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O enigma, os modos verbais e os modos da vida

Artigo escrito por Letícia Macedo de Almeida, estudante do Programa de Tutoria Avançada 2024


“O enigma da existência encara todas as eras da humanidade com o mesmo semblante misterioso; nós avistamos suas características, as temos de adivinhar a alma por trás dela.”

(Wilhelm Dilthey)

Introdução
A observação que o autor acima faz torna explícita a dúvida que circunda o ser humano desde o primeiro momento de sua consciência até o seu último momento de vida. Concordando com o pensador, Jonas Madureira afirma que “o mistério é um elemento legítimo da realidade”1. Inerentemente à nossa existência está o complexo questionamento do porquê, afinal, existimos e qual será o nosso fim. A simples e, porém, determinante dúvida deve ser cuidadosamente analisada e respondida, pois, será a partir dela que todo o curso da vida tomará forma. Diante da declaração de Dilthey, o teólogo David Naugle realiza a certeira observação de que “a vida humana é, em grande parte, conduzida no modo interrogativo”2. A resposta à dúvida determinará qual rumo o coração humano tomará para si. Diante disso, o presente artigo se propõe a defender a verdade de que o Evangelho responde os enigmas presentes no âmago do ser humano. 

Modos verbais e o Evangelho
Para começar, na língua portuguesa existem três modos verbais: os modos subjuntivo, indicativo e imperativo. A partir deles, então, podemos traçar um paralelo com a realidade da vida humana. Diante das afirmações filosóficas acima, podemos afirmar que o ser humano, naturalmente, se encontra no modo subjuntivo, o modo da dúvida e da incerteza. Naugle diz que “a vida mesma é um enigma que requer explicação”3. Enquanto se está nesse modo, há a busca e o desejo pela resposta. A resposta se encontra no modo indicativo, e acerca disso, Vanhoozer afirma que os “indicativos são usados para declarar fatos”4. Infere-se, portanto, que o modo indicativo pelo qual se vive é a verdade que explica toda a realidade, e a partir disso, vive-se de acordo com ela, no modo imperativo. Entretanto, a realidade é uma só. A maneira como ela é apreendida se difere de indivíduo para indivíduo, mas a realidade é a mesma. Logo, há uma verdade sobre tudo, sendo todas as outras afirmações falsas. Seguindo o raciocínio das Escrituras, o Evangelho está no modo indicativo. Elas registram a Palavra do Deus Criador do mundo acerca do mundo. Diferentemente de todas as análises de outros homens e religiões que partem do micro para o Macro, a Bíblia parte do Macro para o micro, da Transcendência para a Imanência, do Cosmo para o átomo, do Celeste para o pó. Esta Palavra afirma-se por si só, descrevendo o que é, como é e o que será. Não necessita de aprovação humana, apenas submissão à verdade inquestionável que Deus apresenta. 

A recusa da realidade e seu antídoto
Apesar de nosso próprio coração, juntamente com a criação e a Bíblia testemunharem acerca da realidade de Deus, recusamos enxergar a verdade. O Senhor nos esclarece isso em Romanos 1:21, que diz: “porque, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe renderam graças, mas os seus pensamentos se tornaram fúteis e o coração insensato deles obscureceu-se”. Por causa do pecado que nos afetou em todas as áreas, nos afastamos de Deus e de tudo o que honra a Deus, mesmo que isso inclua negar a própria realidade. É por isso que “pode-se dizer que o teólogo é um ministro da realidade”5, pois ele expõe o incrédulo ao verdadeiro mundo quando prega o Evangelho, a Palavra da verdade. “O teólogo ajuda as pessoas a ter um encontro com a realidade”6. Ao contrário do que se pensa da irracionalidade da fé cristã na cultura Ocidental, John Frame combate este sofisma7 ao dizer que “aquilo que Deus diz não poderá ser irracional nem imoral, pois suas palavras definem racionalidade e moralidade para nós. […] Assim, a fé não é crença na ausência de evidência; antes, a fé honra a palavra de Deus como evidência suficiente”8.  Isso, pois, como afirma Vanhoozer, “o evangelho é um indicador confiável da realidade, visto que revela a natureza e o propósito, a origem e o destino, da totalidade da ordem criada”9.

O imperativo de viver

Desse modo, somente saímos do modo interrogativo de vida quando encontramos o modo indicativo, a verdade sobre o mundo, e, ao encontrá-lo, passamos a viver de acordo com ele, ou seja, no modo imperativo. Seguindo o raciocínio de Kevin, “o indicativo evangélico […] contém ainda um imperativo implícito, uma exigência intensa de se conformar com o que é/está e participar com júbilo no que é10. Deus não nos deixa à mercê de nós mesmo, apesar de nós. Além de abrir nossos olhos para enxergar a realidade, nos conduz para viver de acordo com aquilo que vemos. Para tanto, é necessário ter a correta visão, e esta é formada pela Palavra de Deus, a fim de desenvolver “perspectivas bíblicas sobre todos os aspectos da vida humana”11. Viver de forma coerente é uma necessidade do coração, isso porque, como diz Naugle, “a mente humana não se satisfaz com um conhecimento fragmentado, mas busca integridade na compreensão da realidade”12. Para isso, é necessário unir a teoria e a prática, o interno e o externo, para viver uma vida na sua integralidade. A Palavra de Deus, ao regenerar o coração do pecador, continua a fazer a obra de transformação no coração, na mente e nas atitudes, formando, assim, uma visão de mundo que seja cada vez mais fiel a Deus.

A resposta para o enigma 

Dessa forma, é possível observar que a solução para as questões humanas se encontra no Evangelho, sendo a visão total sobre o mundo. Contribuindo com o raciocínio, David afirma: “O cristianismo não é apenas um monte de fragmentos e pedaços; há um começo e um fim, todo um sistema de verdade, e esse é o único sistema que pode resistir a todas as perguntas que nos são apresentadas ao enfrentarmos a realidade da existência”13.

Diante do que foi exposto, podemos afirmar que “o coração do homem foi criado para Deus e não pode encontrar descanso sem repousar no coração do seu Pai”14. A paz e a satisfação do corpo, mente e alma se encontram somente em Deus. Portanto, concordamos com Bavinck quando ele diz que “o homem é um enigma cuja solução só pode ser encontrada em Deus”15.


1MADUREIRA, Jonas. Inteligência humilhada. São Paulo. Vida Nova. 2017. p. 126.

2NAUGLE, David K. Cosmovisão: a história de um conceito. Tradução: Marcelo Herberts. 1ª edição. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2017, p. 123.

3Ibid., p. 122.

4VANHOOZER, Kevin J.; STRACHAN, Owen. O pastor como teólogo público: recuperando uma visão perdida. Trad.: Marcio L. Redondo. 1 ed. São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 146.

5Ibid., p. 146.

6Ibid., p. 147.

7Argumento ou raciocínio concebido com o objetivo de produzir a ilusão da verdade, que, embora simule um acordo com as regras da lógica, apresenta, na realidade, uma estrutura interna inconsistente, incorreta e deliberadamente enganosa.

9VANHOOZER; STRACHAN op. cit., p. 147.

8FRAME, JohnApologética para a glória de Deus: uma introdução. Trad. Wadislau Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.

10VANHOOZER; STRACHAN, op. cit., p. 160.

11NAUGLE op. cit., p. 16.

12Ibid., p. 35.

13NAUGLE op.cit., p. 60.

14BAVINCK, Herman. As Maravilhas de Deus: instrução na religião cristã de acordo com a confissão reformada. Tradução: David Brum Soares. 1 ed. São Paulo. Pilgrim Serviços e Aplicações. 2021. p. 49.

15Ibid., p. 50.


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Referências bibliográficas

BAVINCK, Herman. As Maravilhas de Deus: instrução na religião cristã de acordo com a confissão reformada. Tradução: David Brum Soares. 1 ed. São Paulo. Pilgrim Serviços e Aplicações. 2021. 736 p. 

FRAME, JohnApologética para a glória de Deus: uma introdução. Trad. Wadislau Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.

MADUREIRA, Jonas. Inteligência humilhada. São Paulo. Vida Nova. 2017. 336 p.

NAUGLE, David K. Cosmovisão: a história de um conceito. Tradução: Marcelo Herberts. 1ª edição. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2017. 488 p.

SOFISMA. In: EcoHarmonia. Disponível em: http://www.ecoharmonia.com/2016/06/o-que-e-sofismo.html. Acesso em: 03/03/2024.

VANHOOZER, Kevin J.; STRACHAN, Owen. O pastor como teólogo público: recuperando uma visão perdida. Trad.: Marcio L. Redondo. 1 ed. São Paulo: Vida Nova, 2016.