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Dois livros na linguagem de Deus

Estamos cada vez mais admirados pela complexidade, beleza e maravilha do mais divino e sagrado dom de Deus.

Francis Collins

Desde que me tornei cristão, penso que o melhor serviço, talvez o único, que posso prestar a meus semelhantes incrédulos seja explicar e defender a fé comum a praticamente todos os cristãos em todos os tempos.

C. S. Lewis

Em maio deste ano o geneticista e médico norte-americano Francis Collins foi laureado com o prêmio John Templeton, criado para homenagear pessoas que fizeram “contribuições extraordinárias para a afirmação da dimensão espiritual da vida”¹. Criador da Fundação BioLogos, Collins possui bacharel em química pela Universidade da Virgínia e PhD pela Universidade de Yale, além do doutorado pela Universidade da Carolina do Norte. Atualmente é diretor do NIH, National Institutes of Health (Institutos Nacionais de Saúde), a maior referência em pesquisa biomédica do mundo, nos Estados Unidos.

Entre as décadas de 1990 e 2000, Collins  liderou o Projeto Genoma Humano, que trouxe uma “revolução copernicana” na prática da medicina: “o anúncio, em 26 de junho de 2000, de que os cientistas haviam completado o primeiro mapeamento de todo o genoma humano, o conjunto de instruções que define o organismo humano. Este feito revolucionou o diagnóstico, a prevenção e o tratamento da maioria das doenças humanas”², um feito que conferiu a Collins a Medalha Presidencial da Liberdade, em 2007.

UMA “FEBRE” PARA A VIDA INTEIRA

Collins nasceu num lar simples, na zona rural, sendo educado em casa pelos pais até os 10 anos de idade. O trabalho na fazenda era uma importante fonte de renda para a família. Dos seus pais herdou um presente que iria levar para toda a vida: “o dom de aprender a amar o aprendizado e a descoberta de que novas experiências poderiam se incluir entre as coisas mais emocionantes a me acontecer. Isso me deu um senso de curiosidade que me conduziu, por meio da matemática, da química e da física, até a biologia e a medicina e, finalmente à exploração desse maravilhoso registro denominado de genoma do DNA humano” (2013, p. 22).

Mas, por incrível que pareça – a julgar pela sua brilhante carreira -, nesta fase da vida a ciência ainda estava longe de fazer parte de seus interesses. Seus pais eram dramaturgos e a expectativa era de que ele e seus irmãos seguissem o mesmo caminho, dando continuidade à tradição da família. Entretanto, este quadro começou a mudar quando Collins conheceu um professor de química na escola onde estudava, na Virgínia: “Ele conseguia escrever  mesma informação no quadro-negro, com as duas mãos o mesmo tempo! Mas, acima de tudo, ele nos ensinava as alegrias de ser capaz de empregar as ferramentas da ciência para descobrir coisas que ainda não sabíamos. Eu peguei essa febre e ainda sofro com ela” (2013, p. 22). Mal sabia ele que essa “febre” ditaria o rumo da sua vida.

Se a ciência não era algo que chamava sua atenção, tampouco a fé.  Collins foi criado num lar em que a crença religiosa não recebia pouca atenção. Seus pais “não eram críticos da fé, mas também não a consideravam particularmente importante ou relevante” (2013, p. 22). Com o passar dos anos, já quando havia ingressado na Universidade da Virgínia, aos poucos foi se solidificando o pensamento de que havia pouco valor nas declarações religiosas, uma vez que não encontrava “razão particular  para atribuir valor a um sistema de fé” (2013, p. 23). O ceticismo e o ateísmo lhe pareciam posições muito mais razoáveis e intelectualmente mais atraentes:

“Eu me sentia confortável em ter todas as crenças religiosas como superstições, sendo esse o tipo de coisa que devemos abandonar quando adquirimos mais conhecimento sobre como o universo funciona. Eu não tinha tempo para as pessoas que tentavam argumentar que haveria algo além do mundo físico que fosse valioso e verdadeiro. E assumia que quaisquer sentimentos religiosos que alguém tivesse seriam necessariamente originados de alguma experiência emocional – algo em que eu não confiava –  ou baseados em alguma doutrinação infantil que eu me sentia alegre por ter perdido” (2013, p. 23, 24).

UMA DESCOBERTA SURPREENDENTE

Na pós-graduação Collins descobriu o seu interesse pela medicina, sobretudo pela genética, no estudo do DNA. Foi uma das fases mais importantes de sua vida. No estágio de treinamento ele teve contato com um lado da vida até então pouco familiar na sua jornada, quando se viu “sentado à beira da cama de pacientes que possuíam doenças graves. Agora se tratava não apenas do estudo abstrato de moléculas e sistemas de órgãos, mas também de pessoas reais” (2013, p. 24). Ao conhecer as suas histórias, Collins ficou impressionado com algo que, naquelas circunstâncias, lhe parecia inconcebível. Em meio ao sofrimento, no lugar de revolta e indignação, aquelas pessoas conseguiam descansar o coração e repousá-lo sobre algo aparentemente tão supersticioso, a fé:

“Até então, a ideia de vida e de morte havia sido abstrata para mim, mas agora era real. Eu me sentia intrigado ao constatar que as pessoas nesse hospital, em sua maioria, não estavam revoltadas com a sua condição. Eu achava que elas deveriam estar. Antes, elas pareciam estar em paz, compreendendo que suas vidas estavam chegando ao fim. Muitas delas falavam até mesmo sobre como sua fé lhes dava conforto: essa era a rocha sobre a qual se apoiavam e não tinham medo. Desse modo, eu percebi que em sua posição eu estaria com medo. Não sabia o que havia do outro lado e suspeitava que não houvesse nada” (2013, p. 25).

Embora ainda não compreendesse, aquele foi um momento decisivo da sua vida, que se cristalizou quando conheceu uma piedosa paciente que enfrentava uma grave doença de coração. Pela primeira vez, e sob circunstâncias tão adversas aos seus olhos, alguém lhe falou abertamente do evangelho. Ao testemunhar o seu amor por Cristo, aquela paciente lhe fez uma pergunta que marcou a sua consciência: Em quê você acredita? Collins ficou desconcertado, ao mesmo tempo que se deu conta do quão importante era aquela questão.

“Em última instância, tive de admitir para mim mesmo que a pergunta da mulher buscava uma resposta para a mais importante questão encarada por nós, seres humanos: existe um Deus? Eu havia chegado à resposta negativa sem nunca ter considerado realmente a evidência – eu, que era supostamente um cientista! Se há uma coisa que os cientistas alegam, é que chegam às suas conclusões com base em evidências e eu não tinha corrido o risco de fazê-lo” (2013, p. 26).

CONHECENDO “O MAIS RELUTANTE DOS CONVERTIDOS”

Este episódio levou Collins a procurar um pastor metodista que era seu vizinho para conversar sobre essas questões. No encontro aquele pastor o presenteou com um clássico da literatura cristã: Cristianismo puro e simples, de C. S. Lewis. Aquela leitura confrontaria convicções que até então jamais haviam sido devidamente examinadas, e, sobretudo, o levaria a perceber, “pela primeira vez, que alguém pode vir a crer com uma base racional e que o ateísmo era provavelmente a menos racional de todas as escolhas” (2013, p. 27).

Collins ficou muito impressionado com o capítulo de Lewis sobre a lei moral: “assim como os corpos são regidos pela lei da gravitação, e os organismos pelas leis da biologia, assim também a criatura chamada “homem” possui uma lei própria – com a grande diferença de que os corpos não são livres para escolher se vão obedecer à lei da gravitação ou não, ao passo que o homem pode escolher entre obedecer ou desobedecer à Lei da Natureza Humana” (2009, p. 7). Se Deus existe, concluiu Collins, Ele necessariamente deve ser um Deus pessoal, e não uma entidade ex machina conforme alguns sistemas filosóficos.

“Percebi que o ateísmo reivindica uma “negativa universal” (não há Deus de forma alguma), o que é uma coisa muito difícil fazê-lo diante dos muitos indicadores de Deus no universo: seu começo e seu fino ajuste em termos do modo como todas as constantes físicas, que determinam o comportamento da matéria e da energia, pareciam ter sido estabelecidas dentro de um intervalo muito preciso, a fim de tornar possível a vida” (2013, p. 27).

ENCONTRANDO O AUTOR DA VIDA

De forma similar à influência que Lewis recebeu de seus amigos cristãos, importantes na sua peregrinação a Cristo, Collins neste momento estava sendo influenciado por um “amigo”, mesmo nunca tendo o conhecido pessoalmente mas cujo testemunho era tão presente agora. Algo estava acontecendo. “A descoberta de que poderia haver um Deus que se importava comigo foi uma profunda revelação, mas com ela veio uma crescente preocupação. Eu estava começando a descobrir Deus, porém o caráter desse Deus santo estava muito além do que eu era capaz de alcançar com todas as minhas falhas. Essa angústia foi abençoadamente respondida quando comecei a compreender a pessoa de Jesus Cristo” (2013, p. 28). O reino dos céus já não se encontrava mais tão distante dele.

“Eu pensava que Cristo era mais mito que história, mas depois de ler sobre ele percebi que se tratava de uma figura histórica. Há bastante evidência da existência de Jesus e de seus ensinos, além de bases ainda mais fortes para sua literal ressurreição dentre os mortos. Embora isso tenha me parecido inacreditável no início, começou a fazer o mais perfeito sentido posteriormente. Entendi que eu seria eternamente separado de Deus se não houvesse algum tipo de ponte para me tornar justo, dadas as minhas imperfeições e a santidade de Deus. E compreendi que a ponte perfeita era o próprio Jesus. isso foi uma revelação alegre e também assustadora. À medida que tudo se encaixava, percebi que tinha ido longe demais nessa estrada e que seria muito difícil voltar atrás” (2013, p. 29).

Quando se tornou cristão, Collins se deu conta de que “não havia conflito real entre a crença em um Deus Criador e o uso da ciência para compreender como Deus fez essa criação” (2013, p. 30). Sua fé não tornou a ciência ruim aos seus olhos. Não seria necessário “escolher um dos lados”, pois se Deus é o Criador de todas as coisas e o autor dos “dois livros” – as Escrituras e a  natureza criada – jamais deveria existir tal conflito:

“Você pode ler a Bíblia ou ler o livro da natureza e encontrará verdade nos dois. É preciso ser cuidadoso, naturalmente, sobre o tipo de questão a fazer e sobre quais ferramentas são necessárias para cada questão. Parece-me que colocar de lado um desses tipos de investigação e dizer que ele seria “inapropriado ou perigoso” é empobrecer a oportunidade de tocar as questões mais importantes da vida. A nós é dado apenas um breve tempo neste planeta maravilhoso, então por que deveríamos nos limitar? Precisamos buscar a verdade em todas as direções” (2013, p. 31).


¹ Conheça a história do Laureado com o Prêmio Templeton 2020, Francis Collins. Associação Brasileira Cristãos na Ciência, 2020. Disponível em: <https://www.cristaosnaciencia.org.br/jornada-francis-collins/>. Acesso em 17 de novembro de 2020.

² Entrevista com Francis Collins: “A força de Deus é suficiente” – Parte 2. Associação Brasileira Cristãos na Ciência, 2020. Disponível em: <https://www.cristaosnaciencia.org.br/entrevista-francis-collins-parte2/>. Acesso em 17 de novembro de 2020.


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REFERÊNCIAS

BANCEWICZ, Ruth (org.). O teste da fé: os cientistas também creem. Trad. Guilherme Carvalho. Viçosa, MG: Editora Ultimato, 2013.

LEWIS, C. S. Cristianismo puro e simples. Trad. Álvaro Oppermann e Marcelo Brandão Cipolla. 3.ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009.

2 comments

  1. Cleiton Silva Oliveira

    Que testemunho maravilhoso! Até os mais improváveis céticos se rendem a graça irrestivel, quando lhe é revelada.

  2. Tulio

    “Collins foi criado num lar em que a crença religiosa não recebia pouca atenção.”

    Melhor seria “Collins foi criado num lar em que a crença religiosa recebia pouca atenção.”

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