Escrito por Kaiky Fernandez, coordenador do Invisible College e estudante do Programa de Tutoria Avançada 2022
“Síndrome da Fadiga da Informação”¹ é uma expressão usada para se referir a um problema gerado pelo excesso de informações que recebemos diariamente, sobretudo nas mídias sociais — WhatsApp, Twitter, TikTok e todas as outras. Por mais contraditório que pareça, um volume muito alto de informação, sem a devida curadoria, faz com que essas informações deixem de ser informativas e se tornem “deformativas”. Ou seja, ao invés de trazer contribuição para nós, elas passam a nos fazer mal. Com isso, vem a fadiga. Assim, como podemos lidar com isso?
Responsabilidade diante da não-neutralidade
Geralmente, há duas visões distintas para lidar com a tecnologia: uma delas acredita que a redenção se encontra no desenvolvimento tecnológico, uma esperança quase escatológica de que, ao estar no seu estado de plenitude, ele resolverá os problemas humanos — e essa é uma visão incompatível com uma visão de mundo cristã. Por outro lado, há aqueles avessos à tecnologia, como se ela por si só fosse uma grande vilã da humanidade e a causa de todo o mal do mundo. Essa visão também é incompatível com a fé cristã.Uma postura equilibrada e realista entende que a tecnologia não é uma força independente e autônoma, mas que é fruto da atividade humana. Por trás de cada recurso tecnológico há uma atividade humana acontecendo ou que aconteceu para torná-lo tangível. “Por trás da tecnologia, repousa a intenção de pessoas e interpretações da realidade. Em outras palavras, há muito significado na tecnologia”².
Reconhecendo isso, Derek C. Schuurman aponta que “se a tecnologia é, de fato, uma atividade cultural distinta na qual os seres humanos exercem liberdade e responsabilidade para com Deus, então precisamos usar e desenvolver a tecnologia da computação de uma maneira que honre a Deus”³. Essa combinação de liberdade e responsabilidade também precisa ser colocada em prática ao lidarmos com o conteúdo ao qual temos acesso, tanto em relação à qualidade desse conteúdo, mas sobretudo em relação à sua quantidade. Byung-Chul Han nos chama a atenção especificamente sobre a questão da responsabilidade: “A responsabilidade (…) estabelece um compromisso com o futuro. Os meios de comunicação atuais promovem, em contrapartida, a não obrigatoriedade, a arbitrariedade e a duração de curto prazo. A absoluta prioridade do presente caracteriza o nosso tempo”4.
Quando exercemos nossa responsabilidade, estamos abrindo mão daquilo que é imediato, o aqui-e-agora, para lidar com o futuro. Agir de forma responsável é compreender que nossas escolhas, ações e ideias têm consequências, tanto para nós, mas também para o nosso próximo. O desafio é que, conforme o autor apresenta, as mídias sociais trazem uma absolutização do presente. Portanto, se não fizermos um uso crítico e consciente, entraremos nesse “fluxo do imediato”. Precisamos de intencionalidade nesse sentido, uma vez que, geralmente, os meios de comunicação não trarão esse senso de responsabilidade para nós. Antes, o contrário.
O ponto onde queremos chegar é que, muitas’ vezes, somos conduzidos e moldados por recursos que absolutizam o presente. Obviamente, não devemos ignorar ou descartar o presente, mas também não devemos absolutizá-lo. Uma relação responsável com a tecnologia, com as mídias sociais ou com qualquer outro elemento da nossa realidade precisa estabelecer um compromisso com o futuro, e não apenas com o imediato.
O juiz sobre o uso das redes sociais
Quando pensamos em “responsabilidade”, devemos nos lembrar que isso significa responder a alguém pelos próprios atos (ou de outra pessoa, caso ela lhe seja subordinada). Assim, uma vez que temos essa espécie de prestação de contas, isso implica em um juízo, um julgamento. No contexto do uso das mídias sociais, podemos pensar neste juízo em relação aos mandatos espiritual, relacional e cultural.
PrimeiroEm primeiro lugar, o juízo em relação ao mandato espiritual. Anthony Hoekema afirma que “somos completamente responsáveis diante de Deus por tudo que fazemos”5. Tudo! Se aquilo que temos — recursos financeiros, tempo, conhecimento, vontades — nos foi concedido por Deus, então prestaremos contas a Ele pela forma como usamos cada um desses elementos, inclusive nas mídias sociais.
Em segundo lugar, o juízo em relação ao mandato social. Luís Mauro Sá Martino6 constata que as pessoas estão se conectando cada vez mais para fugir da solidão da vida contemporânea, mas, ao mesmo tempo, para evitar ter relações duradouras. É válido nos questionar o quanto do nosso uso das mídias sociais estão favorecendo ou desfavorecendo os nossos relacionamentos. Realmente estamos nos aproximando ou é apenas um pretexto para nos isolarmos mais?
Por fim, o juízo em relação ao mandato cultural. São os efeitos que o uso acrítico e indiscriminado das mídias podem causar em nossas vidas. Esse juízo pode ser tanto ao nível individual, gerando a síndrome da fadiga da informação ou uma ansiedade disfuncional, por exemplo, mas também ao nível coletivo, ao lidar com outras pessoas. Basta pensarmos nos impactos — muitas vezes negativos — que o uso das mídias têm na política ou na economia.
Considerações finais
A tecnologia não é neutra! Há intencionalidade na concepção de artefatos tecnológicos ou dos recursos que estão presentes no nosso dia-a-dia. Isso implica que a nossa postura ao usarmos tais recursos deve ser responsável. Temos de estar cientes, o quanto for possível, sobre as implicações e as consequências desse uso: em relação ao outro, em relação a Deus e em relação a nós mesmos.
Somente assim teremos condições de, exercitando a nossa maturidade, não cairmos nos dois extremos que são mais cômodos, embora danosos: um otimismo exacerbado em relação aos benefícios da tecnologia e uma repulsa ascética em relação aos danos que ela pode ter. Ao invés disso, nosso chamado é para exercer nossa liberdade com responsabilidade.
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1 HAN, Byung-Chul. No enxame: perspectivas no digital. Tradução: Lucas Machado. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018. 96 p. E-book
2 VERKERK, Maarten Johannes et al. Filosofia da tecnologia: uma introdução. Tradução: Rodolfo Amorim Carlos de Souza. Viçosa, MG: Ultimato, 2018, p. 46.
3 SCHUURMAN, Derek C. Moldando um mundo digital: fé, cultura e tecnologia computacional. Tradução: Leonardo Bruno Galdino. Brasília, DF: Monergismo, 2019, posição 571. E-book.
4 HAN, op.cit., p. 67.
5 HOEKEMA, Anthony. Criados à imagem de Deus. Tradução: Heber Carlos de Campos. São Paulo: Cultura Cristã, 2018, p. 92
6 MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria das mídias digitais: linguagens, ambientes e redes. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015, p. 123.
Referências bibliográficas
HAN, Byung-Chul. No enxame: perspectivas no digital. Tradução: Lucas Machado. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018. E-book. 96 p.
HOEKEMA, Anthony. Criados à imagem de Deus. Tradução: Heber Carlos de Campos. São Paulo: Cultura Cristã, 2018. 288 p.
MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria das mídias digitais: linguagens, ambientes e redes. Petrópolis, RJ: Vozes, 2015. 296 p.
SCHUURMAN, Derek C. Moldando um mundo digital: fé, cultura e tecnologia computacional. Tradução: Leonardo Bruno Galdino. Brasília, DF: Monergismo, 2019. E-book.
VERKERK, Maarten Johannes et al. Filosofia da tecnologia: uma introdução. Tradução: Rodolfo Amorim Carlos de Souza. Viçosa, MG: Ultimato, 2018. 377 p.