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Por uma igreja fiel e relevante: o caráter missional da cosmovisão cristã

Artigo escrito por Octavio Betiolo Teles Indart, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2024


“Fiz-me tudo para com todos, com fim de, por todos os modos, salvar alguns.”

(1 Coríntios 9. 22b)

A partir de seu próprio exemplo, Paulo argumenta a respeito de seu ministério ao escrever que não pregava o evangelho em busca de benefícios pessoais, o que colocaria em risco a credibilidade de sua pregação (cf. 1 Co 9:15-18). Assim, ele escreveu que se fez “escravo de todos”, “para com os judeus, como um judeu”1, “ao sem lei, como se eu mesmo o fosse”2, “fraco para com os fracos”3 e de “tudo para com todos, com fim de, por todos os modos, salvar alguns” (cf 1 Co 9:20-22). Nesses versículos, Paulo demonstra uma compreensão genuinamente cristã a respeito de como devemos nos portar diante de grupos sociais com demandas específicas a respeito da fé em Jesus.

Isso não significa que Paulo alterasse a mensagem, mas o formato de comunicação para que o evangelho fosse compreendido em diferentes culturas e sociedades, até mesmo como forma de aprofundar o conhecimento a respeito de quem Deus é. Embora o termo não apareça na passagem de 1 Coríntios (nem em outra parte das Escrituras), a cosmovisão de Paulo era distintamente fundamentada no evangelho de Cristo. Para ele, toda sua vida, seus esforços, seu propósito e missão era a pregação da mensagem de salvação em Cristo: “tudo faço por causa do evangelho, com o fim de me tornar cooperador com ele.” (1 Co 9:23). Da mesma forma, nós, enquanto cristãos, devemos ter uma cosmovisão genuinamente fundamentada no evangelho de Jesus, para estarmos prontos a responder às demandas contemporâneas de nossa mais que diversa e plural sociedade. Nesse sentido, é de grande importância compreendermos o conceito cosmovisão.

Para James Sire, cosmovisão é “um conjunto de pressuposições (suposições que podem ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou totalmente falsas) que sustentamos (consciente ou subconscientemente, consistente ou inconsistentemente) sobre a constituição básica de nosso mundo”4. Assim, o conceito de cosmovisão diz respeito aà forma de como compreendemos o mundo ao nosso redor, sendo o que determina o conjunto de valores de uma sociedade e de seus indivíduos. São as estruturas perceptivas das formas de se identificar e enxergar o mundo.

A ideia de cosmovisão, como um conceito filosófico, não surgiu necessariamente dos círculos de pensamento cristão. Segundo Michael Goheen e Craig Bartholomew, a palavra foi usada pela primeira vez por Immanuel Kant, em 17905. Contudo, os autores escrevem que o conceito não foi central no pensamento de Kant, sendo utilizado apenas uma vez. É a partir do início do século XX que o termo passa a ser apropriado ao pensamento cristão. Para isso, os teólogos Abraham Kuyper (1837-1920) e James Orr (1844-1913) ocupam papel importante na história do pensamento cristão. Goheen e Bartholomew escrevem que ambos “recorreram ao conceito de cosmovisão para responder à cultura pós-iluminista que estava chegando para dominar o Ocidente”6. Nesse contexto, apontam Goheen e Bartholomew, era necessário apresentar o cristianismo enquanto uma cosmovisão capaz de englobar todos os aspectos da vida humana. 

É a partir dessa concepção que a cosmovisão cristã deve apresentar o evangelho como a narrativa verdadeira, não apenas como uma alternativa às diversas narrativas presente em nossos dias, mas como a alternativa, ou melhor, como o caminho para os seres humanos. Contudo, essa não é uma tarefa fácil, pois cada cultura apresentará uma cosmovisão que entra em choque com a verdade do evangelho. Nesse sentido, Goheen e Bartholomew escrevem que 

A questão é se nossa fé estará concentrada em Jesus e seu reino como chave para compreender o mundo como um todo e sua história, ou se abraçaremos como verdadeira a narrativa cultural, cedendo, desse modo, à sua pressão para limitar nossa fé à esfera pessoal da mera “religião”. Se a igreja é fiel e comprometida em demonstrar na totalidade de sua vida que o evangelho é verdadeiro, haverá um embate missionário, um choque entre a narrativa bíblica e a narrativa ocidental7.

Assim, a verdadeira cosmovisão está inserida na grande narrativa bíblica: criação, queda e redenção, sendo fruto de uma vida de relacionamento íntimo com Deus por meio de Jesus Cristo. E não fará concessões para que a mensagem do evangelho seja relevante às sociedades contemporâneas. Goheen e Bartholomew também escrevem que

Se quisermos viver e encarar o evangelho em nosso tempo e lugar, precisamos praticar aquilo que John Stott chamou de “audição dupla”, um ouvido atentando para o que as Escrituras e a tradição cristã dizem, e outro atentando para aquilo que está se passando na cultura ao redor. Só dessa forma estaremos devidamente equipados para viver para Cristo8.

Portanto, é necessário retomar à cosmovisão genuinamente cristã e, mais ainda, é necessário que cristãos e cristãs compreendam o que é uma cosmovisão genuinamente cristã e qual nosso lugar na grande narrativa bíblica. Nosso testemunho sempre será contextualizado, sem abrir mão dos valores do reino de Deus, descritos nas Escrituras. E nossas comunidades de fé devem ser pontos de ensino, discussão e treinamento para que nosso testemunho seja fiel ao Evangelho de Cristo, para que, assim, cumpramos nosso chamado à missão cultural de anunciar as boas novas de que Deus está restaurando a criação (humana e não humana) em Cristo Jesus!


1Como judeu, Paulo se refere aqui ao comportamento religioso pelo qual os judeus estabeleciam sua relação com Deus. Embora Paulo tenha abandonado os ritos judaicos, ele praticava alguns deles (cf. At 16.13) para evitar que sua pregação fosse rejeitada.

2Paulo escreve que, para que o evangelho fosse pregado entre os gentios, era necessário que ele estabelecesse pontes de diálogo.

3Aqui o apóstolo se refere aos cristãos que ainda não possuíam uma perspectiva plenamente fundamentada na perspectiva cristã (cf. 1 Co 8.7).

4SIRE, James W. Dando nome ao elefante: cosmovisão como um conceito. Tradução de Paulo Zacharias e Marcelo Herberts – Brasília, DF: Editora Monergismo, 2012. p. 19.

5GOHEEN, Michael W. e BARTHOLOMEW, Craig G. Introdução à cosmovisão cristã: vivendo na intersecção entre a visão bíblica e a contemporânea. Tradução de Márcio Loureiro Redondo. São Paulo: Vida Nova, 2016. p. 36.

6Ibid., p. 39.

7Ibid., p. 32.

8Ibid., p. 164.


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Referências bibliográficas

Bíblia de Estudo da Reforma. Barueri, SP. Sociedade Bíblica do Brasil, 2017. 2304 p.

GOHEEN, Michael W. e BARTHOLOMEW, Craig G. Introdução à cosmovisão cristã: vivendo na intersecção entre a visão bíblica e a contemporânea. Tradução de Márcio Loureiro Redondo. São Paulo: Vida Nova, 2016. 272 p.

SIRE, James W. Dando nome ao elefante: cosmovisão como um conceito. Tradução de Paulo Zacharias e Marcelo Herberts. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2012.