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O humanismo e a leitura “acrística” do Antigo Testamento

Artigo escrito por Camilla Ferreira de Lima, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2024


Igrejas antropocêntricas, pregações voltadas para a satisfação humana, liturgias calculadas para o alívio de angústias materiais. Esses modelos não são raros no atual contexto das igrejas cristãs e não é difícil encontrar alguém que já tenha experimentado cultos com essas características. Há diversos fatores, vindos da sociologia, da filosofia, da comunicação, da teologia, e de outras áreas, que tentam explicar essas alterações eclesiológicas ao longo da história. Porém, gostaria de apresentar uma causa simples, que não exclui as outras, pelo contrário, as complementa: a leitura “acrística” (ou sem Cristo) do Antigo Testamento.

Os 39 livros do Antigo Testamento podem servir para uma variedade infinita de propósitos. Gênesis e Jó, por exemplo, podem ser belos livros de histórias. O Salmo 91 pode ficar aberto em cima da mesa da sala como um amuleto místico de proteção. Levítico e Números podem ser relatos históricos fantásticos da organização moral, religiosa e comunitária de uma sociedade inteira. Mas, se fossem só isso, qual utilidade teriam para a história da redenção?

Na verdade, é necessário explicar o conceito de história da redenção primeiro. Desde Gênesis, na criação, passando pela queda do homem, até a consumação de todas as coisas, no final de Apocalipse, existe um fio condutor. Ao contrário do akai ito da mitologia japonesa, esse fio não é vermelho e não une duas pessoas. Talvez ele esteja mais próximo a um ouroboros, a figura mítica relatada em diversas mitologias que representa uma espiral da eternidade — com seu formato circular, o ouroboros começa onde termina e vice-versa. Esse fio condutor, a redenção de todas as coisas, é guiado por um Deus onisciente que não perdeu o controle do que planejou executar. 

Nesse sentido, no plano eterno da redenção, Cristo era a Palavra e estava presente desde o princípio, que a Bíblia não diz exatamente quando aconteceu, pois o princípio sempre existiu. Cristo também permanece após o fim. Ele é o Alfa e o Ômega e não há sequer um momento da história em que Ele não tenha estado lá. Por que, então, nos atrevemos a ler um texto sagrado sem a Sua presença? Não estaríamos fazendo igual a um não cristão, descompromissado com as doutrinas básicas da fé? Porém, o que vemos em algumas igrejas — independentemente de denominação, não é este o foco aqui — é esse atrevimento se tornando uma prática, ou, pior, a base de toda a liturgia.

Com efeito, na interpretação e aplicação das Escrituras, é fácil recortar um personagem de uma narrativa, isolá-lo do contexto e aplicar uma moral anacrônica para, ao final, depositar o centro da mensagem no entendimento do ouvinte. Quando selecionamos personagens específicos e dizemos que nosso ouvinte precisa ser como ele, não só passamos a exercer uma esperança antropocêntrica na qual a qualidade de ser humano torna-se fundamental, mas também tiramos da equação a razão de ser daquele texto: apontar para a redenção que Cristo oferece.

Mesmo em Hebreus 11, um texto dedicado a relatar os principais personagens do Antigo Testamento que exerceram sua fé de modo sobrenatural a ponto de servirem como exemplo, o autor deixa claro que essas pessoas não chegaram ali por mérito próprio. Em Hebreus 12:2, temos que a razão dessa fé é o próprio Cristo Jesus. Sem Ele, não podemos fazer nada (Jo 15:5), quanto menos acreditar naquilo que não vemos.

Não só nas pregações, mas também nas liturgias, é possível encontrar elementos de antropocentrismo. Algumas vezes eles podem aparecer disfarçados de simbolismo, como quando elementos do Antigo Testamento são resgatados e inseridos no culto para criar uma conexão entre o ouvinte e aquela passagem bíblica. Ao final, a mensagem se resume em esperanças de receber bênçãos materiais e gira em torno da própria satisfação humana. O culto, então, vira uma bomba de dopamina. Os estímulos são diversos — sonoros, visuais, afetivos — e servem para criar um ambiente de expectativa em cima de um deus que vai te colocar acima dos outros, que vai garantir a sua vingança contra aquela pessoa, ou que vai te dar aquela bênção material para que os outros vejam como você é diferenciado. Tudo isso geralmente baseado em versículos isolados, sem nenhuma referência a Cristo ou, pior, com interpretações equivocadas sobre Ele.

Por fim, também não adianta pregar Cristo a qualquer custo, afinal, estaríamos desprezando a autoridade da mensagem (GREIDANUS, 2023, n.p.). Forçar um simbolismo onde ele não está leva a interpretações equivocadas, não baseadas no próprio texto, mas, sim em pressupostos de quem interpreta. Quando tiramos Cristo do texto, colocamos o ser humano, mas quando colocamos Cristo onde Ele não está, também colocamos o ser humano. O contrário do cristocentrismo só pode ser o humanismo. E, se a história da redenção é baseada em um Redentor, ela não pode ter o ser humano no centro de sua existência.


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Referências bibliográficas
GREIDANUS, Sidney. Pregando Cristo a partir do Antigo Testamento. Tradução: Elizabeth Gomes. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2019. 571 p.