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Deixa a tua luz brilhar: cantando em defesa da fé cristã

Escrito por Simone Xavier de Lima, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2023


“Toda música nos afeta quando a escutamos.”

(Keith Getty)

 Geralmente, as pessoas gostam de cantar ou ouvir músicas, pois as canções têm o poder de envolver e acionar memórias e emoções. Em se tratando do contexto cristão, a música ocupa importante espaço em nossos cultos, tornando-se, portanto, fulcral que ela seja “de alta qualidade técnica e artística, bem como teologicamente forte e apropriada” (CARSON et al, 2017, p. 237), não somente porque haverá uma afetação dela nos ouvintes, como aponta Getty, na epígrafe acima, mas também porque o cântico é a manifestação pública do que cremos e deve ser entoado para a glória de Deus. Diante disso, o presente artigo tem por objetivo abordar a temática da música na igreja como forma de propagação da fé e glorificação de Deus, a partir da análise de uma canção de Asaph Borba.

Testemunho e canção 

Considerando a apologética como “a disciplina que ensina os cristãos a dar uma razão para a sua esperança” (FRAME, 2010, p. 13) e que “não há neutralidade”na proclamação de nossa fé (Ibidem, p.17), pode-se esperar que as músicas que entoamos no contexto de culto na igreja terão a habilidade de atingir esse objetivo apologético se forem um meio de anunciar a razão de nossa esperança e fé e, também, constituírem verdadeiras estratégias para tal anúncio. No entanto, para que sejam meio e estratégia, devem, antes, ser ditadas pelas Escrituras, que são a “declaração verbal divina que Deus nos dá para suplementar e corrigir nossa visão de seu mundo” (Ibid, p. 26).

Consoante o apontamento de Frame, “quando nos salva, Deus o faz de tal maneira que nos motiva ao louvor de sua justiça” (Ibid, p. 142). Essa premissa pode ser observada na produção composicional e ministerial do pastor e músico Asaph Borba, que se tornou, ao longo das décadas, uma importante referência musical no contexto cristão, com mais de 700 composições cantadas nas igrejas brasileiras e mundo afora. Em 2019, Borba publicou um livro apresentando as histórias de sessenta de suas canções, A história por trás da música (BORBA, 2019). Privilegiamos, no presente texto, uma delas, intitulada Deixa a tua luz brilhar, lançada no álbum Quero ser encontrado fiel, de 2009. Tal preferência se deu, sobretudo, pelo contexto de produção composicional que o pastor apresenta. 

Quando entrou para a faculdade de Jornalismo, em 2008, Borba, além de realizar um sonho cultivado por anos, experimentou, também, a frequente necessidade de autoavaliar a constância de sua fé: “Depois de estudar Antropologia, Religião, Filosofia, Psicologia e os pensamentos que moldaram a Sociologia e o comportamento moderno, precisava constantemente reafirmar minhas convicções acerca das verdades sobrenaturais de Deus” (Ibid, p. 254).

Movendo-se entre a incredulidade e a distorção, em meio aos embates fé x razão, típicos do ambiente acadêmico em que se encontrava, Deus providenciou um meio de confrontar seu servo. Assim, um dia, Borba viu, ocasionalmente, a legenda “Deixa a tua luz brilhar!” em uma cena de DVD. Ele compreendeu ser essa aparente e acidental coincidência uma forma de o Senhor falar-lhe ao coração sobre o que realmente importava: “ser sua luz e sua testemunha” (Ibid, p. 254) por onde estivesse. Trazendo à memória o que lhe podia dar esperança (cf. Lm 3.21), lembrou-se dos versículos do Sermão do Monte1, que discorrem sobre a impossibilidade de se esconder uma luz feita para brilhar, recomendando, analogamente, que a luz dos cristãos brilhe diante dos homens, para que as suas boas obras sejam vistas e gerem glória a Deus.

Aqui vale uma breve reflexão sobre a necessidade de a vida e a crença do cristão comungarem, consoantemente, para que o nome de Deus seja conhecido, uma vez que “não pode haver separação entre a defesa da fé cristã e a pregação do Evangelho” (VAN TIL, 2012, p. 38), pois a esta a apologética está intrinsecamente ligada. Quanto a esse aspecto, observa-se: “Se nossa vida contradisser nossa doutrina, então nossa apologética será hipócrita e perderá credibilidade. No entanto, se nossa vida e doutrina forem consistentes, então aqueles que querem nos envergonhar perderão, eles mesmos, a credibilidade” (FRAME, 2010, p. 29).

Da associação entre vida e crença, depreende-se que a prática do cristão deve ser delineada pelos princípios bíblicos do Evangelho, e isso, por si só, já constitui uma defesa de sua fé ante a idolatria cognitiva que procura divinizar as obras humanas. Se cairmos na falha da contradição, outras advirão, como a da hipocrisia e a da perda de credibilidade, todas elas contribuindo para a falha na missão maior que temos de deixar a Luz brilhar, anunciando o Reino de Deus. Logo, para que uma degradação espiritual não ocorra, é essencial que Cristo seja santificado no coração do cristão como seu único e suficiente Senhor, o que redundará em testemunho fiel e criações santificadas a Deus, como é o caso da canção que emanou da situação vivida por Asaph Borba. Atendendo o desejo de se manter sendo canal pelo qual a luz de Deus pudesse brilhar, num intervalo de aula da faculdade, Borba escreveu a canção Deixa a tua luz brilhar:

Deixa a tua luz brilhar, tua luz brilhar / Deixa a luz, tua luz, brilhar! / Pois assim ao teu redor trevas já não haverá / Deixa a luz, tua luz, brilhar!

As trevas cobrem a terra e a escuridão, os povos / Mas para os que temem o nome do Senhor / Brilhará o sol da justiça / Assim, quem está em trevas, a tua luz verá / Deixa a luz, tua luz, brilhar!

Não se pode esconder a luz quando ela brilha / Se somos luz do mundo, / Temos que brilhar / Jesus é a nossa luz, Ele nos iluminou / Deixa a luz, tua luz, brilhar!

Nosso Deus é luz, nele não há treva alguma / E nós, como seus filhos,/ Temos que andar na luz

E se andarmos na luz como Ele está na luz / Deixaremos sua luz brilhar! (BORBA, 2009)

Um exercício interessante e produtivo quando se trata da música na igreja é observar sua letra à luz dos princípios de Cranmer (CARSON et al, 2017). Thomas Cranmer foi um arcebispo importante na Reforma inglesa do século XVI. De seu legado escrito, destaca-se seu Livro de oração comum, que objetivava pôr a Bíblia no centro dos cultos, quer na Palavra pregada pelo ministro, quer nas canções entoadas e demais atos vividos pela congregação. Em seu trabalho, Cranmer elencou três princípios cuja aplicação era recomendada ao se planejar a liturgia de um culto: “1. É bíblico? 2. É acessível? 3. É equilibrado?” (CARSON et al, 2017, p. 78).

 “Quando escrever [uma canção] para a igreja, a principal fonte de água tem de ser a Palavra viva de Deus” (GETTY, 2018, p. 158). Esse exercício pode ser observado na letra em estudo. Aplicando os princípios cranmerianos à nossa música-alvo, pode-se observar que, pela presença de referências diretas a textos escriturísticos2, trata-se de uma letra bíblica, que aponta para a Escritura não apenas por tais referências, mas, sobretudo, por ser orientada pelo chamado bíblico de Deus para nós: ao respondermos a esse chamado, somos iluminados para iluminarmos os perdidos. Parafraseando Mark Ashton, se uma canção passar nesse teste bíblico, então ela deve edificar3.

Quanto à acessibilidade, definida como a capacidade de “trazer a verdade bíblica para perto de pessoas comuns” (Ibidem, p. 80), verifica-se que a letra da canção é simples, comunicando a verdade da Escritura de forma objetiva. Esse quesito aponta para o povo que ouvirá a canção, daí a necessidade de esta comunicar as verdades bíblicas de modo claro. Por último, considerando-se que o “Cristianismo oferece um equilíbrio único de unidade e diversidade, de particularidade e universalidade” (PEARCEY, 2018, p. 158), ao se aplicar à canção o teste do equilíbrio, pode-se observar que não lhe faltam sensibilidade e moderação contribuindo para a compreensão da mensagem.

Nota-se, pois, que a letra de Deixa a tua luz brilhar, que retrata o testemunho de vida de Asaph Borba, traz marcas evidentes da fonte que a fez surgir. Em seus versos, a Palavra de Deus é citada e poetizada de forma coerente e clara, propagando a fé à medida que evidencia a razão desta, constituindo-se “a manifestação pública daquilo que cremos” (GETTY, 2018, p. 111). Dessa forma, glorifica a Deus por anunciar a sua salvação (cf. Sl 96).

Conclusão

Há um perigo, é verdade, em “apresentar o testemunho pessoal em vez de mostrar os argumentos da fé” (VAN TIL, 2012, p. 30). No entanto, os frutos apresentados por Borba revelam4 a elucidação dos argumentos da fé na canção analisada. Nela, percebe-se que “por trás de todos os desafios e dificuldades desta vida, nosso desafio último é se ou não honraremos a Deus e obedeceremos a sua Palavra” (FRAME, 2010, p. 40).  Graças a Deus, é o Espírito Santo quem convence o pecador de seu estado deplorável longe de Deus, pois se dependesse de nossas ações e produções, incluindo as musicais, seríamos incapazes de convencê-lo de que o “cristianismo é a alternativa” (FRAME, 2010, p. 48). Ainda que encontremos, numa busca rápida nos serviços de streaming de áudio, letras de canções que se afastam desses princípios (mesmo sendo estas entoadas, dominicalmente, em nossas igrejas), observar a biblicidade, a acessibilidade e o equilíbrio das músicas presentes em nossa liturgia é essencial, inclusive para atingirmos o objetivo de anunciar aos descrentes o Evangelho. Com essa compreensão, deixaremos a Luz de Cristo brilhar ao ponto de iluminar os que vivem cegos pela escuridão do pecado.


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1 Mt 5.14-16 (BÍBLIA DE ESTUDO NAA, 2018).

2 Is 60.2, Ml 4.2; Is 9.2; Mt 5.14-16; I Jo 1.5; Ef 5.8; 1 Jo 1.7.

3 A frase original é: “Se um culto passar nesse teste bíblico, então ele deve edificar” (CARSON et al, 2017, p. 79).

4 Referência a Mateus 7.16. Ao comentar esse texto, a Bíblia de Estudo NAA traz a seguinte análise: “A vida do profeta e os resultados da sua influência sobre os outros são os frutos que indicarão se sua mensagem é ou não consistente com a vida de justiça do Reino” (BÍBLIA DE ESTUDO NAA, 2018, p. 1712).


Referências bibliográficas

CARSON, D. A et al. Louvor: análise teológica e prática. Tradução: Wilson de Almeida. 1.ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017. 268 p.

BÍBLIA DE ESTUDO NAA. Tradução: João Ferreira de Almeida – Edição Revista e Atualizada. 3. ed. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2018. 2843 p.

BORBA, Asaph. A história por trás da música: as histórias que deram origem às canções que marcaram a música brasileira. Rio de Janeiro:Thomas Nelson Brasil, 2019. 288 p.

FRAME, John M. Apologética para a glória de Deus. Tradução: Wadislau Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. 224 p.

GETTY, Keith. Cante!: como o louvor transforma sua vida, sua família e sua igreja. Tradução: Elizabeth Gomes. São José dos Campos, SP: Fiel, 2018. 168 p.

PEARCEY, Nancy. A busca da verdade. Tradução: Letícia Scotuzzi. São Paulo: Cultura Cristã, 2018. 286 p.

VAN TIL, Cornelius. Por que creio em Deus. Tradução: Wadislau Gomes. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2012. E-book. 59 p.