Ensaio filosófico escrito por Luiz Fernando Ribeiro Nunes, estudante do Programa de Tutoria Filosófica 2024
Introdução
Alvin Plantinga1 é amplamente reconhecido como um dos maiores filósofos analíticos do século XX, especialmente por suas contribuições à filosofia da religião e à epistemologia. Suas ideias não só transformaram o campo acadêmico, mas também oferecem um modelo único para a comunicação cristã no discurso público. No contexto brasileiro, marcado por polarizações, como as retóricas bolsonarista e psolista2, que frequentemente promovem o aniquilamento ou o cancelamento do outro, o modelo de Plantinga se destaca por integrar lógica rigorosa e amor cristão. Diante disso, este ensaio busca demonstrar como sua abordagem pode servir como um antídoto a essas práticas destrutivas, oferecendo uma retórica cristã que alia verdade e graça.
Para isso, o ensaio se desenvolverá da seguinte forma. Primeiramente, exploraremos o pensamento de Alvin Plantinga como modelo de retórica cristã, destacando sua integração de lógica e amor. Em seguida, analisaremos duas retóricas contrastantes presentes na esfera pública brasileira, representadas pelos modelos bolsonarista e psolista, expondo como ambos contradizem os princípios da comunicação cristã. Por fim, discutiremos como o exemplo de Plantinga pode ser aplicado ao contexto brasileiro, apontando caminhos para a construção de uma retórica cristã capaz de superar polarizações e transformar o discurso público.
Alvin Plantinga e a retórica cristã
Alvin Plantinga é conhecido por suas contribuições à epistemologia, como sua defesa da crença teísta como epistemicamente básica, e à apologética, através de argumentos que articulam lógica sofisticada com humildade intelectual. Sua postura em debates acadêmicos reflete um compromisso com a verdade que não sacrifica o respeito pelo outro. A abordagem de Plantinga combina rigor analítico com uma disposição pastoral, reconhecendo a dignidade do interlocutor mesmo em contextos de desacordo. Ele demonstra que é possível defender a fé cristã sem adotar posturas agressivas ou alienantes. Essa integração de lógica e amor torna sua contribuição um modelo essencial para o discurso público contemporâneo.
A retórica bolsonarista: o aniquilamento do outro
No contexto político brasileiro, a retórica bolsonarista é marcada pela desqualificação do interlocutor, buscando sua anulação completa. Essa abordagem alimenta a polarização e fomenta um ambiente de hostilidade, o que contraria os princípios cristãos de amor e respeito ao próximo. Um exemplo disso ocorreu durante a participação da deputada federal Carla Zambelli no Flow Podcast. Durante a entrevista, a deputada repetidamente chamou o apresentador de ‘burro’, recusou-se a explicar novamente seus pontos por considerá-lo incapaz de entender e fez uso de palavrões. O episódio culminou com a deputada abandonando a entrevista para ir ao banheiro, deixando o apresentador falando sozinho, o que evidencia a falta de diálogo respeitoso e a agressividade presente nesse tipo de retórica3.
A retórica psolista: o cancelamento do outro
Por outro lado, a retórica associada a setores do PSOL tende a enfatizar a punição moral do interlocutor por meio do cancelamento4, frequentemente negando quaisquer possibilidades de reconciliação. Essa abordagem também falha em refletir valores cristãos essenciais, como a graça e o perdão, fundamentais na comunicação cristã. Um exemplo disso pode ser observado nos episódios recentes envolvendo o youtuber Wilker Leão, que gravou parte de sua participação em sala de aula em uma universidade brasileira. Quando colegas e professores descobriram que ele fazia isso, Wilker passou a ser alvo de ações hostis por parte de docentes, que pressionaram os alunos a se voltarem contra ele e até tomaram atitudes diretas para desmoralizá-lo, praticando assédio moral. Este caso evidencia a falta de um diálogo respeitoso e a crescente polarização, que muitas vezes impede a construção de pontes e a busca por entendimentos mútuos5.
Similadirades destrutivas
Embora opostas em sua manifestação, ambas as retóricas compartilham uma essência destrutiva que desumaniza o outro, transformando o debate em uma disputa de poder em vez de uma busca pela verdade. À primeira vista, a comunicação bolsonarista e a psolista parecem ocupar extremos opostos no espectro ideológico. Contudo, suas práticas retóricas revelam um paradoxo intrigante: são tão antagônicas que, em um modelo circular, acabam se aproximando. A retórica bolsonarista visa aniquilar o outro, silenciando-o completamente, enquanto a psolista, embora distinta, busca punir e rebaixar, promovendo o “cancelamento” e a desmoralização do interlocutor. Em essência, ambas desconsideram a dignidade do outro, subordinando o debate à lógica do conflito, e não à construção de entendimento. Assim, apesar de suas divergências ideológicas, essas abordagens convergem em um ponto comum: uma comunicação que se afasta do diálogo genuíno e do respeito mútuo, comprometendo a possibilidade de um debate ético e transformador.
Superando os Extremos: A Aplicação do Modelo de Plantinga
O exemplo de Plantinga convida os cristãos a adotarem uma comunicação que integra rigor intelectual, empatia e humildade. Primeiramente, a busca pelo rigor intelectual é essencial, como o apóstolo Paulo instruiu em 2Tm 2:15, chamando os cristãos a manejar bem a palavra da verdade. Esse manejo exige a apresentação de argumentos sólidos e bem fundamentados, demonstrando um compromisso genuíno com a verdade.
Além disso, a empatia e o respeito são pilares indispensáveis. O mandamento de Jesus em João 13:34-35 nos desafia a amar ao próximo, o que inclui ouvir e compreender o outro, reconhecendo sua dignidade. Essa postura não apenas reflete o amor cristão, mas também abre espaço para diálogos mais frutíferos e reconciliação em meio ao desacordo. Por fim, a humildade epistêmica é crucial, conforme Paulo reconhece em 1Co 13:12, onde afirma que “agora vemos apenas um reflexo obscuro”. Esse reconhecimento dos limites do próprio entendimento incentiva uma atitude de humildade e abertura para aprender, mesmo em contextos de intenso debate.
Por uma retórica cristã
Para superar as polarizações destrutivas, é essencial que os cristãos promovam um discurso público baseado em amor, verdade e reconciliação. Além disso, é imperativo que não apenas evitem comportamentos destrutivos, mas também rejeitem e deixem de apoiar líderes ou figuras públicas que perpetuem tais práticas, mesmo que isso pareça politicamente vantajoso. Romanos 12:18 nos lembra que, “se possível, no que depender de vós, tende paz com todos os homens”, um chamado claro para uma postura ativa de reconciliação e promoção da paz. A comunicação cristã deve ser distinta, refletindo os ensinamentos de Jesus em Mateus 5:44, que nos exorta a amar nossos inimigos e orar por aqueles que nos perseguem. Isso significa evitar endossar retóricas que desumanizam ou marginalizam o outro, independentemente do contexto ideológico. Apoiar líderes ou discursos que promovem divisão e hostilidade é contraditório à vocação cristã de ser sal e luz no mundo.
Por fim, os cristãos são chamados a serem agentes de transformação, oferecendo alternativas éticas e compassivas às dinâmicas de conflito. Como em Efésios 4:29, nossas palavras devem ser “para edificação, conforme a necessidade, e para que concedam graça aos que ouvem”. Ao rejeitar a lógica do aniquilamento ou do cancelamento, os cristãos podem contribuir para um discurso público mais saudável e reconciliador.
Considerações finais
O modelo de Alvin Plantinga representa uma integração rara e poderosa de lógica e amor no discurso público. Ele desafia os cristãos a transcenderem as práticas destrutivas que marcam tantas interações públicas, oferecendo uma alternativa que alia verdade, graça e reconciliação. Em contraste com as retóricas do aniquilamento e do cancelamento, a abordagem de Plantinga demonstra que o compromisso com a verdade pode e deve ser acompanhado de humildade e amor pelo próximo. Reforça-se, assim, a necessidade urgente de uma comunicação cristã que vá além do mero embate de ideias, priorizando a edificação e a reconciliação. Efésios 4:15 nos instrui a falar a verdade em amor, um princípio que deve guiar tanto nossas interações pessoais quanto nossa atuação na esfera pública. Adotar essa postura implica também rejeitar o apoio a figuras públicas e líderes que promovam divisão, ódio ou exclusão, reconhecendo que tais práticas são incompatíveis com o chamado cristão de ser sal e luz em um mundo insosso e escuro.
Que nossas palavras e ações sejam, como nos exorta Paulo em Colossenses 4:6, ‘sempre agradáveis, temperadas com sal’, de modo que possamos edificar, reconciliar e refletir o caráter de Cristo em nosso discurso público e em nossas comunidades. Afinal, o que pode ser mais cristão do que, em um debate de ideias ou na vida como um todo, surpreender com amor, escuta e respeito aqueles que talvez esperassem hostilidade, gritos e ofensas?
1É doutor em filosofia pela Universidade Yale. Ocupou por trinta anos a cátedra John A. O’Brien de Filosofia na University of Notre Dame, nos Estados Unidos, e foi professor da cátedra Jellema de Filosofia na Calvin College. Foi presidente da American Philosophical Association e da Society of Christian Philosophers. Aclamado como um dos mais importantes filósofos analíticos da atualidade, foi laureado em 2017 com o prêmio Templeton em reconhecimento por seu rigoroso trabalho em epistemologia, metafísica e filosofia da religião. VIDA NOVA. Alvin Plantinga. Editora Vida Nova, [s.d.]. Disponível em: https://www.vidanova.com.br/livros/autores/alvin-plantinga. Acesso em: 4 jan. 2025.
2As retóricas bolsonarista e psolista referem-se aos discursos e posicionamentos políticos ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro e ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), respectivamente. Embora este texto não seja exclusivamente sobre política, o uso desses termos visa ilustrar como o modus operandi dessas retóricas, caracterizadas por polarização e antagonismo, transbordam para outros setores da sociedade e impactam a esfera pública e o debate público.
3Convidada abandonou o Flow ao vivo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2R9abciyDg0. Acesso em: 4 jan. 2025.
4O termo “cancelamento”, que surgiu nas redes sociais, pode ser definido como o ato de retirar apoio ou solidariedade a uma pessoa, geralmente uma figura pública, por meio de críticas, boicotes ou manifestações de desaprovação. Esse processo ocorre com o intuito de punir ou “excluir” alguém do convívio social e das plataformas digitais, muitas vezes devido a declarações, comportamentos ou ações consideradas inadequadas ou ofensivas. O cancelamento é frequentemente associado à amplificação de críticas nas redes sociais, criando um ambiente de pressão intensa sobre o indivíduo ou a instituição visada.
5LEÃO, Wilker. “Essa é a cara do professor valentão que se acha general KKKKKK – Ep 31”, YouTube, 2025. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=36B30HitP8c&t=885s. Acesso em: 4 jan. 2025.
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Referência bibliográfica
BÍBLIA SAGRADA. Nova Almeida Atualizada. Sociedade Bíblica do Brasil, 2017.
Convidada abandonou o Flow ao vivo. YouTube, [s.d.]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2R9abciyDg0. Acesso em: 4 jan. 2025.
LEÃO, Wilker. Essa é a cara do professor valentão que se acha general KKKKKK – Ep 31. YouTube, 2025. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=36B30HitP8c&t=885s. Acesso em: 4 jan. 2025.
VIDA NOVA. Alvin Plantinga. Editora Vida Nova, [s.d.]. Disponível em: https://www.vidanova.com.br/livros/autores/alvin-plantinga. Acesso em: 4 jan. 2025.