No início de 2019 uma pesquisa realizada pelo instituto da LifeWay Research concluiu que 66% dos jovens cristãos abandonam a igreja durante os anos da faculdade. Uma das causas relacionadas seria a mudança de hábitos e prioridades dos estudantes após o ingresso na vida universitária. Recentemente essa mesma pesquisa esteve presente nas redes sociais abrindo novamente o debate sobre os motivos para tamanha evasão. Entre eles estaria o assédio ideológico de professores marxistas e ateus.
Em torno da discussão, parece haver a crença básica de que o ambiente acadêmico seria, por natureza, um lugar inóspito e hostil às crenças do jovem cristão; assim, o problema estaria na própria universidade. Não é incomum, por exemplo, um estudante cristão de humanidades, como história ou filosofia, ser questionado sobre como consegue conciliar a sua fé com o seu curso.
Conciliar: isto é, o pressuposto é o da existência de um inerente conflito entre essas duas áreas da vida. No clássico A mente cristã, o escritor Harry Blamires (1916-2017) questionou essa ideia. Para Blamires, o problema, na verdade, se encontra naquilo que ele chamou de secularização mental dos cristãos, que não tem como causa necessária o ambiente universitário. É um problema que diz respeito, antes de tudo, à cosmovisão:
A secularização mental dos cristãos quer dizer que, nos dias de hoje, nos encontramos só como seres que prestam culto e como seres morais, não como seres pensantes. Concordamos que é correto comparecer à casa do Senhor. Concordamos que é pecado cometer adultério ou falar mal do nosso próximo. Mas não podemos nos reunir, como cristãos pensantes, para discutir controversas questões políticas, sociais e culturais, cuja discussão em público constitui a vida intelectual vigorosa de muitas pessoas tanto dentro quanto fora da igreja. (BLAMIRES, 2006, p. 26)
Ex-aluno de C. S. Lewis, sendo inclusive motivado por ele a escrever sobre o cristianismo, Blamires foi um homem que soube discernir o espírito de seu tempo. O problema de jovens abandonarem a igreja após o ingresso na vida acadêmica, na verdade, não se encontra primordialmente na universidade ou em algum tipo de assédio ideológico, mas na falta de “uma visão religiosa da vida como um todo” por parte desses jovens, ocasionada pela “abdicação intelectual da igreja que está por trás da descida fácil do cristão moderno para o secularismo mental” (BLAMIRES, 2006, p. 8, 16).
Dessa abdicação, ocorre a ausência de um discipulado cristão saudável que compreenda o senhorio de Cristo sobre todas as áreas da vida, inclusive a acadêmica, e um consequente anti-intelectualismo que compromete esse mesmo senhorio, embora Ele seja o mesmo Deus que, por intermédio do apóstolo, recomendou àqueles que crêem a glorificá-lO também com a mente (Rm 12:2; 2Co 10:5).
Referência Bibliográfica
BLAMIRES, Harry. A mente cristã: como um cristão deve pensar? Trad. Hope Gordon Silva. São Paulo: Shedd Publicações, 2006.
4 comments
Artur Branco
Muito bom!! Esclarecedor!
ALESSANDRA RUBIA PINTO DO NASCIMENTO
Muito excelente o texto. Gostaria de ler mais sobre.
Josué D. Martins
Gostei bastante! Muito bom!
Lucas Ferreira Rodrigues
Sintético e claro.
Invisble College, obrigado por esse texto. Obrigado Douglas Quintiliano.
É emergente a necessidade da igreja brasileira compreender mais sobre cosmovisão. Muitos jovens crentes em Jesus que, assim como eu, decidem fazer um curso de humanas, ainda não são encorajados pelos irmãos. Isso precisa mudar! Nós, cristãos, precisamos ocupar mais os espaços universitários, inclusive as faculdades das ciências humanas, como história e filosofia.
As vezes ouço pelas paredes, outras vezes ouço face a face, murmúrios, ideias e pensamentos, de gente que está carente de Jesus Cristo. Elas precisam do evangelho! Precisamos estar lá! Precisamos pregar para elas que o Senhor é soberano sobre cada centímetro quadrado da realidade. Que o Senhor Jesus Cristo é soberano sobre a filosofia, a história e qualquer outra disciplina. É necessário compreender e ensinar isso.
Soli Deo Gloria.
Deus sabe como essa página ajuda a mim e a muitos compreender de maneira mais profunda o Evangelho.