Vou cantar com o espírito, mas também vou cantar com a mente.
1 Coríntios 14:15
Em setembro de 2014, Kevin Vanhoozer foi convidado a pregar um sermão na capela da Trinity Evangelical Divinity School, dando abertura a uma série de mensagens ministradas no início do semestre letivo e cujo tema era Um caminho em meio ao deserto. O texto escolhido, não por acaso, foi a conhecida passagem de Êxodo 15:1-18, o cântico de Moisés e os israelitas após a marcante travessia pelo Mar Vermelho, “uma passagem tão central para a compreensão do propósito divino não apenas para Israel, mas também para a igreja” (2018, p. 155). Este cântico pode ter algo a nos ensinar sobre adorar a Deus em espírito e em verdade.
Um ponto que precisamos ter em mente, e que para Vanhoozer é de suma importância para a nosso entendimento sobre a natureza da adoração, é o fato de que cantar é também uma atividade teológica, um dos gestos mais vívidos da conexão entre teologia e doxologia. Para Vanhoozer, a boa teologia conduz necessariamente à doxologia. O cântico como uma atividade teológica é assim melhor compreendido quando consideramos que ele envolve “o louvor a Deus com a totalidade da pessoa: o corpo (cordas vocais e pulmões), a mente e o espírito” (2018, p. 156).
Mas o foco de Vanhoozer aqui não é tanto o debate histórico entre tricotomia e dicotomia, mas, sim, destacar “a distinção de Paulo em 1 Coríntios 14.15: Vou cantar com o espírito, mas também vou cantar com a mente. Talvez precisemos inverter o pensamento de Paulo para nosso contexto: “Vou cantar com a mente, mas também vou cantar com o espírito” (2018, p. 156). Poderíamos dizer, nesse sentido, que cantar a Deus é, também, um ato de adorá-lo em espírito e em verdade. Foi esse tipo de cântico que Moisés e os israelitas entoaram ao Senhor no deserto.
Para Vanhoozer, o cântico de Moisés “é inteiramente teocêntrico em vez de antropocêntrico (compositores de louvor para corais, anotem isso). O triunfo é do Senhor, e do que Yahweh realizou à parte das supostas divindades” (2018, p. 159). O foco da adoração é o Deus eterno, o Criador dos céus e da terra, o Senhor dos exércitos, Aquele a quem pertence toda a honra e toda a glória. e cuja graça é derramada sobre nós, pecadores. No deserto, Deus estava tornando memorável o Seu nome a todo povo, língua e nação. Os povos teriam conhecimento da grandiosidade e poder do Deus vivo.
Assim, “não precisamos estender os músculos hermenêuticos para princípios abstratos no cântico de Moisés a fim de aplicá-los à nossa situação” (2018, p. 162). Longe de ser um apelo à alegoria do texto bíblico, podemos compreender que “a história de Israel nos ensina a respeito da identidade de Deus e seu propósito para seu povo, que somos nós. Os cristãos também são um povo liberto do cativeiro, reunido para ser uma nação santa”, conforme 1 Pe 2:9 (2018, p. 162). Em suma, o cântico de Moisés e os israelitas, assim, é o cântico que todos nós devemos entoar a Deus:
[…] o cântico está ali para nos lembrar não só de estudar as Escrituras ou confessar nossa teologia, mas também para nos deleitarmos na Palavra de Deus e vivenciarmos a sã doutrina com cada fibra do ser. A verdade do Evangelho deve ser cravada em nossa mente e cantada em nossa alma. Ortodoxia sem doxologia não nos fará atravessar o deserto. (2018, p. 162)
REFERÊNCIAS
VANHOOZER, Kevin J. Quadros de uma exposição teológica: cenas de adoração, testemunho e sabedoria da igreja. Trad. Fabrício Tavares de Moraes. Brasília, DF: Editora Monergismo. 2018.