Artigo escrito por Wesley Calland Serra de Almeida, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2024
O que você sabe sobre a história da igreja cristã? Se você é um cristão protestante, é provável que tenha ouvido falar sobre os reformadores do século XVI, talvez sobre os puritanos dos séculos XVI e XVII, sobre Jonathan Edwards no século XVIII, Spurgeon no século XIX e outros grandes nomes mais recentes. Porém, persiste o questionamento: o que você conhece acerca de seus irmãos na fé que viveram desde o século I até o século XXI? O que sabe sobre como essas pessoas colocaram em prática o cristianismo em cada época, diante das realidades que enfrentaram?
Nas igrejas cristãs de tradição protestante, é comum ouvir sobre o papel que os reformadores tiveram em purificar a igreja das contaminações existentes, buscando um resgate da fé e das verdades bíblicas ensinadas no período apostólico. É muito bom conhecer sobre isso. Porém, tem sido deixado de lado a história pré-reforma da igreja cristã, fazendo com que haja uma grande lacuna quando os cristãos pensam sobre a linha do tempo do cristianismo ao longo dos séculos. É exatamente nessa lacuna que estão os pais da igreja, gigantes da fé como Atanásio, Agostinho, além dos grandes concílios da igreja antiga com seus credos fundamentais para a teologia, dentre outros. Trata-se de uma parte importante da história cristã, que precisa ser resgatada, conhecida e valorizada.
Bryan Liftin notou a tendência entre os evangélicos de observar a história cristã apenas no período pós-Reforma e então saltar diretamente para a era apostólica:
Parece que há certa historiografia (ou modo de ver a história) sendo transmitida sutilmente entre muitos evangélicos hoje. É algo basicamente assim: a era do Novo Testamento foi “boa”, e, durante um ou dois séculos, a igreja foi “pura”. Mas, então, as gerações seguintes começaram a perverter a verdade apostólica […] Apenas com o advento dos reformadores protestantes o cristianismo apostólico foi finalmente recuperado. Desse modo, foi necessário transpor os períodos antigo e medieval com uma espécie de ponte protestante (LIFTIN, 2007, p. 28).
Essa abordagem, que Liftin chama de “historiografia da queda”, acaba vendo a história de forma simplista, ao ignorar as nuances vividas durante um longo período do cristianismo. Não se pode esquecer que o Senhor está com seu povo em todas as eras e que a fé que recebemos hoje é também fruto desses irmãos que viveram antes e que enfrentaram os dilemas de seu tempo pondo em prática o cristianismo. Os próprios reformadores, como Calvino e Lutero, muitas vezes utilizaram a história cristã antiga, dos pais da igreja, como boas referências naquilo em que foram fiéis às Escrituras.
Esnobar parte da história cristã, ou ainda o seu todo, em favor do que parece ser mais atual e mais relevante hoje, acarreta o perigo de se criar presas fáceis, suscetíveis a heresias obsoletas, erros que já foram há muito contestados e rechaçados, porém reapresentados em novas roupagens para seduzir os incautos. Como diz C. S. Lewis:
Consequentemente, se você não dá ouvidos à Teologia, isso não vai significar ausência de ideias sobre Deus, mas sim a presença de um monte de ideias erradas sobre ele — ideias más, confusas, obsoletas. Pois uma grande quantidade de ideias sobre Deus, disseminadas hoje como se fossem novidades, não são nada além daquelas que os verdadeiros teólogos testaram séculos atrás e rejeitaram. Acreditar na religião popular do mundo moderno é um retrocesso — seria como acreditar que a terra é plana (LEWIS, 2017, p. 137).
Na jornada cristã, é imprescindível utilizar as ferramentas que o passado nos oferece. Nas palavras da parábola de Cristo: “todo escriba versado no reino dos céus é semelhante a um pai de família que tira do seu depósito coisas novas e coisas velhas” (Mt. 13.52). Há virtude na boa teologia sendo aplicada aos problemas atuais, porém é importante também conhecer como essa teologia foi desenvolvida até chegar às nossas mãos.
Um grande valor associado ao estudo da história da fé cristã, especialmente em uma época tomada por discussões de internet, polarização e conflitos, é a prática de um olhar mais compassivo para com os nossos irmãos. Ao reconhecermos em pessoas do passado, tão diferentes de nós, mas ainda assim nossos irmãos, ligados por meio de uma fé única nos pontos cruciais, temos, então, uma perspectiva correta para observar os que estão à nossa volta. Verdades basilares nortearam o cristianismo ao longo dos séculos, lançando luz também sobre a existência de pontos secundários, os quais, muitas vezes, estão sendo defendidos ferrenhamente hoje, gerando divisão e discórdia na igreja. Quanto mais reducionista é nossa visão sobre o reino de Deus, mais facilmente confundiremos nossas próprias vontades e caprichos como sendo doutrinas primordiais do cristianismo. Estudar a história cristã nos traz humildade.
Para além de evitar erros do passado e ter uma perspectiva correta das doutrinas cristãs, estudar a história da igreja também nos permite conhecer pessoas reais, com seus erros e acertos no processo de santificação, que viveram o cristianismo antes de nós. Esses irmãos já completaram a carreira que lhes estava proposta e, por meio de Cristo, guardaram a fé. Liftin enfatiza a importância de conhecermos mais sobre os pais da igreja e, assim, entendermos mais sobre a comunhão dos santos, do passado e do presente:
Começamos a nos sentir ligados aos crentes que, cada um em sua época, seguiram a Jesus Cristo com entusiasmo, exatamente como o fazemos hoje. Tomamo-nos conscientes de que existe uma ênfase ou um movimento da igreja ao longo do tempo. Por isso, nosso estudo do passado cristão deve nos motivar à realização do ministério e nos exortar à fidelidade. Deve nos dar uma percepção de que não estamos sozinhos, de que somos parte de algo grandioso e magnífico, de que precisamos combater o bom combate em nossa geração da mesma maneira que fizeram os que vieram antes de nós (LIFTIN, 2007, p. 28).
Os pais da igreja pavimentaram caminhos que ainda trilhamos, após mais de 2000 anos de cristianismo. Além deles, muitos outros compõem a história cristã, vários anônimos, porém também muitos cujas histórias não se apagaram com o tempo e estão disponíveis para que as conheçamos hoje. O autor de Hebreus conclamou seus leitores a olharem para os personagens do Antigo Testamento como testemunhas em sua jornada: “Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, desembaraçando-nos de todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia, corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta.” (Hb. 12.1). A mesma ilustração pode ser aplicada a nós, diante de nossos irmãos do passado que já completaram a carreira; são uma multidão, que comunga conosco, e com os quais poderíamos declarar, se estivessem aqui, a uma só voz, os antigos credos.
Em suma, a história da igreja cristã nos pertence. Em cada um dos séculos, nossos irmãos viveram a fé evangélica, lidando com diferentes contextos e dificuldades, porém firmados em uma só Rocha, fazendo parte de um só Reino. Conhecer a história da fé cristã nos torna humildes, nos dá perspectiva sobre o agir de Deus ao longo dos séculos e nos aproxima da comunhão dos santos que experimentaremos de forma perfeita no porvir. Conheçamos, então, cada vez mais dessa história maravilhosa, para que conheçamos cada vez melhor também o Autor da Grande História.
Acreditamos que o estudo teológico é fundamental para todo cristão, e não apenas para pastores ou líderes. Afinal, a teologia nos ajuda a seguir a Cristo em todos os aspectos da nossa vida!
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Referências bibliográficas
BIBLÍA SAGRADA. Revista e Atualizada. Tradução: João Ferreira de Almeida. 2. ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012. 1504 p.
LEWIS, C. S. Cristianismo puro e simples. Tradução: Gabriele Greggersen. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Thomas Nelson Brasil, 2017. 288 p.
LIFTIN, Bryan M. Conhecendo os pais da igreja: uma introdução evangélica. Tradução: Márcio Redondo. São Paulo, SP: Vida Nova, 2015. 256 p.