Porque não vos demos a conhecer o poder e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo seguindo fábulas engenhosamente inventadas, mas nós somos testemunhas oculares da sua majestade.
2 Pedro 1:16
Parecia ser mais um dia como outro qualquer. Era outono de 1979. Depois de mais uma rotina de trabalho, Lee Strobel foi recebido por sua esposa em casa com uma notícia de o deixou espantado: Ela havia se tornado cristã. Tudo menos isso, pensou ele. Strobel não conseguia imaginar que sua esposa Leslie, antes alegre e comunicativa, agora se tornaria uma pessoa reclusa com semblante sério e de poucas palavras. Pelo menos era esse o estereótipo que ele tinha dos cristãos do seu tempo.
Tendo atuado por 13 anos como jornalista investigativo do Chicago Tribune, Srobel não era mais um jovem e, àquela altura da vida, julgava ter motivos suficientes para não acreditar no cristianismo e em nenhum outro tipo de crença religiosa. “Como é que podia existir um Deus amoroso se ele mandava as pessoas para o inferno simplesmente por não acreditarem nele? Como é que os milagres podiam contrariar as leis básicas da natureza? Será que a evolução não era uma explicação satisfatória para a origem da vida? Será que o raciocínio científico não abolia a crença no sobrenatural?” (STROBEL, 2001, p. 17). Munido dessas e outras questões, Strobel se considerava um ateu.
Mas a notícia da conversão de sua esposa o deixou desconcertado. Para sua surpresa, porém, o que se viu nela foi uma mudança tão notória no seu caráter que o fez começar a olhar para o cristianismo com outros olhos. “Quis chegar ao fundo do que estava produzindo essas mudanças sutis, porém significativas, no comportamento de minha esposa, por isso comecei a investigar minuciosamente os fatos favoráveis ao cristianismo” (STROBEL, 2001, p. 18). Foi essa jornada investigativa que deu origem ao seu aclamado livro Em defesa de Cristo:
Cruzei diversas vezes o país — de Minnesota à Geórgia, da Virgínia à Califórnia — para colher pareceres de estudiosos, para desafiá-los com as objeções que tinha quando era cético, para forçá-los a defender seus pontos de vista com dados sólidos e argumentos convincentes e para testá-los com as mesmas perguntas que você faria se tivesse oportunidade (STROBEL, 2001, p. 19).
Casado com Leslie e pai de dois filhos, Lee Strobel é mestre em Direito pela Universidade Yale. Por 13 anos foi jornalista do Chicago Tribune, atuando também em outros jornais americanos. Ateu até 1981, hoje dedica-se exclusivamente à escrita. Já foi pastor da Igreja Saddleback, Califórnia, e membro da diretoria da Associação Willow Creek. Além de Em defesa de Cristo, também é autor de Em defesa da fé, Em defesa da graça e do romance Ambição, todos publicados pela editora Vida. Recentemente a editora Thomas Nelson publicou uma nova edição de Em defesa de Cristo, em 2019.
AS PROVAS DAS TESTEMUNHAS OCULARES: UMA ENTREVISTA COM CRAIG BLOMBERG
Um dos primeiros estudiosos entrevistados por Strobel foi o Dr. Craig Blomberg. Perito em Novo Testamento, com doutorado pela Universidade de Aberdeen, Escócia, Blomberg leciona no Seminário de Denver, Estados Unidos. Entre os seus livros publicados no Brasil, estão Introdução ao evangelhos, A confiabilidade histórica dos evangelhos, Pregando as parábolas, todos pela editora Vida Nova, e Questões cruciais do Novo Testamento, publicado pela editora CPAD.
Levando em conta a sua própria experiência como jornalista investigativo, Strobel reconhecia a importância do testemunho ocular na investigação de fatos históricos. Mas e quando o assunto é a historicidade de Jesus e os evangelhos? Quais são os testemunhos oculares disponíveis? Eles existem? Mesmo depois de tanto tempo, ainda é possível ter acesso a eles? Foram questões como essas que motivaram a entrevista de Strobel com o Dr. Blomberg.
A autoria dos evangelhos
Strobel inicia a entrevista lançando ao Dr. Blomberg uma questão costumeira, geralmente usada pelos críticos do cristianismo como tentativa de descredibilizar o consenso evangélico quanto aos autores normalmente aceitos das quatro biografias de Jesus: Será que alguém não teria motivo algum para mentir, dizendo que aquelas pessoas escreveram os evangelhos, quando na verdade não o fizeram? (STROBEL, 2001, p. 28).
Provavelmente não era a primeira vez que Blomberg se deparava com essa questão. Ao respondê-la, ele começa destacando a singularidade dos autores dos evangelhos. Isto é, eles não se encontravam no hall dos “candidatos” mais populares à autoria dos evangelhos nos primeiros anos da igreja primitiva. Mateus, embora um dos Doze, foi um cobrador de impostos, trabalhava para os romanos. Era visto como um traidor pelos religiosos. “Depois de Judas Iscariotes (que traiu Jesus), seria ele a figura mais abominável” (BLOMBERG apud STROBEL, 2001, p. 28). Marcos e Lucas não compunham o corpo apostólico. Somente João era uma exceção, como o “discípulo amado”.
Blomberg compara esse quadro com o dos “fantasiosos evangelhos apócrifos”, escritos muito tempo depois, cuja autoria era atribuída a pessoas como Filipe, Pedro, Maria e Tiago, com muito mais prestígio do que Mateus, Marcos e Lucas; sua conclusão é de que “não haveria por que conferir a autoria a esses três indivíduos menos respeitáveis se não fossem de fato os verdadeiros autores” (BLOMBERG apud STROBEL, 2001, p. 28).
Blomberg também destaca que “o testemunho mais antigo e possivelmente mais significativo é o de Papias, que, por volta de 125 d.C., afirmou especificamente que Marcos havia registrado com muito cuidado e precisão o que Pedro testemunhara pessoalmente. Na verdade, ele disse que Marcos “não cometeu erro nenhum” e não acrescentou “nenhuma falsa declaração”. Ele disse que Mateus preservara também os escritos sobre Jesus” (BLOMBERG apud STROBEL, 2001, p. 30). E alguns anos depois, em 180 d.C., Irineu endossou as palavras de Papias ao afirmar que
Mateus publicou entre os hebreus, na língua deles, o escrito dos Evangelhos, quando Pedro e Paulo evangelizavam em Roma e aí fundaram a Igreja. Depois da morte deles, também Marcos, o discípulo e intérprete de Pedro, nos transmitiu por escrito o que Pedro anunciava. Por sua parte, Lucas, o companheiro de Paulo, punha num livro o evangelho pregado por ele. E depois, João, o discípulo do Senhor, aquele que tinha recostado a cabeça ao peito dele, também publicou o seu Evangelho, quando morava em Éfeso (IRINEU apud STROBEL, 2001, 30).
Se os cristãos da igreja primitiva estivessem meramente motivados por “fábulas engenhosamente inventadas” (2 Pedro 1:16), não se arriscariam em atribuir autorias à primeira vista controversas diante da audiência a qual se dirigiam. Mais do que isso, se preocupariam em omitir falhas de caráter comprometedoras para a credibilidade dos autores. Não faria sentido escolher um cobrador de impostos e, portanto, um traidor da nação de Israel aos olhos dos judeus, para ser o autor de um dos evangelhos cuja característica é justamente o foco na audiência judaica.
Notícias de última hora
Uma segunda objeção geralmente usada pelos críticos é quanto ao registro dos acontecimentos nos evangelhos. O argumento é que eles foram escritos muito tardiamente após os eventos da crucificação e, portanto, houve espaço suficiente para que mitos pudessem ser acrescentados na redação dos textos bíblicos, distorcendo os fatos.
Ao levantar essa questão ao Dr. Blomberg, Strobel lança mão de uma citação de Karen Armstrong, no seu livro Uma história de Deus, onde ela argumenta que, no momento da redação dos evangelhos, período já bastante tardio, “os fatos históricos achavam-se misturados a elementos míticos que expressavam o significado que Jesus havia adquirido para seus seguidores. É esse significado, basicamente, que o evangelista nos apresenta, e não uma descrição direta e confiável” do que de fato aconteceu. (ARMSTRONG apud STROBEL, 2001, p. 41). Para a surpresa de Strobel, Blomberg não demonstra incômodo com o argumento de Armstrong, quanto à data da redação dos evangelhos. Mesmo com uma data tardia para as biografias de Jesus, o argumento de Armstrong seria falho. E Blomberg diz porque.
A equivalente ou maior confiabilidade histórica dos evangelhos diante de outros documentos antigos. Mesmo quando comparados a outros textos antigos, os evangelhos se mostram bastante confiáveis como escritos históricos. Blomberg ilustra isso comparando as duas biografias mais antigas de Alexandre, o Grande, escritas cerca 400 anos após sua morte, com a própria janela de tempo para a redação dos evangelhos depois da morte e ressurreição de Jesus. Apesar de redigidas somente séculos após sua morte, os historiadores consideram as biografias de Alexandre “muito confiáveis”, de modo que “comparativamente, é insignificante saber se os evangelhos foram escritos 60 ou 30 anos depois da morte de Jesus. Na verdade, a questão praticamente inexiste” (BLOMBERG apud STROBEL, 2001, 42).
O paradigma cronológico de Atos. Embora, do ponto de vista argumentativo, Blomberg não veja problemas numa data mais tardia para redação dos evangelhos, ele acredita haver boas razões para uma data anterior à defendida por Armstrong, e o motivo se encontraria no próprio livro de Atos. A maneira adrupta com que Lucas termina seu livro, argumenta, Blomberg, é um indicativo de que o livro foi escrito antes da morte do apóstolo Paulo , isto é, antes de 62 d.C. (BLOMBERG apud STROBEL, 2001, p. 43). E sendo que Atos é o segundo texto de Lucas, o seu evangelho deve ser anterior a essa data. E levando em consideração o uso que Lucas faz do evangelho de Marcos, este só poder ser de uma data mais anterior ainda. A conclusão de Blomberg é de que “se Jesus foi morto em 30 ou 33 d.C., temos aí um intervalo de, no máximo, 30 anos aproximadamente” para a redação das biografias de Jesus, intervalo de tempo incrivelmente pequeno quando comparado com o tempo para a escrita das primeiras biografias de Alexandre, o Grande. “Em termos de história, principalmente se compararmos com Alexandre, o Grande, disse ele, é como se fosse uma notícia de última hora!” (BLOMBERG apud STROBEL, 2001, p. 43).
Retornando ao começo
Uma última questão levantada por Strobel na entrevista com o Dr. Blomberg diz respeito à possibilidade se voltar ainda mais no tempo dos escritos: De que época datam os primeiros testemunhos mais importantes sobre a expiação, a ressurreição e a relação única de Jesus Cristo com Deus? (STROBEL, 2001, p. 44). Blomberg destaca um ponto importante, o de que os evangelhos foram escritos após as cartas de Paulo. Assim, a questão pode ser reformulada da seguinte maneira: Há nas cartas do apóstolo Paulo testemunhos sobre a expiação, a ressurreição e a relação única de Jesus Cristo com Deus?
Os textos de Filipenses 2:6-11 e Colossenses 1:15-20 respondem a questão: “Descobrimos que Paulo havia abraçado alguns credos, confissões de fé ou hinos da igreja cristã mais antiga. Esses elementos remontam ao alvorecer da igreja pouco depois da ressurreição. Os credos mais famosos são o de Filipenses 2:6-11, que fala de Jesus como tendo a mesma natureza de Deus, e Colossenses 1:15-20, onde Jesus é descrito como a “imagem do Deus invisível”, que criou todas as coisas” (BLOMBERG apud STROBEL, 2001, p. 44). É consenso entre os estudiosos de que a conversão de Paulo se deu cerca de dois anos após a morte e ressurreição de Jesus, e seu primeiro encontro com os apóstolos em Jerusalém aconteceu ainda três anos depois, onde ele deve ter recebido esses credos. Era o que a igreja primitiva já acreditava naquele tempo, de modo que “não se trata aí de mitologia elaborada cerca de 40 anos ou mais depois, como pretende Armstrong. Não estamos comparando 30 ou 60 anos com os 500 anos normalmente aceitos para outros dados — estamos falando de 5 anos!” (BLOMBERG apud STROBEL, 2001, p. 45)
RELUTANTES CONVERTIDOS
Strobel ficou impressionado com Blomberg, principalmente porque para ele a historicidade de Jesus e os relatos dos evangelhos já haviam sido muito bem respondidos pela moderna crítica bíblica, e a ciência estava aí para explicar os ditos “milagres”. Jesus para ele nunca foi mais do que um grande sábio que ensinou coisas boas sobre compaixão e amor ao próximo. Mas, como ele mesmo relevou, esses argumentos apenas encobriam os seus reais motivos para não crer no cristianismo, os compromissos do seu coração:
Um exame superficial — eu nunca me aprofundara mais do que isso. Havia lido muita coisa de filosofia e história, o suficiente para alicerçar meu ceticismo; um fato aqui, uma teoria científica ali, uma citação de peso, um argumento inteligente. Eu tinha uma motivação muito forte para ignorá-los: um estilo de vida egoísta e imoral que teria de abandonar se mudasse o meu modo de ver as coisas e me tornasse um discípulo de Cristo (STROBEL, 2001, p. 17).
A conversão de sua esposa, e a jornada investigativa empreendida para conhecer mais a fundo o cristianismo, foi o meio utilizado pelo Senhor para alcançar e regenerar o seu coração pecaminoso. O seu livro, de certa forma, pode ser visto como um Regresso do Peregrino, de C. S. Lewis. A sua jornada foi semelhante à do professor de Cambridge. Dois relutantes convertidos que foram alcançados pela mensagem das boas-novas, as notícias de última hora.
Bibliografia
STROBEL, Lee. Em defesa de Cristo: um jornalista ex-ateu investiga as provas da existência de Cristo. Trad. Antivan Guimarães Mendes e Hans Udo Fuchs. São Paulo: Vida, 2001.