub.com/whdc/john/19.htm
4 VOS, op. cit., 2010, n.p.
5 WELCH, Edward T. Quando as Pessoas são Grandes e Deus é Pequeno: Vencendo a Pressão e Grupo, a Codependência e o Temor do Homem. Tradução de Débora Galvão. 3ª Edição. São Paulo. Editora Batista Regular, 2011. 288 p.
6 ROBERTSON, op. cit, n. p.
7 Ibid., n.p.
8 VOS, op. cit, n.p.
9 Ibid.
10 Ibid.
11 Ibid.
12 Ibid.
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Referências bibliográficas
BÍBLIA DE ESTUDO NAA. Nova Almeida Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil. 2018. 2880 p.
BÍBLIA SAGRADA. Almeida Revista e Atualizada. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2021. 896 p.
BIBLE HUB. João 19. Disponível em https://biblehub.com/whdc/john/19.htm
ROBERTSON, O. Palmer. O Cristo dos Pactos: uma análise exegética e teológica das sucessivas alianças bíblicas e do seu papel no desenvolvimento da revelação de Deus. Tradução de Américo Justiniano Ribeiro. 2ª Edição. São Paulo. Editora Cultura Cristã, 2011. 239 p.
VOS, Geerhardus. Teologia bíblica – Antigo e Novo Testamentos. Tradução de Alberto Almeida de Paula. 2ª Edição. São Paulo. Editora Cultura Cristã, 2010. 415 p.
WELCH, Edward T.. Quando as pessoas são grandes e Deus é pequeno: Vencendo a Pressão e Grupo, a Codependência e o Temor do Homem. Tradução de Débora Galvão. 3ª Edição. São Paulo. Editora Batista Regular, 2011. 288 p.