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Uma vida em perspectivas

Escrito por Rodrigo Negreiros de Sousa, estudante do Programa de Tutoria – Turma Avançada 2021


INTRODUÇÃO

Você já deve ter se deparado numa roda de amigos onde dois ou mais deles contam como estiveram diante de uma mesma situação. Percebeu que no relato de cada um eles enfatizaram pontos que talvez não foram tão bem percebidos pelo outro? Será que você consegue analisar de forma crítica um mesmo assunto escrito por autores diferentes e perceber o tom que eles deram às suas obras? O que isso lhe provoca?

Pois é. Lidamos com diferentes ênfases o tempo todo. Na produção acadêmica, na cobertura de um fato jornalístico, nas tradições teológicas, em um livro e até na narrativa dos evangelhos sinóticos essas ênfases estão presentes ressaltando pontos que os demais não trazem. Poderíamos chamá-las de perspectivas acerca da realidade.

Mas será que realmente percebemos como uma vida em perspectivas nos afeta no dia a dia? Será que partimos sempre dessa compreensão ao julgarmos aquilo que conhecemos? E mais. De onde nascem essas perspectivas? Porque a realidade se apresenta dessa forma a nós? Qual a relevância de sabermos tudo disso?

Nas próximas linhas deste artigo refletiremos um pouco sobre como o conhecimento em perspectiva impacta nossa vida ordinária. Quem irá nos ajudar nessa jornada é o filósofo John M. Frame. Utilizaremos a sua metodologia triperpectivista para reflexão acerca do conhecimento e que está presente no livro A doutrina do conhecimento de Deus, traduzido para português em 2010 pela editora Cultura Cristã.

1. O CONHECIMENTO É TRIPERSPECTIVO

Em seu livro John Frame aborda o triperspectivismo à luz da teologia, mas afirma que sua metodologia é válida para qualquer área da vida ou para qualquer sistema de pensamento. 

Mas afinal, o que é o triperspectivismo? Antes de responder a essa questão é preciso considerarmos que o nosso conhecimento sobre a realidade é limitado e parcial, nunca exaustivo. Frame (2010, p. 36-37) afirma que essa limitação se dá por vários motivos: O pecado que afetou a humanidade e nos leva a distorcer o que é real e verdadeiro ou fazer mau uso da verdade; erros provenientes da nossa imaturidade e inexperiência sobre algo; além do fato de que não somos Deus, ilimitado ao espaço e ao tempo. O conhecimento de Deus é excelente por natureza por uma série de fatores, então ainda que o pecado não nos tivesse afetado não teríamos um conhecimento exaustivo sobre algo. 

Uma vez que não conseguimos conhecer tudo de uma só vez, o nosso conhecimento se dá de forma perspectiva. Dessa forma, para que alcancemos uma compreensão mais completa é necessário unir todas elas. É como uma fotografia em 3D, na qual une as 3 dimensões de um objeto na imagem, de modo que conseguimos ter uma assimilação mais apurada juntando todos os ângulos. Dessa forma, o perspectivismo se apresenta como uma metodologia que nos permite conhecer de forma mais ampla a Deus, a nós mesmos e o mundo criado por Ele. 

Para John Frame, o perspectivismo é triúno e nasce do próprio Deus pactual. Se baseia nas 3 características fundamentais da Trindade e daí surgem as ênfases: seu controle sobre toda a criação e tudo o que nela há é expressa pela perspectiva situacional; sua absoluta autoridade sobre toda a realidade se evidencia através de suas leis que são normas para vivermos, surge a perspectiva normativa; e sua presença no mundo criado se expressa por meio do seu relacionamento com os indivíduos; essas relações são vistas pela perspectiva existencial. 

Portanto: “Conhecer à autoridade, o controle e a presença de Deus envolvem conhecimento de sua lei, do seu mundo e de nós mesmos”  (2010, p. 79).

A relação das três perspectivas não se dá em escala hierárquica, mas por uma relação de interdependência. Cada perspectiva quando está em evidência precisa ter as outras duas como pano de fundo. Se uma perspectiva se descolar da outra o conhecimento humano fica comprometido.

2. COMO VIVEREMOS?

Porque isso é importante? Porque a vida entendida em perspectivas nos habilita a raciocinarmos melhor sobre a complexidade da realidade, a sermos mais críticos e, ao mesmo tempo, mais piedosos e honestos com aquilo que nos chega. Passamos a valorizar a pluralidade e rejeitamos posturas de extremos. 

Temos a tendência de fazermos recortes na elaboração de conceitos complexos, na explicação de uma história, nas discussões com amigos sobre determinado assunto, na vivência de uma tradição teológica com diferentes ênfases (proposicional, experiencial ou linguístico-cultural). Vamos acomodando e enfatizando sem perceber nossas preferências, elegemos um dos aspectos como critério julgador dos demais. Por vezes esquecemos de que a Trindade é o nosso referencial absoluto para conhecermos todas as coisas em perspectivas. Passamos a enxergar o mundo de forma pobre, perdemos o senso crítico para analisar ideias que nos chegam através de um livro ou de qualquer outra produção. Só conseguimos ver verdade na perspectiva que já estamos predispostos a assumir, lidamos com ideias de forma apaixonada, desumanizamos aqueles que não se encaixam na nossa perspectiva preferida sendo incapazes de ver verdade sobre o que o outro traz. Ama-se por completo ou odeia-se por completo. Reduzimos coisas, ideias, pessoas, porque reduzimos o nosso campo de conhecimento em apenas uma perspectiva.

Importante ressaltar que entender a pluralidade presente na Trindade e por consequente na forma como compreendemos toda a realidade de modo algum deve ser confundido com relativismo da verdade. A verdade não muda para ser mais inclusiva, é a mesma verdade sendo compreendida de forma mais abrangente quando acomodamos o conhecimento existencial situacional e normativo.

3. CONCLUSÃO

Por conta das nossas limitações como seres humanos, só podemos conhecer verdadeiramente a complexidade da realidade quando acomodadas às três perspectivas. Elas derivam do próprio Deus que mantém todas unidas. Não precisamos seguir qualquer narrativa acerca da realidade que concentre o seu foco em uma das perspectivas apenas. Também não precisamos descartar toda a produção de um artista, um teórico, um autor ou quem quer que seja porque nas suas produções não estão presentes as demais perspectivas. Devemos ter condições de separar o joio do trigo dentro da mesma produção. Vejamos a beleza da pluralidade cristã. A pluralidade presente nos autores bíblicos (Marcos, Mateus, Lucas) que nos apresentam o evangelho de perspectivas diferentes e trazem riqueza de detalhes ajudando na melhor compreensão da narrativa bíblica. Observemos a unidade na diversidade das diferentes tradições teológicas. Aprendamos a fazer juízos mais honestos e equilibrados nos quais dão ênfases a diferentes perspectivas. Temos uma metodologia muito eficiente que nos auxilia nesse trabalho, de modo a não cairmos no equívoco de reduzir toda a extensão do conhecimento a uma única perspectiva.


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BIBLIOGRAFIA

FRAME, John M. A doutrina do conhecimento de Deus. Trad. Odayr Olivetti. São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2010.