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Resenha: Uma breve história das doutrinas cristãs

Resenha escrita por Guilherme Scholtz, estudante do Programa de Tutoria Essencial 2023


GONZÁLEZ, Justo L. Uma breve história das doutrinas cristãs. Tradução: José Carlos Siqueira. 1. ed. São Paulo: Hagnos, 2015. 256 p.


Uma breve história das doutrinas cristãs é uma obra que se propõe a apresentar as principais doutrinas do cristianismo, suas origens e desenvolvimento ao longo do tempo e como elas se manifestam atualmente. O livro possui 12 capítulos, nos quais o autor se debruça sobre temas específicos que compõem os rudimentos da crença cristã e da fé bíblica.

O primeiro capítulo consiste em uma introdução ao conceito de doutrina. Ela pode ser sinônimo de opinião ou de um princípio, guia de ação, mas, de forma mais comum, significa ensino, instrução. Segundo o autor: “[…] uma doutrina é o ensino oficial de um corpo — neste caso, a Igreja — que lhe fornece forma, consistência e diferenciação” (GONZÁLEZ, 2015, p. 9). González declara que seu objetivo é trabalhar as doutrinas adotadas por todos os cristãos que os diferenciam dos demais grupos, sem deixar de abordar as particularidades de tradições específicas quando necessário. 

As relações entre Israel, a Igreja e a Bíblia são o foco do capítulo dois. O livro discute como o cristianismo tem bases judaicas, de tal maneira que Jesus e os apóstolos eram judeus e se pautavam na Bíblia hebraica para guiar seus ensinos. Os discípulos de Jesus consideravam Ele e o evangelho como a manifestação da esperança de Israel. Todavia, surgiram grupos no século II que tentaram separar o cristianismo de suas raízes judaicas. O mais relevante deles foi o dos marcionitas, que viam o Deus dos judeus, evidenciado nas Escrituras hebraicas, como um ser inferior e mal, que pregava justiça e vingança. O Pai de Jesus e Deus dos cristãos era superior e bom, propagador de amor, graça e perdão ao enviar seu Filho para morrer pela humanidade. Diante desse movimento, a Igreja se viu com a tarefa de estabelecer os cânones do Antigo e do Novo Testamento, para que não acontecessem novamente relativizações sobre os textos dos apóstolos e confusões sobre a herança hebraica do cristianismo.

No terceiro capítulo, é abordada a ideia criacional. Os cristãos viviam em sociedades politeístas, em que concepções de que o mundo era mau foram comuns e o dualismo era amplamente aceito. Quando praticantes do gnosticismo e do platonismo se converteram à fé cristã, o sincretismo e as sínteses ameaçaram a integridade do cristianismo. A imanência e a transcendência da realidade foram colocadas em colisão. A representação bíblica é a de uma criação boa, que, apesar de corrompida pelo pecado, um dia será totalmente redimida pelo Senhor, que viverá com os seus em novo céu e em nova terra.

Com essa visão da criação, os cristãos guiam seu relacionamento com a cultura, sendo este o tema do capítulo quatro. Naquela época, os atritos entre cristianismo e a cultura greco-romana tornaram necessário da parte da Igreja ter sabedoria em como se portar na sociedade em que estava inserida. Uns preferiam se isolar e rejeitar tudo, outros abraçavam as influências externas e as adaptavam ao Evangelho. Essa é uma tensão que se faz presente na realidade cristã até hoje, em que o cristão tem que saber os limites do que aceitar ou não em uma cultura e como se adaptar a ela sem fazer concessões às raízes do cristianismo.

O quinto capítulo aborda a doutrina de Deus. Ela desenvolve-se pela necessidade do diálogo entre a fé cristã e outras crenças, para defendê-la de ataques e de críticas, por conta do advento de Jesus Cristo e sua relação com o Deus das Escrituras. Nesse período, o principal debate que surgiu foi a respeito da natureza do Filho. Então, aconteceu o Primeiro Concílio Ecumênico com o intuito de combater as heresias do arianismo, resultando na concepção do chamado Credo Niceno e na formalização da doutrina da Trindade, aprimorada no Segundo Concílio Ecumênico. 

A criação de uma doutrina do homem também foi necessária, sendo este o foco do capítulo seis. Com a doutrina da criação como ponto de partida, a Igreja estava consciente que o ser humano é uma criatura, mas diferente das demais, por ter sido feito à imagem e a semelhança de Deus. O debate mais importante dessa doutrina foi a respeito da capacidade de escolha do homem e sua relação com o pecado e a salvação. Isso levou ao Terceiro Concílio Ecumênico, que combateu as heresias do livre-arbítrio do homem propagadas por Pelágio. 

Jesus é tema do capítulo sete. As definições de sua pessoa e de sua obra foram o centro de discussões desde o Novo Testamento. Alguns exaltavam sua natureza humana, outros consideravam Ele unicamente divino. No Quarto Concílio Ecumênico, contra as heresias e os extremos, foi firmado que Jesus é plenamente humano, verdadeiramente Deus e uno em sua natureza.

O foco do oitavo capítulo é a igreja. Ao longo dos séculos, o consenso foi que a igreja é reconhecida por quatro aspectos: unidade, santidade, catolicidade e apostolicidade. A unidade doutrinária e a pureza moral do corpo de Cristo, a natureza visível e invisível da comunidade cristã, o governo e a hierarquia da igreja são tópicos trabalhados nessa seção do livro. Batismo e comunhão, práticas que todos os cristãos têm em comum, são abordados no capítulo nove. Independentemente da quantidade de sacramentos que algumas tradições específicas possuam, é de reconhecimento geral que materialidade, representação, instituição e santificação compõem a natureza dessas ações. A história dos sacramentos e seu desenvolvimento ao longo do tempo são pontos destacados por González.

Salvação é a temática do décimo capítulo. O desafio do cristianismo era apresentar essa ideia no cristianismo sem comprometer a doutrina da criação em meio às diversas religiões e filosofias que ofereciam algum tipo de salvação. No entanto, a própria Igreja teve dificuldades em entender plenamente esse conceito por algum tempo. A salvação foi vista como dependente das boas obras até que os reformadores reintroduziram a definição de salvação somente pela fé. O capítulo onze trabalha a tradição como conceito e sua manifestação na história da Igreja. Inicialmente, ela era vista como uma forma de combater as heresias ao manter a natureza apostólica das comunidades cristãs. Com o tempo, ela tornou-se um aspecto determinante de autoridade na igreja, até ser um ponto de discordância entre protestantes e católicos romanos desde a Reforma, algo que se intensificou com a expansão do evangelho ao redor do globo.

O último capítulo consiste no histórico da pneumatologia e da escatologia até o momento atual. Para o autor, o debate tímido sobre o Espírito Santo ao longo da história e a presença crescente do cristianismo em culturas diferentes contribuem para o protagonismo desse tema no século XXI. A doutrina dos últimos tempos está cada vez mais presente no cotidiano dos cristãos que vivem em um mundo caótico de sofrimentos, de privações e de opressões diversas. Ela se caracteriza como a doutrina da esperança cristã, que, em conjunto com o Consolador, conduz a Igreja até a segunda vinda de Cristo.

Em suma, a obra de González é uma ótima introdução às doutrinas cristãs. Ela aborda parte da caminhada da igreja e do cristianismo, não se propondo a detalhar suas histórias exaustivamente. As doutrinas básicas são diretamente conectadas aos momentos históricos que o autor expõe no livro, enquanto também as traz para o contexto contemporâneo, refletindo sobre suas relevâncias no presente.