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Um nobre chamado

Ainda que eu tivesse o dom de profecia e conhecesse todos os mistérios e todo o conhecimento, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, se não tivesse amor, nada seria.

1 Coríntios 13:2

Mentes teológicas pertencem a corpos eclesiásticos.

Kevin J. Vanhoozer

Quando Jeff Robinson foi convidado para ser o próximo pastor titular de sua congregação a expectativa do conselho era muito boa. Todos estavam ansiosos por vê-lo conduzir a membresia. Na entrevista, algo em particular chamou a atenção de seus irmãos: as suas credenciais acadêmicas. “Tenho certeza de que você vai dar um gás novo a esta igreja com essa bagagem”, disse um deles. Seria a sua primeira experiência no ministério como pastor efetivo de uma igreja local.

SE NÃO TIVESSE AMOR, NADA SERIA

Embora reconhecesse o carinho e toda a confiança dos irmãos, e fosse muito grato por isso, Robinson respondeu aquilo que, com o passar dos anos, experimentaria no ministério: “Sou grato a vocês por honrarem meus estudos, mas não confundam graduação com maturidade, aptidão com o ministério ou competência e, de forma nenhuma, com piedade. O primeiro não pressupõe necessariamente os outros. Meu diploma significa apenas que perseverei por tempo suficiente para atender algumas exigências acadêmicas” (2020, p. 15). 

Ao lhes dizer isso, Robinson não estava desmerecendo a formação teológica ou diminuindo a sua importância. Além de atualmente ser pastor na igreja Christ Fellowship Church, Robinson é PhD pelo Southern Baptist Theological Seminary, onde também leciona como professor adjunto de História da Igreja. O seu ponto naquela entrevista foi de que havia coisas na sua vida como ministro que o seminário por si só não poderia lhe ensinar, mas somente a “junção de serviço e sofrimento” no labor diário ao longo da caminhada na igreja local:

“Sim, meu conhecimento teológico me forneceu condições de tomar decisões sábias e me permitiu alimentar o rebanho com pasto saudável, mas a maturidade necessária para ser um pastor piedoso abaixo do supremo Pastor só pode proceder de dias, semanas, meses e anos de trabalho na vinha do Senhor. Não demorei muito para perceber que sou um homem em processo de santificação, assim como todos os que me ouvem pregar no dia do Senhor” (2020, p. 17).

Foram muitas as lições aprendidas nos seus primeiros anos de ministério. Erros e acertos, dias bons e maus, mas talvez nenhuma lição tenha sido mais importante do que a descrita por ele acima. Robinson entendeu que o domínio mais exímio das disciplinas teológicas que não resulte num amor genuíno pelo rebanho de Cristo é uma afronta à sã doutrina. “Logo percebi que as pessoas sob os meus cuidados não estavam tão interessadas em minha ortodoxia, embora eu nunca pudesse comprometê-la. Elas realmente queriam saber se eu as amava” (2020, p. 17). Há uma sensibilidade para com o coração do povo de Deus que deve ser inerente a todo aquele que pastoreia as suas ovelhas:

“O autor inspirado já me avisara disso: “Se eu tiver […] todo o conhecimento […] mas não tiver amor, não sou nada” (1Co 13:2). Se eu não amar o meu povo, ele não dará importância a quanta conversa teológica vem do púlpito. As pessoas só me seguirão quando eu provar que as amo e posso ser confiável como professor maduro e pastor auxiliar” (2020, p. 19).

CUIDANDO DE PESSOAS

Quando começou a lecionar sobre aconselhamento pastoral aos alunos do Mestrado em Divindade no Westminster Seminary, Paul David Tripp também lidou com o mesmo ponto levantado por Jeff Robinson, a tentação de se confundir perícia teológica com maturidade e os riscos que isso acarreta ao corpo de Cristo. Havia um pragmatismo na mentalidade de seus jovens alunos que fazia aquela disciplina ser vista como algo sem muita utilidade. “A cada ano eu ia sabendo que meus alunos não queriam estar na classe e não tinham muito interesse ou compromisso com o que eu estava ensinando. Os primeiros anos aplicando esta matéria foram incrivelmente difíceis, até que comecei a entender a importância da minha voz na vida destes futuros pastores de enormes cérebros” (2014, p. 36).

Foi quando Tripp passou a compartilhar com eles histórias reais do dia a dia de pastores em suas igrejas locais, os seus desafios diários, as lutas, os aconselhamentos e a solução de conflitos. “Eu contei a eles histórias da dor e da angústia do corpo de Cristo vivendo as realidades da vida em um mundo arruinado pelo pecado. Eu contei histórias de temor, deslealdade, desencorajamento, ira, depressão, solidão e perda” (2014, p. 36). Aquela disciplina de aconselhamento pastoral ministrada no semestre estava longe de ser algo sem importância. Sua jovem classe estava sendo preparada para cuidar de pessoas:

“Eu queria que os meus alunos entendessem que eles são chamados não apenas para pregar sermões exegeticamente corretos e teologicamente precisos, mas também para pastorear pessoas, para andar, viver, apoiar e sofrer com elas. Eu queria que eles soubessem que são chamados para ser mais do que instrutores teológicos de uma igreja local; eles são vocacionados para serem embaixadores de Cristo, para serem o olhar em sua face, o toque da sua mão e o tom da sua voz. Eu queria que eles sentissem o peso de serem chamados para fazerem um Cristo invisível visível na vida das pessoas que precisavam desesperadamente “ver” sua presença e se lembrar da sua graça. Eu ansiava por eles entenderem que eles não eram chamados apenas para ensinar teologia a outras pessoas, mas também para praticar teologia com essas pessoas. Eu queria que eles pelejassem com a pergunta sobre se eles estavam no seminário porque amavam a superestrutura labiríntica dos conceitos teológicos da Escritura ou porque amavam a Jesus e queriam ser seus instrumentos de transformação na vida de pessoas perturbadas” (2014, p. 36).

UMA VISÃO INTEGRADA

O que esses dois pastores, e também teólogos, têm em comum? Em nenhum momento eles desmerecem a importância da formação teológica. Se trata de algo fundamental a todo aquele que “coloca a mão no arado” pelo rebanho de Cristo. A crítica deles não se dirige aos seminários em si, mas a uma cultura que pode tomar conta da mentalidade de quem no futuro terá a grande responsabilidade pelo cuidado de almas, isto é, uma visão limitada que perde de vista o entendimento de que a finalidade da Palavra de Deus é “a transformação de coração e de vida. O conhecimento bíblico e a perícia teológica não são, portanto, o fim da Palavra, mas um meio ordenado por Deus para um fim, e o fim é uma vida radicalmente transformada” (2014, p. 43).

Longe de estabelecer uma dicotomia entre mente e coração, piedade e intelecto, a sã doutrina envolve um visão integrada da vida e do corpo de Cristo. O conhecimento deve ser precedido pelo amor pastoral pelo povo de Deus, e vice-versa, pois “pregar a Palavra de Deus e vê-la utilizada por Ele para transformar vidas é uma maravilha que está além da capacidade descritiva das palavras humanas” (2020, p. 24).


Esse conteúdo é um oferecimento de The Pilgrim App, a principal plataforma de streaming de conteúdo cristão do Brasil.


REFERÊNCIAS

HANSEN, Collin; ROBINSON, Jeff. 15 coisas que o seminário não pôde me ensinar. Trad. Rogério Portella. São Paulo: Vida Nova, 2020.

TRIPP, Paul. Vocação perigosa. Trad. Meire Portes Santos. São Paulo: Cultura Cristã, 2014.