Artigo acadêmico escrito por Giovanna Souza Daniel1, estudante do Programa de Tutoria Avançada 2025
Resumo
O presente artigo tem como alvo de análise a cosmovisão cristã enquanto caminho para um Evangelho público. Assim sendo, a partir da concepção narrativa de James Sire, aliada às contribuições filosóficas de Herman Dooyeweerd no que tange às reflexões sobre o coração e os motivos base-religiosos, a pesquisa tem como objetivo oferecer a ecologia da salvação, conforme proposta por Howard Snyder e Joel Scandrett, como uma via para a atuação cristã fiel e apologética no mundo contemporâneo. A ênfase prática deste estudo terá como base a abordagem teodramática de Kevin J. Vanhoozer. Dito isso, conclui-se que, baseando-se na cosmovisão cristã, a qual se encontra firmada no grande drama narrado por Deus e vivido pelos fiéis, é papel de todo cristão proclamar as boas novas ao mundo, por palavra e ação, buscando fazer tudo para a glória do Senhor e apontar para a reconciliação e redenção de todas as coisas através de Cristo Jesus. Para o desenvolvimento da pesquisa, foi utilizada uma metodologia teórica, dedutiva e exploratória, visando tornar o tema mais claro para a comunidade acadêmica. Ademais, a pesquisa bibliográfica foi aplicada com o amparo de livros e artigos científicos disponíveis nas plataformas Scielo e Google Scholar.
Palavras-chave: teologia pública; teologia prática; teodrama; cosmovisão; ecologia da salvação.
Introdução
Enquanto conceito teológico, cosmovisão – Weltanschauung – advém da busca por uma compreensão de mundo capaz de abarcar e defender o cristianismo de maneira abrangente: uma forma holística de ver o mundo e o lugar do homem nele, um sistema total das coisas, sejam elas naturais ou morais. Afinal, se é a visão cristã das coisas em geral que é atacada, então é somente pela exposição e vindicação da visão cristã das coisas como um todo que esse ataque pode ser combatido, sustentando-se frente aos desafios do cotidiano.
De acordo com esta concepção, aquele que de todo o coração crê em Jesus como o Filho de Deus está comprometido com muitas outras coisas também: uma determinada visão de Deus, do homem, do pecado, da redenção e do destino humano. Tais visões crescem como ramos à videira de Cristo, formando uma “visão cristã de mundo” em flagrante contraste com as teorias desenvolvidas sob uma ótica meramente filosófica ou científica.
Com base nesta ideia, a cosmovisão despontou como uma ferramenta capaz de fornecer estruturas para a defesa de uma visão de mundo firmada na pessoa e obra de Cristo, conforme reveladas por intermédio da Bíblia. Não obstante, através dos anos, uma questão de ordem prática prevalece relevante: como a cosmovisão pode oferecer um caminho para um Evangelho público? A fim de responder a essa pergunta, a presente pesquisa fundamenta-se no conceito de cosmovisão conforme proposto de James Sire, e terá como ênfase a centralidade do coração e dos motivos-base religiosos de Herman Dooyeweerd, buscando demonstrar como traçar uma via para a práxis cristã fiel atualmente. Em outras palavras, este estudo pretende apresentar direções de palco aos atores bíblicos para que, assim, sejam capazes de encenar o Evangelho na vida pública – ou, como posto por Kevin J. Vanhoozer, no teatro da redenção2.
Dito isso, o artigo será dividido em duas partes. O primeiro capítulo terá como enfoque a definição do conceito de cosmovisão. Na sequência, o segundo capítulo explorará o mundo e a vida pública enquanto o palco no qual se desdobra o drama divino, abordando diretrizes para uma atuação cristã fiel e apologética na atualidade. Por último, serão apresentadas as considerações finais.
1. O drama
Nas primeiras edições de O universo ao lado, James Sire definiu cosmovisão como “um conjunto de pressuposições (suposições que podem ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou totalmente falsas) que sustentamos (consciente ou subconscientemente, consistente ou inconsistentemente) sobre a constituição básica da realidade” (2018, p. 119). Não obstante, em Dando nome ao elefante (2004), o autor procurou aperfeiçoar essa definição, reconhecendo que cosmovisão não é apenas um conjunto de conceitos básicos, mas uma orientação fundamental do coração, ou seja, um compromisso. Esse destaque aponta para uma percepção de que a cosmovisão não concerne uma teoria intelectual ou proposicional, mas sim uma questão do coração, isto é, de direção espiritual e religiosa.
Em essência, Sire compreendeu que todo homem, no âmago de seu ser, possui uma orientação religiosa, “seja na direção do Deus verdadeiro, seja na direção de um ou mais ídolos” (Goheen; Bartholomew, 2016, p. 46), pois “pelo simples fato de estar viva no mundo, cada pessoa estabelece um compromisso religioso” (Sire, 2004, p. 124), vivendo com base nele. O coração humano, portanto, sempre pertence à cidade de Deus ou à cidade dos homens. A maneira como cada um exerce tal cidadania não muda seu pertencimento, mas tão-somente o evidencia. Assim, a mudança necessária não diz respeito primariamente à localidade ou aos hábitos adquiridos em determinado locus, mas ao próprio coração humano, que ordena e direciona desejos, pensamentos e ações.
Consoante essa perspectiva, só existem dois compromissos básicos, considerando as duas condições básicas da vida: o homem convertido a Deus e o homem desviado de Deus. Essa abordagem leva em consideração o conceito bíblico de coração, o qual está relacionado com o cerne da personalidade humana, o elemento central e definidor da pessoa. Ele é visto como a “sede da vida intelectual, afetiva, volitiva e religiosa do ser humano […] o núcleo espiritual da pessoa sobre a qual a vida orbita” (Naugle, 2002, p. 268-269).
Essa definição incorpora algumas reflexões de Herman Dooyeweerd sobre o coração e os motivos base-religiosos. Para este filósofo reformado, é necessário que exista um ponto arquimediano, responsável por conectar a atividade teórica à origem absoluta que confere significado à totalidade da experiência humana. De acordo com seu pensamento, essa origem de significado é sempre Deus (ou um ídolo, elevado sobre a ordem da criação e colocado acima dela), de modo que o coração do homem se revela como essencialmente religioso. Com efeito, entre o crente e o incrédulo, de fato há uma diferença na direção, porém, a estrutura religiosa do coração é a mesma. Nesse sentido, segundo Dooyeweerd, seria o coração o ponto arquimediano do pensamento teórico filosófico, o centro do homem, (dos seus sentimentos, do seu entendimento e da sua vontade).
Isto posto, observa-se que, em seu conceito de cosmovisão, Sire abraça a noção de Dooyeweerd do coração enquanto centro religioso do indivíduo, responsável por dirigir pensamentos, sentimentos e comportamentos humanos a partir da origem de significado e através de pressuposições sobre a vida e a experiência do homem.
Em última análise, é do coração humano que provêm as fontes da vida (Provérbios 4:23). Embora o conceito de cosmovisão possa ser definido como um conjunto de pressuposições, tais pressuposições são originadas de acordo com a orientação do coração, isto é, os compromissos fundamentais que regem o coração de cada homem. Assim, como afirma Naugle (2002, p. 330), a cosmovisão, em essência, “cria o canal em que as águas da razão fluem”. Em outras palavras, no coração está a nascente, o leito e a foz do rio – a orientação fundamental, o curso de direção –, enquanto as pressuposições ou crenças são as águas que alimentam as correntes e fluem entre suas margens.
Neste diapasão, uma definição de cosmovisão que não leva em conta a importância do coração enquanto centro da consciência do indivíduo humano e base sobre a qual ele constrói a sua vida deixaria de lado a natureza prática e “encarnada” da cosmovisão, ignorando o laço irremediável que une o compromisso com sua execução. A cosmovisão, afinal, diz respeito não somente a palavras e pensamentos, mas também à maneira como se vive a vida. A orientação do coração, portanto, sob a alcunha de cosmovisão, vai além da mera reflexão, mas se traduz na direção efetiva dos passos do homem no mundo real – ou no teatro da redenção, como colocaria Vanhoozer.
Isto posto, de modo geral, a cosmovisão pode ser definida como uma orientação fundamental do coração a ser expressa por um conjunto de pressuposições sobre a constituição básica da realidade. Como postula Sire (2004), esse conjunto de pressuposições, não raramente, assume a forma de uma história – ou, nas palavras de Goheen e Bartholomew, “uma enunciação das crenças básicas embutidas em uma grande narrativa compartilhada, as quais estão arraigadas em um compromisso de fé e dão forma e sentido à totalidade de nossa vida individual e coletiva” (2016, p. 52).
A narrativa não é outra senão a Escritura. No entanto, enquanto, para Sire, a cosmovisão é uma pressuposição, para Goheen e Bartholomew, trata-se de uma efetiva enunciação e, para Kevin Vanhoozer, de um drama cósmico, o grande teatro da redenção, que se desdobra no palco da vida cotidiana. Esse drama possui um roteiro – a Bíblia –, um dramaturgo – Deus – e atores – homens e mulheres regenerados que, na força do Espírito, buscam dar continuidade ao teodrama e encenar o cânon no mundo caído a fim de apontar para os sinais da nova criação. Afinal, “se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo” (2Coríntios 5:17).
2. O palco e a atuação
Há de se admitir que a vida cristã não acontece em meio ao vácuo. Em verdade, tanto a natureza quanto a sociedade abominam o vácuo, e existem muitas ideologias e agendas esperando para encher a mente e o coração dos descompromissados. Dito isso, é vital que a Igreja de Cristo se encontre firmemente apegada à sã doutrina nos bastidores e na prática pública.
A partir do momento em que se compreende a Bíblia como a comunicação de Deus com a humanidade, a doutrina – ou a cosmovisão, enquanto conjunto de pressupostos, enunciados e compromissos de coração – pode ser entendida como as “direções de palco” que orientam essa comunicação. Ela desempenha a função de ajudar os cristãos a ocuparem seu papel e a interpretarem as instruções divinas, servindo como um guia para a prática da fé. Assim, o conceito de teodrama, desenvolvido por Vanhoozer, é uma forma de entender a vida cristã, destacando a cosmovisão como essencial para garantir que a mensagem bíblica seja vivida de maneira plena. O roteiro bíblico deve ser colocado em ação e a teologia fornece as instruções “para deliberar bem a respeito do que Deus fez em Cristo e de como devemos viver à luz do evangelho a fim de viver bem uns com os outros diante de Deus” (Vanhoozer, 2016, p. 339).
Em suma, a cosmovisão assiste os cristãos na interpretação de sua fé, orientando-os a viver de maneira que evidencie, para um público observador, a redenção realizada por Cristo. O palco desta redenção não é outro senão o mundo. Portanto, há uma necessidade premente de se viver um Evangelho público, isto é, uma atuação cristã fiel e apologética nas diversas áreas da sociedade e nos diversos relacionamentos dos quais o homem e a mulher regenerados fazem parte. Conforme afirmam Steve Corbett e Brian Fikkert (2009, p. 57), “Deus projetou os humanos para serem uma certa coisa e operar de uma certa maneira em todos esses relacionamentos”, a saber, o relacionamento com Deus, consigo mesmos, com os outros e com o restante da criação.
Snyder e Scandrett (2011, p. 3) afirmam que “com o pecado veio a doença moral, uma alienação quádrupla do homem e da mulher de Deus, de si mesmos, um do outro e da terra”. Eles denominam essa alienação quádrupla de ecologia do pecado, que é a “alienação de Deus, alienação interna dentro de cada pessoa (alienação de si mesmo), alienação entre humanos e alienação da e dentro da natureza” (Snyder; Scandrett, 2011, p. 68). No entanto, se há uma ecologia do pecado, é porque primeiro há uma ecologia da salvação. Logo, “toda a família humana, doente em todos os seus relacionamentos – com Deus, interiormente, uns com os outros e com a terra – sofre um mal quádruplo que requer uma cura quádrupla. Ou melhor: uma ecologia do pecado que clama por uma ecologia da salvação” (Snyder; Scandrett, 2011, p. 78).
E eis que Jesus veio ao mundo e “aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude e que, havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele, reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus” (Cl 1:19-20). Este propósito reconciliatório consagrou-se por intermédio de Cristo, e prevalece, ainda hoje, através da Igreja: “a intenção dessa graça era que agora, mediante a igreja, a multiforme sabedoria de Deus se tornasse conhecida dos poderes e autoridades nas regiões celestiais” (Efésios 3:10).
A responsabilidade dos cristãos é proclamar e praticar o Evangelho, testemunhando, tanto no discurso quanto na vida – e nestes relacionamentos antes quebrados e, agora, restaurados –, a realidade da presença, da ação e da reconciliação de Deus em Jesus Cristo e no Espírito Santo3. Se, pelo pecado, é a inteireza da vida que foi comprometida, então, pela graça, é a inteireza da vida que foi redimida. Logo, discurso e ação devem refletir fielmente a Palavra de Deus. Porém, como praticar uma teologia autêntica ao Evangelho, mas que se comunique com a realidade atual? Através do conceito de cosmovisão mediante Sire, a recuperação da perspectiva narrativa pelos teólogos tem redirecionado a atenção para a maneira como as Escrituras descrevem a identidade de Deus e moldam a identidade cristã.
No entanto, Kevin Vanhoozer favorece a visão da dramaturgia sobre a narrativa, uma vez que ela implica em uma série de ações alinhadas com a vivência do Evangelho. No drama, as palavras fazem parte da ação: os dramas mostram, em vez de simplesmente narrar. Além disso, o drama serve como um importante lembrete de que não se deve fazer uma distinção excessiva entre “palavra” e “ato”. A dramaturgia enfatiza que falar é agir, e agir também é comunicar. Isso torna os atos de fala de Deus mais significativos e compreendidos, ao mesmo tempo em que proporciona à Igreja padrões de expressão pública que evitam a dicotomia entre teoria e prática, uma divisão artificial que não existe no Evangelho. A Igreja, portanto, deve encenar o cânon bíblico. À medida que a comunidade se torna a personificação e a performance do Evangelho, a história é conhecida, compreendida, manifestada e verdadeiramente recontada.
Portanto, o fundamento canônico da cosmovisão cristã é o teodrama de Deus, que deve ser reencenado na força do Espírito, no serviço ao Senhor e na missão confiada aos seguidores de Jesus, estendendo-se a todos os relacionamentos no mundo criado por Deus. Assim sendo, a forma fundamental da cosmovisão cristã centra-se nas Escrituras e é vivida na vida cotidiana dos fiéis, porque, nas palavras de Paulo aos coríntios, “já é manifesto que vós sois a carta de Cristo, ministrada por nós, e escrita, não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração” (2Co 3:3). Isto é, nos compromissos e motivos-base que se encontram firmados no coração, conforme concordam Sire e Dooyeweerd. Dito isso, todo e qualquer cristão pode proclamar e praticar o Evangelho quando os compromissos e pressupostos que habitam em seu coração se traduzem em ação — pregando as boas novas, alimentando os famintos em nome de Jesus e fazendo um bom e fiel trabalho no poder do Espírito Santo, para um mundo quebrantado.
Este trabalho, porém, será eternamente inútil caso se baseie apenas nas mudanças de comportamento, expressão ou pensamento, pois a antropologia, sociologia, psicologia e as demais ciências são secundárias em relação à filosofia, capaz de formular questões de primeira ordem em relação ao mundo e ao papel do homem nele, reconhecendo, por meio da cosmovisão cristã, que a única instância capaz de chegar ao coração é a Palavra de Deus, que “é viva, e eficaz, e mais cortante que qualquer espada de dois gumes, e que penetra até a divisão de alma e espírito, e de juntas e medulas, e é apta para discernir as disposições e intenções do coração” (Hebreus 4:12). A ação humana no mundo e na história depende fundamentalmente da ação divina no coração, tal como a missão do homem e a missão da Igreja dependem da missão de Deus. Os relacionamentos serão redimidos e restaurados pela graça de Deus demonstrada na concessão não de uma nova mentalidade ou de um novo método, mas de um novo coração, conforme prometido em Ezequiel 36:26-27 e cumprido por meio da obra do Pai que enviou o Cristo e do Cristo que enviou o Santo Espírito que habita “dentro dos nossos corações, como prova de que estamos vivendo nele e ele em nós” (1João 4:13).
Não obstante, a cosmovisão muda tão somente quando os compromissos no coração das pessoas mudam, pois é o coração “o centro e raiz da existência humana” (Dooyeweerd, 2017, p. 186). Com efeito, “este conhecimento central só pode ser resultado da Palavra-revelação de Deus operando no coração […] pelo poder do Espírito Santo” (Dooyeweerd, 2017, p. 236). Neste sentido:
É exclusivamente pela operação do Espírito Santo que regenera o coração que o aspecto da fé de nossa experiência temporal pode ser reaberto à Palavra de Deus, de modo que sua direção negativa se transforma numa direção positiva. Assim, é completamente verdadeiro que a fé cristã viva não pode de forma alguma originar-se da experiência temporal do homem, que, por causa de sua apostasia, caiu vítima da morte espiritual (Dooyeweerd, 2017, p. 186).
Para Dooyeweerd, portanto, a conversão não pode ser compreendida como mero assentimento intelectual a proposições teológicas; antes, trata-se de um compromisso central do coração, cuja abertura se dá unicamente pela fé do homem e pela ação de Deus.
Nessa confrontação central com a Palavra de Deus, o homem não tem nada para dar, mas apenas para ouvir e receber. Deus não fala a teólogos, filósofos e cientistas, mas a pecadores perdidos em si mesmos, feitos seus filhos pela operação do Espírito Santo em seus corações. Neste sentido central e radical, a Palavra de Deus, penetrando na raiz de nosso ser, tem de tornar-se a força motriz central de toda a vida cristã dentro da ordem temporal com sua rica diversidade de aspectos, tarefas e esferas ocupacionais. Como tal, o tema central da criação, queda no pecado e redenção deveria também ser o ponto de partida central e a força motriz de nosso pensamento teológico e filosófico (Dooyeweerd, 2017, p. 238).
Em outras palavras, “é pelo redirecionamento religioso do coração na regeneração que todas as funções temporais do homem são renovadas” (Dooyeweerd, 2017, p. 252), de modo que ele passa a atuar de maneira correta e orientada por Cristo em todas as áreas do conhecimento e da prática. Afinal, conforme afirma Dooyeweerd, “a redenção por Jesus Cristo em seu sentido bíblico radical significa o renascimento de nosso coração e deve revelar-se no todo de nossa vida temporal” (2017, p. 241). Inexiste neutralidade ou autonomia do conhecimento; pelo contrário, é papel de cada aspecto da criação dobrar os joelhos perante o Cristo. Destarte, a vida do homem regenerado deve ser reformada em um sentido cristocêntrico, ou seja, orientada por uma cosmovisão cristã sadia e abrangente. Toda prática, portanto, deve estar inserida neste quadro interpretativo – a cosmovisão – que tem seu fundamento na Bíblia.
Considerações finais
Diante do exposto, observa-se que uma atuação cristã fiel e apologética na atualidade deve se pautar na entrega contínua do coração aos pés da Cruz do Calvário. Afinal, o critério de competência cristã – que determina as crenças, discursos e ações dos cristãos – não é outro senão Cristo, o único capaz de satisfazer plenamente o seu papel no teatro da redenção, reconciliando os relacionamentos quebrados através de uma salvação completa e universal. Assim, “não há uma só polegada quadrada no domínio total da nossa existência humana sobre a qual Cristo, que é soberano sobre todas as coisas, não grite ‘Meu!’” (Kuyper, 1998, p. 488 apud Naugle, 2017, p. 43). Dito isso, todo cristão, a fim de seguir o Mestre, deve também proclamar a soberania de Cristo sobre cada aspecto da criação, sobre cada relacionamento fraturado, sobre cada área do conhecimento e da ação, seja no que diz respeito à sua interioridade, seja na sua comunhão com Deus e com o próximo, bem como no cuidado que se deve à natureza.
Um evangelho público, portanto, depende desta anunciação, desta atuação cristã fiel, guiada pelo próprio Cristo que, em si mesmo, reconciliou o mundo com Deus. A cosmovisão cristã, enquanto ferramenta, oferece uma visão ampla do escopo da redenção que há em Jesus, da realidade que já se encontra presente, a qual seus seguidores são convidados a proclamar e praticar cotidianamente.
Neste diapasão, o presente estudo busca contribuir para a efetivação de um Evangelho público por meio do cultivo de uma cosmovisão sadia e abrangente. Tal pesquisa, no entanto, possui cunho meramente introdutório, tendo em vista que, a fim de que toda área de atuação humana dobre os joelhos perante o Cristo, é necessário um amplo conhecimento acerca de cada uma delas, tratando-se, assim, de uma jornada longa e profunda que caberá aos cristãos dedicados nestas searas. Entrementes, vale destacar que a relevância do tema em questão verifica-se na natureza prática de seus desdobramentos, dos quais o principal concentra-se na glória do Senhor Deus e no imenso privilégio dos homens e mulheres que, enquanto ministros da reconciliação, são por ele capacitados a apontar para os sinais da nova criação em Cristo no mundo contemporâneo.
1 Teóloga. Mestranda em Teologia. Especializando-se em Novo Testamento, Educação Cristã Clássica e Literatura. Email: [email protected]
2 Longe de assemelhar-se a uma noção de falsidade, as referências à “drama”, “teatro” e “encenação”, segundo Vanhoozer (2016), dizem respeito a dar continuidade aos ensinamentos bíblicos através da prática fiel e contextual conforme a cosmovisão cristã revelada nas Escrituras.
3 Um excelente exemplo desta reconciliação, continuamente proclamada por parte da Igreja, reside na ceia do Senhor, na qual o homem declara sua comunhão com Cristo e com o próximo (seus irmãos na fé), anunciando também o fim da contradição que nutria consigo mesmo e com o restante da criação (através dos elementos utilizados na ceia).
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Referências bibliográficas
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