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No crepúsculo do pensamento ocidental: uma resenha crítica

Escrita por Matheus Raduan, estudante do Programa de Tutoria Avançada 2024


DOOYEWEERD, Herman. No crepúsculo do pensamento ocidental: estudo sobre a pretensa autonomia do pensamento filosófico. Tradução: Guilherme de Carvalho e Rodolfo Amorim de Souza. 1 ed. Brasília, DF: Editora Monergismo. 2018. 276p. 

O livro No crepúsculo do pensamento ocidental, de autoria do jurista e filósofo holandês Herman Dooyeweerd, é uma obra de 276 páginas dividida em quatro partes, compondo oito capítulos. A obra é uma adaptação de palestras que Dooyeweerd realizou em conferências como introdução do seu pensamento filosófico. A adaptação oferece uma análise valiosa do pensamento de Dooyeweerd, propondo destacar a sua importância (p. 15). Se trata de uma obra introdutória tanto para quem deseja iniciar seus estudos em Dooyeweerd quanto para quem deseja melhor compreensão de sua crítica à neutralidade do pensamento teórico.

A primeira parte do livro, chamada A pretensa autonomia do pensamento filosófico, contém, logo no título, a principal crítica de Dooyeweerd à autonomia da razão. No primeiro capítulo, Uma crítica do pensamento teórico, Dooyeweerd introduz a ideia do dogma atual na filosofia. Esse dogma se trata da pretensa autonomia da razão (p. 41). Dooyeweerd, sendo cristão, compreende as complicações deste dogma teórico para a produção de qualquer tipo de filosofia que se diz cristã, mas sua provocação vai além quando ele afirma que tal dogma impede qualquer tipo de crítica verdadeira em todo o tipo de reflexão filosófica (p. 42). Assim, o pedido de Dooyeweerd não é o abandono do dogma pelos seus adeptos, mas o reconhecimento de que é possível realizar filosofia sem a aceitação do dogma teórico, e de testar o pensamento teórico a uma crítica transcendental (p. 47).

No segundo capítulo O caráter concêntrico do Eu, Dooyeweerd trabalha o ego humano como sendo a raiz concêntrica de todo pensamento teórico (p. 69). Dooyeweerd faz mostrando como o ego humano, o coração, precede os aspectos modais e que todos estão sujeitos ao ego, assim a unidade central do eu está no ego. Com isso, Dooyeweerd argumenta que a única forma de conhecermos a nós mesmos é através do conhecimento de Deus (p. 74).

Se na primeira parte Dooyeweerd apresenta suas cartas através da proposta de sua crítica, na segunda parte, e nas demais, o autor procura mostrar o desenvolvimento e as complicações que a negligência da pretensa autonomia do pensamento teórico tem causado no fazer filosófico. Apresentando progressivamente o seu conjunto dos aspectos modais (p. 164) e como eles funcionam, Dooyeweerd aplica a realidade (experiência-ingênua) à sua crítica (e aspectos modais), mostrando como a autonomia do pensamento teórico vem falhando, seja com a absolutização de algum aspecto ou com a negligência da pretensa da autonomia humana com seus pressupostos religiosos fortemente relacionados ao ego (coração).

A segunda parte, chamada Historicismo e o sentido da história, é responsável por trabalhar a forma de como uma visão distorcida da ênfase histórica, chamada historicismo, tem moldado e influenciado a filosofia. Dooyeweerd desenvolve a crítica de que tal aspecto modal foi erroneamente absolutizado (p. 134), ou seja, o historicismo elevou a história ao lugar de uma condição transcendental, substituindo o Criador por algo dentro da criação (p. 29). Essa parte trabalha com o historicismo apenas como exemplo, pois existem outros tipos de absolutizações de algum aspecto modal, como o cientificismo, biologismo etc.

Embora toda a obra é rica em apresentar insights relevantes, a terceira parte, Filosofia e teologia, possui a maior contribuição para os leitores interessados pelos tópicos do título. Dooyeweerd distingue filosofia e teologia, que costumeiramente possuem uma relação dúbia (p. 159). O autor, reconhecendo que todo o pensamento teórico está fundado em compromissos suprateóricos, coloca a filosofia a serviço da teologia, considerando que ambas são frutos de aspecto teórico e lógico. Dooyeweerd trabalha essa ideia mostrando a história do desenvolvimento filosófico e teológico (p. 163).

Ainda na terceira parte Dooyeweerd desenvolve uma rica contribuição para os teólogos, mostrando como a teologia se relaciona com a filosofia e com o aspecto de fé, principalmente para com a Palavra-revelação. Onde antes poderia haver confusão com essa relação, agora temos uma nítida distinção entre elas. A filosofia serve à teologia, pois a teologia precisa fazer o uso da filosofia por conta de seu aspecto teórico e lógico. Também, a teologia não pode ser absolutizada como intermediária para a Palavra-revelação, tornando-se idolatria, sendo ela fruto de exegese e dogmas criados por homens, assim podendo ser falhos (p. 182). Respeitando a cosmovisão cristã de criação, queda e redenção, Dooyeweerd não negocia o impacto da queda no pecado em todas as áreas da humanidade, nem mesmo na teologia.

Por último, a terceira parte é útil para expor como a influência de uma filosofia dualista foi herdada e fundida com uma teologia escolástica e posteriormente perpetuada pela Igreja Católica Romana. Como reformado, Dooyeweerd também condena a escolástica protestante e, assim, sua crítica não está diretamente na tradição religiosa, mas na forma de como concessões foram feitas, sendo chamadas de autônomas, não reconhecendo seus pressupostos aristotélicos e violando princípios bíblicos. O interessante é que o argumento mais forte que Dooyeweerd utiliza durante toda a obra para qualquer tipo de crítica teológica é a máxima criação, queda no pecado e redenção em Jesus Cristo na comunhão do Espírito Santo.=, afirmação essa que deveria ser absolutamente ponto central de concordância para todos os cristãos. Ou seja, com um argumento simples, porém, bem fundamento, muita luz é possível ser trazida para um meio de confusão teológica e filosófica.

A quarta e última parte do livro é dedicada a explicação do eu. Intitulada Rumo a uma antropologia radicalmente bíblica, essa parte, em resposta ao existencialismo, desenvolve temas sobre a compreensão do eu a partir do motivo bíblico (p. 241). Mostrando como o homem foi apresentado a si mesmo através do Criador, ao invés de ser algo em si mesmo para si (p. 244), resultando na impossibilidade de haver um autoconhecimento real a parte de Jesus Cristo.

Concluindo, a obra No crepúsculo do pensamento ocidental cumpre muito bem sua função de apresentar uma introdução ao pensamento de Dooyeweerd. Vale reforçar também o importante trabalho das notas de rodapé juntamente com os tradutores para a língua portuguesa, que facilitaram muito a compreensão de conceitos abstratos para leigos. Embora seja um livro de fácil leitura, o leitor talvez leve um tempo para se adequar durante a leitura com o vocabulário de Dooyeweerd, fazendo-se muito útil o glossário contido no final do livro.

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