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Resenha: a arte moderna e a morte de uma cultura

Resenha escrita por Erica Campos Vieira Braz, estudante do Programa de Tutoria Avançada 2023


ROOKMAAKER, H. R. A arte moderna e a morte de uma cultura. Tradução Valéria Lamim Delgado Fernandes. Viçosa: Ultimato, 2015. 279 p.


Hans R. Hookmaaker, autor de A arte moderna e a morte de uma cultura, foi professor de história da arte da Universidade Livre de Amsterdã, tendo deixado departamentos de arte estruturados tanto na Europa como nos Estados Unidos. Escreveu vários livros e artigos, alguns publicados em língua portuguesa. O autor foi preso durante a II Guerra Mundial por distribuir folhetos antinazistas. Tornou-se cristão por meio da leitura da Bíblia, que ganhou enquanto preso, além do contato e influência de outros cristãos também presos. Queria compartilhar com a igreja e com o não especialista o que descobrira como cristão em seus estudos.

O livro em questão surgiu de uma série de palestras proferidas pelo autor no final dos anos sessenta, época de contracultura e revolução estudantil, em escolas de arte e universidades britânicas e norte-americanas, mostrando a sua capacidade de expressar sua fé e grande conhecimento à altura da ocasião. A obra se divide em oito capítulos, além de introdução, prefácio e índice remissivo. A leitura é fluída e não apresenta maiores dificuldades, mesmo para aqueles não familiarizados com o assunto. O autor apresenta vários quadros e desenhos, analisando e contextualizando o pano de fundo por trás da ideologia e movimento moderno.

Após cinquenta anos da sua publicação original, pode-se afirmar que seu argumento é simples e extremamente bem elaborado, deixando claro que grande parte da produção e consequente compreensão do universo das artes no século passado se caracteriza pelo abandono das crenças fundamentais que formavam a pedra angular da cultura ocidental. Seja em sua visão cristã, seja em sua visão humanista, esse fato acabou gerando uma visão, no mínimo, questionável da realidade, produção e fruição artística. A clareza com que Rookmaaker demonstrou o caminho traçado pela arte até sua expressão contemporânea tornou essa obra reconhecida e apreciada.

É deveras interessante a abordagem que o autor faz no terceiro capítulo, sobre o conflito entre o método histórico científico moderno e o modo como a Bíblia conta sua verdadeira história. Ao passo que alguns afirmam ser um sacrifício do intelecto crer no que as Escrituras dizem em nossa era tecnológica moderna, Rookmaaker afirma:

Mas eu gostaria de dizer que, pelo contrário, devemos realmente dar ouvidos à Bíblia e não olhar apenas para o que ela diz, mas também para os métodos que ela usa, pois os escritores bíblicos eram mais profundos e estavam mais perto da plenitude da verdade do que nós, homens modernos; e não só escreveram como homens, mas sua mensagem é a revelação de Deus e, por isso, sua abordagem dos “fatos” e da “realidade” é normativa para nós. Reduzimos a realidade, e a realidade tecnológica nada é, senão uma caixa limitada pelo modo como o cientista vê a realidade, excluindo tudo o que vai além da razão racionalista e da natureza naturalista (ROOKMAAKER, 2015, p. 83).

O capítulo sete, em particular, por tratar da arte moderna e a rebelião do século XX, deixa nítida a crítica do autor ao surrealismo, à expressão abstrata, ao neodadaísmo e aos demais movimentos modernos:

Na verdade, quando encaramos essas obras de arte, não podemos escapar do fato de que nossa própria visão da realidade é desafiada. Inevitavelmente somos levados a discutir com o homem moderno sobre suas ideias, valores, normas e a verdade suprema, sobre a humanidade e nossa responsabilidade de ajudar a construir o mundo futuro. Esses são problemas profundos e difíceis, sem dúvida. Mas o bom nessa arte é que faz com que todas as respostas mesquinhas, todas as tradições desgastadas, todas as ideias que não estão firmemente baseadas na verdade real fiquem pálidas, inúteis e sem sentido (ROOKMAAKER, 2015, p. 180).

As velhas imagens humanistas estão desbotadas, e os velhos valores normalmente não têm mais muito uso, uma vez que não respondem aos problemas de nossos dias. E, em meio a isso, esses homens estão buscando novas formas e novas respostas. Talvez esteja surgindo uma nova cultura que só poderá vir a existir quando a velha civilização estiver completamente destruída. Mas se as coisas continuarem da forma que estão, a nova cultura não será humanista nem cristã (ROOKMAAKER, 2015, p. 181).

Não podemos deixar de destacar a grande capacidade de análise crítica e visão ou entendimento do seu tempo. Em que pese as críticas que recebeu, o passar das décadas mostram que o autor tinha muito conhecimento técnico sobre arte e que nenhum desses movimentos artísticos perdurou ou marcou época como outrora acontecia, o que lhe dá uma certa razão. Muita coisa aconteceu nesse meio século. Podemos até dizer que, de modo geral, esse conjunto de movimentos modernos contemporâneos marcou o século XX, mas não vislumbramos nenhum deles como a marca registrada do século. Tampouco podemos afirmar que a velha civilização foi estruída e uma nova cultura se formou. Continuamos em transição para o que ainda não se sabe.

No fim do livro, o autor afirma que verdade, honra, justiça, amabilidade, excelência e louvor são normas para a arte, assim como o são para a vida. O amor é a grande norma na arte também, pois envolve fazer as coisas que são corretas e adequadas, ajudar nosso próximo e tornar esse mundo mais belo e harmonioso. A beleza, nesse sentido, é subproduto do amor, da vida em sua plenitude, com amor e liberdade. O artista, com seu talento especial, tem a tarefa específica de tornar melhor a vida mais digna de consideração, de criar – som, forma, história, decoração, ambiente, moda, escultura, intervenção, coreografia etc. – o que seja significativo, agradável e uma alegria para a humanidade.

E que o artista cristão confie na inspiração do Espírito Santo e na renovação da sua vida em Cristo, não somente para reconhecer a fonte do dom que ele tem, mas também para ter o amor e a liberdade que lhe permitirão criar o bem e o belo (ROOKMAAKER, 2015, p. 260).

Por tudo isso, A arte moderna e a morte de uma cultura é leitura obrigatória para quem gosta de arte, não apenas para os cristãos. O autor faz uma análise histórica e crítica do desenvolvimento da arte ainda hoje válida e atual, dando bom subsídio para qualquer prática, leitura e estudo de arte. Além disso, ao aplicar a filosofia reformada e a sua visão cristã em todos os seus argumentos e análises críticas e históricas, nos impede de termos uma visão reducionista da arte nas suas mais diversas manifestações e nos encoraja a buscar a glória de Deus também nesse aspecto tão importante da vida.